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"Todo homem merece ser traído"

Já dizia aquela vadia incurável, lá pelas bandas de Quixaramobim, justificando suas puladas de cerca. Ela era mesmo um típico clichê de Raimunda, com um olhar dotado de malicia e ginga de vaca estourada nas cadeiras. Nelson Rodrigues a chamaria de Geni. Mas, eu a chamarei de Deuzuite.

Deuzuite, mulher fêmea, constantemente no cio, cujo feromonio era compatível com todos os homens necessários ao seu sustento; o padeiro, o açougueiro, o feirante, o farmacêutico, o comerciante de secos e molhados e o imprestável Apolinário, (esse era o marido, que as vezes comia naquela casa).

A dissoluta mulher era mãe de quatro filhos, todos de uma só gestação. Leite, fubá, arroz e feijão, tudo isso vezes quatro mais dois quando o caixeiro estava em casa. O desdito caminhoneiro era pai de muitas famílias. A de Deuzuite era apenas a família de Quixaramobim.

A jovem senhora sabia muito bem disso. Por este motivo não sentia remorsos ao traí-lo. Menos culpa sentia por se deitar com tantos. Nenhum certamente merecia lealdade, pois todos eram homens casados que se justificavam, dizendo que procuram na rua o que não há em casa.

Deuzuite tomada pela forca de sua tese sobre a fidelidade masculina, arrumou-se com aquele vestido de viscose estampado que a deixa com as ancas largas e coxas grossas, calcou um tamanco de madeira com salto plataforma, soltou a cabeleira, passou um batom vermelho e se perfumou toda com a colônia Toque de amor, que ganhou de um de seus amantes necessários.

Era a visão escachada da Tieta de Jorge Amado. Mas era apenas Deuzuite espalhando sua tosca sensualidade pelas calcadas de sua fama, extraindo suspiros masculinos e ódio das despeitadas senhoras. Sentou-se no banquinho tímido da praça a espera de coisa alguma, abriu a bolsa e pegou um pedaço de papel e começou a dobrá-lo, por vezes e vezes, ate que a inútil folha transformou-se num belo pássaro.

Naquele dia alguém muito diferente a observava, e aproximou-se encantado, não apenas com suas generosas curvas corporais, mas com sua capacidade de transformar papel em origami.

Otavio, que mostrou a Deuzuite quem ela é, tirou-a com seus quatro filhos de Quixaramobim, deu-lhe casa e condições de estudar e se dedicar a sua arte. Neste ponto de sua vida, ela seria uma das Helenas de Manoel Carlos. Mas eu continuarei a lhe chamar de Deuzuite. Deuzuite artista, mulher de respeito. Respeitada pelos homens e admirada pelas mulheres.

Otavio lhe supriu todas as necessidades, deu-lhe o necessário e o extraordinário. Uma bela casa de cinco quartos, carro com motorista, vários empregados e uma dispensa cheia. Ele era um homem insuportavelmente perfeito.

Mas Deuzuite não era feliz, seu olhar revelara uma pálida tristeza. Otavio não merecia ser traído? Conjeturava a infeliz senhora, lastimando o fato de não possuir motivos para vadiar. Motivos, motivos assim, não tinha, mas havia uma necessidade latente em Deuzuite, a necessidade de ser desejada, ardentemente por muitos.

Começou a sair todas as tardes, passou a vender sua maior arte a clientes vips, agora não mais necessários ao seu sustento, mas ao seu vicio. Flaubert então a chamaria Bovary, mas eu continuo a lhe chamar de Deuzuite. Deuzuite, que era Geni, que tornou-se Tieta, que virou Helena, que virou Bovary, que na verdade era Gabriela. Sempre Gabriela.
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Atualizado em: Qua 18 Fev 2009

Comentários  

#4 Cilas_Medi 07-02-2010 14:23
Esqueceu da "Dama da Tarde", mas será sempre Deuzuite. Que fogo, que paixão. Estrelado. E homem, você acha mesmo, merece ser traído!!!. Somos bonzinhos! Estrelado. Parabéns, poetisa!
#3 Cilas_Medi 07-02-2010 14:23
Esqueceu da "Dama da Tarde", mas será sempre Deuzuite. Que fogo, que paixão. Estrelado. E homem, você acha mesmo, merece ser traído!!!. Somos bonzinhos! Estrelado. Parabéns, poetisa!
#2 clara dawn 07-04-2009 03:54
"Todo homem merece ser traído"Qua, 18 de Fevereiro de 2009© 2009 - Autores.com.br
#1 clara dawn 07-04-2009 03:54
"Todo homem merece ser traído"Qua, 18 de Fevereiro de 2009© 2009 - Autores.com.br

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