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  • A GAROTA SOLITÁRIA

        Tão escuro conto a sombra de
    uma pessoa na luz do dia 
    tão escuro ao cair da noite 
     tão obscuro que da pra
    peceber que  você esta sozinha

    e pressa no seu mundo solitário 
  • A GAROTA SOLITÁRIA

        Tão escuro conto a sombra de
    uma pessoa na luz do dia 
    tão escuro ao cair da noite 
     tão obscuro que da pra
    peceber que  você esta sozinha

    e pressa no seu mundo solitário 
  • Últimos Momentos

    A luz cor de laranja da alvorada da manhã entrava pela minha janela aberta do quarto e se mesclava com a cor acinzentada da fumaça que saía da ponta de meu cigarro aceso. Tinha passado a noite toda em claro, pensando em tudo, eu intercalava meu olhar entre a chama laranja que vinha do isqueiro e bruxelava com a brisa fria da noite que adentrava meu quarto e todo o meu ser e a palidez do teto de gesso que se parecia muito com a cor de neve da minha pele. Encostei a cabeça na cabeceira de madeira da cama, estendo o cigarro pra fora dos lençóis da cama e dei umas batidas para tirar as cinzas que tinha ficado ali desde a primeira tragada. Expiro lentamente a fumaça de meus pulmões e saboreio o gosto amargo que deixa em minha línguas, passo a mão por meus cabelos desgrenhados e dou mais gole no copo de whisky, sinto a ardência e o calor que se espalham por todo o meu corpo mas não me incomodo com isso, agora nada mais faz diferença. Dou um último grande gole no copo e sinto um filete do líquido escorrendo pelos dois cantos de minha boca, limpo minha boca com as costas de minha mão esquerda e não me importo com as manchas que minha camisa iria ficar ou com o cheiro que eu estava, nada mais me restava, eu não via mais importância em nada. Puxo mais um trago do forte cigarro de nicotina e seguro a fumaça por um tempo antes de expirar devagar novamente, fico satisfeito com a quantidade que já tinha fumado aquele dia e apago o cigarro na parede branca ao meu lado, deixando uma marca preta na mesma, apenas dou de ombros e repito meu mantra que tinha tomado conta de mim nos últimos meses e também foram as palavras que eu falei quando minha esposa me largou e eu fui despedido de meu emprego, e também quando pensava que iria ser despejado e meus provavelmente iriam ser leiloados... "Não me importo". Jogo o copo com força na parede oposta a mim e o ouço se quebrar e aproveito o som que o tilintar dos cacos de vidro caindo no chão deixam em meus ouvidos, sinto o cheiro forte do cigarro no quarto e encaro a lâmina, sinto o toque frio e familiar do metal na minha pele e sinto o toque caloroso do sangue que escorre por todo o meu braço, sinto o mundo se escurecendo e a vida se esvaindo de meu corpo, minha mente ficando vazia e meu corpo ficando leve, tudo se escurece e a escuridão se torna tão silenciosa quanto a solidão e o silêncio se torna tão frio quanto o mais castigador inverno que congela até a alma
  • ???????

    O que eu tô fazendo da minha vida? Bom sinceramente… eu não sei. eu me esforço, dou o meu máximo, o meu melhor e parece que é a mesma coisa que… nada. Eu nunca deixei ninguém notar mas quase sempre eu tô meio triste/pra baixo, e como se eu tivesse usando uma máscara pra esconder o que eu tô sentindo, eu chamo de "falso sorriso". na maioria das vezes eu não sei o motivo de eu estar triste, as vezes são memórias, pensamentos etc. E como se uma batalha/guerra tivesse sendo travada na minha mente, e eu não possa fazer nada para interromper ou impedir.
  • (De)pressão.

    Eu via pessoas correndo num jardim.
    Todos os dias, vinham pessoas diferentes para correr num jardim.
    Eu nunca pude ir nesse jardim.

    Dentro, um vazio.
    Um branco.
    Tudo é branco.
    Nada é branco.
    Isso é só algo que eu criei pra imaginar que houvesse algo ali.

    Os pássaros cantaram.
    As mais belas flores desabrocharam.
    E, em dias como esse;
    Crianças devem brincar num jardim.

    Mas eu não podia ir no jardim.
    O jardim não podia vir até mim.
    Eu destruiria o jardim se fosse possível.

    Na verdade, ninguém liga pra esse jardim estúpido.
    Ninguém liga para as malditas crianças que correm no jardim.
    Ninguém precisava se importar.

    Eu vivia no vazio.
    Eu amo o vazio.
    O vazio é um lugar só meu.
    Ninguém mais pode entrar no meu vazio.

    Mas, sinceramente, as pessoas odeiam meu vazio.
    Elas odeiam com todas as suas forças.
    Existem algumas pessoas que me levam à outras pessoas que me dizem pra eu deixar meu vazio de lado.

    Mas eu só queria brincar no jardim.
    Eles não me deixam ir no jardim.
    Eles não me deixam no meu vazio.
    Eles não me deixam em lugar nenhum.


    Me deixem em paz.
  • (R)odeio I

    Lily gosta de insetos.
    Lily sabe que insetos são legais.
    Lily gosta muito de insetos.

    Muitas pessoas não gostam de insetos.
    Muitas pessoas acham que insetos são nojentos.
    Muitas pessoas acham que Lily é uma coisa nojenta, pois ela gosta de insetos.

    Lily não é nojenta.
    Lily gosta de outras coisas também.
    Porém, ela gosta de insetos.

    Muitas pessoas não gostam de Lily.
    Muitas pessoas não gostam de Lily ,pois ela gosta de insetos.
    Ninguém gosta de insetos.

    Lily é uma boa pessoa.
    Lily queria que as pessoas aceitassem que ela gosta de insetos.
    Lily queria que as pessoas gostassem dela.

    Lily não queria mais gostar de insetos.
    Lily tentou gostar de coisas normais.
    Lily não gosta de coisas normais.

    Lily ainda gosta de insetos.
    Muitas pessoas não gostam de Lily.
    Lily não gosta de muitas pessoas.

    Lily não gosta mais de pessoas.
    Lily queria que as pessoas sumissem.
    Lily não gosta de pessoas.


    Lily acha que pessoas são nojentas.
    Lily odeia pessoas.
    Assim como as pessoas odeiam Lily.
  • [Roteiros] RUPTURA

    Eu sempre vou ter o que falar. Não guardo palavras. Mas, é cansativo quando são proferidas em vão. Sobre o meu sentir, você sabe. Aliás, fim de semana passado foi incrível.

    Posso apontar a dedo (os seus e meus) erros e os acertos, ações e omissões, os altos e baixos.

    Obrigada pelos altos.
    Obrigada pelos dias gostosos.
    Obrigada pelos olhares, pelos momentos de verdade.
    Obrigada por me mostrar inúmeras coisas.
    Obrigada pela imensidão do que me permitiu sentir.

    Porém, foi sobretudo, conturbado para apenas uma estação. Não vivemos ou viveremos tudo o que eu gostaria. Não comecei nada pensando no fim.

    O ponto final você põe, agora, sozinho. Não precisa me falar razões. A minha resistência ao CEDER e a sua necessidade em IMPOR sempre foi um problema entre nós. Sobretudo, o jeito como lidamos com as coisas, que é grotescamente diferente. Causou muitos dias baixos (como ontem e hoje).

    Todas as minhas declarações, choros, abraços, beijos, toques e olhares, foram sempre, profundamente, de verdade.

    Sabe, você diz sentir o universo por mim. Não sei como se pode amar alguém e facilmente colocar ponto final em relação a ela, bem como sempre ameaçar partir. Muito menos como tudo pode ser razão para partida. Não sei se é por você ser imediatista. Não sei.

    Acaba por me proporcionar alvoroço emocional. O alvoroço existe justamente pelo que pulsa em mim, por eu gostar de ti de uma forma desmedida.

    Você parece não perceber que, para quem está do outro lado, isso é foda, pra cacete. É uma espécie de controle emocional. Sem contar que mostra fragilidade do nosso elo, em muitos sentidos. Te disse isso das outras vezes.

    Francamente, como amiga, se atenta nisso. Como isso afeta e o que demonstra para o outro. Não sei se nos seus relacionamentos anteriores isso fluía ou como sua parceira reagia. Mas, pode descartar se quiser. Não tenho outra experiência para poder comparar. E, ainda que tivesse, sabe o quanto detesto comparações.

    Por favor, não me venha com “vai deixar a nossa coisa se desmanchar”. Sendo sincera, você quem iniciou a ruptura e, dessa vez, simplesmente acatei sua decisão. Não jogue o peso da sua escolha sobre mim.

    Recordo precisamente do seu efêmero posicionamento. Ouvi com atenção aquela frase, que, aliás, óbvio, atordoa a minha mente. “Não está bom pra mim”. Ainda que antes mesmo de proferi-la, intuitivamente pude pressentir o que diria. A mensagem amarga. Ao soar de cada silaba proferida, cada movimento dos teus lábios, queimava. Lentamente eu provava cada farpa do veneno.

    Não vou enganar a ti, muito menos a mim mesma, estou decepcionada e, mormente, com raiva. Por todo um conjunto.

    Aquela conversa não foi em vão. Aliás, nunca qualquer conversa, fala, minha foi frívola. Detesto a ideia de me doar em conversas baldias.

    Você não pode dar tchau pra mim sempre que tiver vontade. Fazendo-me sentir imenso temor diante de toda e qualquer coisa ínfima, propriamente por saber que você, a qualquer momento, irá se voltar a mim dizendo um adeus ou ameaçando isso.

    Você não pode me dispensar e depois -quando quiser - me chamar, acreditando que vou ignorar isso e simplesmente "gozar".

    Não pode me descartar assim, achando que isso não me abala ou enfraquece um vínculo.

    Sabe o pior? Isso não foi agora. Já havia acontecido mais vezes do que eu gostaria, aliás, vezes demais que chega a ser difícil de acreditar. É tristemente reincidente.
    Não quero uma relação instável. Não quero me sentir insegura, pontualmente nesse sentido: “hoje ele quer estar comigo, amanhã, sem mais nem menos, talvez não”.
    Tenho horror a estar constantemente dependente da sua aprovação e, principalmente, a conviver com a necessidade incessante em me certificar de que “está tudo bem entre nós”.

    Não quero ficar absurdamente pressionada pela ideia de que “se eu não fizer determinada coisa ou se não agir da forma que ele espera/deseja, independente do que penso ou quero a respeito, para mantença do ‘nós” irei ceder, senão ele virá colocar um ponto final ou ameaçar fazer”.

    Não quero estar obrigada a ceder quando não vê necessidade ou sequer sentir vontade para tanto, muito menos quando reconhecer um problema quanto a anuência. Fico apavorada ao me ver sendo qualquer pessoa, que não eu mesma, por temer sua partida.

    Naquela madrugada, custava pensar antes de agir? O que te faz mudar de ideia logo após enfiar na minha garganta um ponto final? Nem sei se mudou, sequer o que te motivou a tomar uma decisão incrivelmente ruim. Juro que isso me intriga. Desde quando o que penso ou sinto sobre a árdua transição do “nós” para o “eu e você” passou a te importar?

    Você fez isso, sozinho, quando eu menos esperava, quando eu sequer podia sentir cheiro de partida, muito menos cogitar qualquer coisa parecida.

    Depois daquela tarde de domingo quente, quando fizemos juras de amor e promessas, exatamente quando, para mim, estava tudo passando a fluir de um modo surreal; mais uma vez, você me fez sangrar, encerrando o nosso ciclo por “bobagem”, quando parecia ser o início do nosso melhor tempo. 

    Acredito que foi a coisa mais idiota que você fez. Justamente por eu gostar pra caralho de você aquela conduta foi uma merda.

    Talvez, seja como canta Adriana Calcanhoto, “Rasgue as minhas cartas e não me procure mais, assim, será melhor.”

    Não importa o que diga. Não me é interessante que as promessas sejam renovadas. Pois, não me valem de nada até que as cumpra. Teve inúmeras chances e elas não foram aproveitadas.

    Não irei permitir ser como das outra vezes. Ainda que eu dê uma nova chance, para o “nós”, é muito provável que semana que vem você faça a mesma coisa. Nessa frequência, irei permanecer me magoando. Detesto com todas as minhas forças o “vai e vem”. Eu não aguento isso.

    Fico pensando naquilo... Se para ti não está bom, imagina para mim com essa instabilidade partindo de você. Não é decidido quanto ao meu “eu”, em muitos sentidos.

    É claro, não imaginava que o nosso relacionamento poderia ser conturbado assim. Instável. Não quero isso para nós. Desejo pisar em terreno seguro. Mergulhar e não cair nas pedras.

    Eu que sempre falei em reciprocidade e priorizei “leveza”, me deparo num naufrágio. Não está sendo saudável e você não vê ou, ridiculamente, fecha os olhos.

    Por constatar o caminhar das coisas e acreditar sinceramente que, nós dois, desejando, seríamos capazes de contornar a situação. Nos proteger da mácula. Te escancarei isso antes. Justamente pela árdua percepção que, naquele domingo, eu te implorei: “vamos tentar”. Mas, infelizmente, nas oportunidades para vermos a tentativa, ela não aparece.

    Desse jeito eu não quero mais. Estive pensando muito de sábado pra cá. A mesma cena se repete. Não quero permanecer num relacionamento desse jeito, a nossa coisa não estava boa para ti e, para mim, estava ainda pior. Sabe por quê?

    Não quero ter que ceder aos seus caprichos (saiba diferenciar ao que me refiro) sob ameaça de te perder! Muita pressão sentimental que estava me sufocando. Sinto que a qualquer momento estarei sozinha, quando eu menos esperar, então é melhor que seja agora, já que você mesmo decidiu isso sob o argumento ridículo de que não supro as suas expectativas.

    No mais, anseio estar com alguém confiante sobre mim. Você sempre com ameaça de fim não demonstra isso.

    Aliás, quanto a sua carta, foi a primeira que recebi dessa forma de amor. Olha, independente de tudo, você sabe o quanto eu sinto por você.

    Desculpa não conseguir responder. Pela primeira vez, não tenho palavras. E isso é raro. Acredito que por estar indignada, com raiva e decepcionada, por aquilo que já falei.

    Eu confiei em você. Confiei em muitos sentidos. Estava mergulhando e me entregando emocionalmente e fisicamente. Para o cara sempre romper comigo por nada. Sem contar nas ameaças de partidas anteriores e nas coisas que já te foram ditas.

    É evidente. Fiquei e estou magoada. Quanto ao nosso vínculo, sou porto seguro enquanto você, para mim, aparenta ser incapaz de ser qualquer coisa próximo a isso. Sempre instabilidade da sua parte.

    Não vou me sabotar tentando repousar a culpa da ruptura nas minhas condutas. Eu sei que tentei agir para você, a todo instante, da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Lembra? Em muitos momentos eu falei “É apenas o começo. Estamos nos conhecendo. Calma, tudo no seu tempo. Podemos lidar da nossa forma. Não esquece o nosso pacto”.

    A estação inteira eu pugnei por um relacionamento saudável. Com sinceridade, reciprocidade e confiança. Sem joguinhos, desconfiança e “paranóias”, pois sequer haviam razões para tanto. Eu via a instabilidade e a repudiava com todas as forças, pois, afinal, eu gosto muito de você e queria o “nós”.

    Acredito mesmo que quando os dois querem, fazem acontecer. Mas, se é preciso maturidade.

    Em muitos momentos não me impus da forma que eu deveria. Ao contrário, conversei cruamente para te explicar o problema de algumas coisas e que poderia se sentir seguro quanto a outras. Não obstante, aceitei coisas que não gostei, de modo desprezível deixando “passar” para ficar tudo bem entre a gente.

    Digo com convicção que em instante algum agi num imediatismo cego contigo, por temer o que isso poderia suscitar em você, a mim e, sobretudo, na nossa coisa. Sei que até mesmo tu reconhece. Pois, diante de toda e qualquer pequena situação de desconforto, eu explicava as minhas razões, problemas e escolhas, me fazendo “nua e crua”.

    Sempre valorizei e recordo de todos esses diálogos. Para mim, representavam um marco para que desde as ínfimas à grotescas situações de incômodo não se repetissem. Deveríamos evoluir para sabermos enfrentar e lidar com coisas novas.

    Reconhecendo que não raramente pareci a sua psicóloga, explicando o problema das coisas, pontos de vistas, aconselhando a ressignificar e mostrando como tudo poderia ser mais suave. Nós dois precisávamos de equilíbrio e aprender a sopesar as coisas.

    Como se não bastasse, para mim mesma, muitas vezes te julguei por “infantil”. Assim como sei que, ainda no momento tendo plena convicção do contrário, também fui.
    Fizemos “pactos” para facilitar o correr dos nossos dias, já que vemos e lidamos com toda e qualquer coisa de modos absurdamente distintos. “Eu e você sempre ‘nus’ e ‘crus’”, lembra? Mas, aparentemente, nos instantes em que mais se era preciso, só eu recordava e estava disposta a segui-los.

    No último mês, houveram partidas em todas as semanas. Todas! As mesmas promessas já foram feitas outras vezes, sobretudo, nas últimas semanas. Por favor, não vamos normalizar isso. Mostra bem mais que fragilidade.

    Relacionamento é balança e não depende só de um. A conduta do outro gera sempre reação. Se isso prosseguir, da maneira como estava, é inequívoco que iremos adentrar novamente no mesmo ciclo vicioso. Assim, acabando somente por prolongar isso, a ruptura.

    Não adianta forçar nada! A entrega, o cuidado, o zelo e a valorização da nossa coisa deveria ser, de ambas as partes, natural. Independente do quanto eu deseje, independente da nossa conexão foda, não temos que forçar dar certo.

    É insano. Foi o meu primeiro relacionamento e sei que minha inexperiência pode ter atrapalhado. Não que sirva de justificativa para erros e afins. Quero dizer que, apesar de tudo, eu tentei agir com maturidade e responsabilidade afetiva. Convivi com uma sede insaciável de afastar as coisas que abalavam o “eu e você”.

    Acredito que irei me magoar ainda mais persistindo nessa ganância de cuidar de algo que independe somente de mim. Não sei como de um instante a outro as coisas podem ser diferentes.

    Você sabe muito bem. Dei um passo muito grande, seria uma surpresa e acabei te contando quando do seu adeus.

    Percebe? É difícil digerir que até mesmo quando tudo está bem, sem mais nem menos, do nada, chove. É triste remoer que na maior parte do tempo estamos no “baixo”, enquanto me apego aos poucos momentos de “alto”.

    Foi a estação em que senti o mundo. Mas, foram dias, sobretudo, conturbados. As minhas emoções ficaram à flor da pele.

    Não acato sua decisão sob o argumento de “é melhor agora enquanto é cedo, antes de entrelaçamos nossas vidas ainda mais, antes se apegar”. Não, não tomo, porque eu já estava apegada o suficiente, desde o meio-termo. No mais, pouco a pouco, te inseri em todos os âmbitos da minha vida.

    Tratava-se do nosso começo e ele deveria ser, em tese, muito bom. Deveríamos, os dois, estarmos eufóricos pela entrega um do outro. A reciprocidade, a sinceridade, o cuidado emocional com o outro tinha de ser trivial. Sem a necessidade de precisar provar que se importa ou, muito menos, se sentir obrigado a tanto.
    Sabe o que demonstra que não estava sendo saudável? Palavras suas: “ambos estão exaustos”. São coisas que não coincidem para mim. Exaustão em um curto lapso temporal. Uma estação! Parece muitos mais tempo, não é? Mas, não, foi só um verão. Com o outono, chegou a ruptura.

    Dessa forma, eu não consigo seguir. Passo o meu dia ponderando em como podemos elevar o suporte do nosso afeto. Fico tentando compreender o que acontece. Como se não bastasse, sinto constantemente o peso de precisar provar para você que pode confiar em mim, que gosto de você, que me importo, que me preocupo.
    Sendo que eu acredito que nunca fiz nada para você pensar o contrário e agir de acordo com tal. Não faz ideia do quanto me sinto imunda por isso. Insuficiente. Ainda que seja convicta de quem sou, muitas vezes, me senti assim diante de ti.

    A única vez que a partida partiu de mim, foi por isso. Por perceber tudo! Conversamos sobre reciprocidade, leveza, sentir e tudo mais. Houveram promessas de ambas as partes. Você se atentou a algumas coisas, mas ao que magoava, não. Com a primeira chuva de outono, nos encontramos nisso, partida.

    Possamos gostar muito um do outro. Mas, não foi a primeira que me disse “não está bom para mim”. Não sei como isso vai mudar de uma hora a outra. Levando em consideração o quanto já tentei, me sinto esgotada, sem cartas na manga. Como de um segundo a outro te farei sentir-se realizado? Não quero ser hipócrita.

    É duro. Posso gritar para o mundo o quanto é duro para mim enfrentar isso aqui, a ruptura.

    Sofro pelo que poderia ter sido e não foi. Não esquece.

    Acredito que estou frustrada, não pela minha entrega, mas justamente por acreditar com lasciva veemência que, depois do pôr do sol daquele domingo, nós dois iríamos tentar, mesmo! Por acreditar que as promessas, conversas e pactos não tinham sido em vão. Pelo meu crer de que nunca mais haveriam idas e vindas. Sempre estive disposta a enrrigecer a nossa coisa.

    E, exatamente uma semana depois, tudo volta ao antes. Ao morno.

    Meu mais insano e desmedido amor, o “eu e você” não vai prosseguir. É árduo dizer que na maior parte do tempo estávamos frustrados um com o outro, ainda que em vertentes distintas.

    Não quero viver na esperança de tentar. Não quero permanecer num relacionamento que conforme palavras suas, “só tenho preocupações”. Não quero seguir assim.
    Nossa afinidade deveria ser o refúgio. Algo digno de agradecimento. Sabe, muitas noites eu agradeci ao universo por estar ao seu lado, por dividir essa fase com você. Ansiei muito para que passasses a me ter como confidente, assim como te fiz o meu. Te falei isso, mas sempre respeitei o seu jeito peculiar, astuto e ocluso, nesse sentido; acredito que tratava-se de uma questão de tempo para você se sentir confortável para tanto.

    Talvez eu tenha posto muito expectativa e essa seja a raiz da frustração. Mesmo que eu tenha tentado manter os meus pés no chão. Desejei ter o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Nesse quesito, sobre a sua carta, nas folhas “amarelas”, eu gostaria, mas não consigo ler aquilo e dizer “você não foi assim para mim”. No entanto, afirmo com convicção que você não foi somente aquilo.

    Existem dois caras em você. Aquele por quem me apaixonei e o que me faz ir embora.

    Sei que eu não sou ótima. Que não sou a dona da razão, aliás, não raramente estou completamente equivocada. Mas, realmente tentei agir para contigo da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Eu não menti uma vez sequer. Não tratei com desdém. Não joguei na cara o tempo que despendi para estarmos juntos. Não enganei, nem com ações, nem com palavras e em nenhum instante isso passou pela minha cabeça. Eu fui nua e crua para você, te mostrei cada fresta. Mas, nada disso foi o suficiente.

    Como se não bastasse, o meu sentir, nas suas palavras, “não o satisfaz”. E, quanto a isso, me recuso alegar qualquer coisa. E sei que essa frase jamais será esquecida por mim. Já disse o quanto detesto seu imediatismo?

    Estou assoberbada de pensamentos confusos e conflitantes. Por hora, não sei o que tenho mais a falar. E o que sei que tenho, prefiro acalentar.

    Já falei tanto. Fiz cartas de amor (puras). Me declarei. Me entreguei. Sobretudo, me joguei da cascata, a queda foi gostosa, mas acabei presa nas pedras.

    Não quero mais. Desculpa, sei que devo, pois também errei contigo, apesar da minha “ingenuidade”, como mesmo dissestes. Aquela história. E, sinceramente, pensando em tudo que vivenciamos, analisando os motins das nossas discussões, aquela consistiu na única coisa com titulo de “problema” e digna de uma ameaça de partida. Quanto às demais, trataram-se de coisas que poderiam facilmente ser resolvidas e acabaram, por nós, prolongadas.

    Independente da minha raiva e decepção, juro que digo isso com um imenso pesar, meu bem: Nada do que te digo agora é inconsciente. Essas não serão mais palavras em vão.

    Eu não havia planejado falar nada disso aqui. Depois de agradecer pelos nossos “autos”, pensei: “ao decorrer dos nossos dias, já falei o bastante”. Nada do que expus te é novidade. Não abandono o espetáculo sem mais nem menos.

    Sabe o que me corrói? Não fui para ti quem eu gostaria. Ser refúgio e confidente, por exemplo. Você não me permitiu ser. Acabava comigo te ver “morno”, com a mente e o olhar distante e, especialmente, por notar que os problemas te consumiam a ponto de te fazer agir mal com os que te querem bem.

    Foram muitas as vezes que te implorei para saber o que estava rolando e querer ajudar, mas parei quando me disse em voz alta e em bom tom que não queria a minha ajuda. Não dividiu. Não mostrou confiar em mim. Não me inseriu nos outros âmbitos da sua vida.

    Ainda assim, por ter ciência da sua dificuldade em compartilhar, te perdoo pelos momentos de desdém, pelos instantes que estava atordoado com os problemas a ponto de parecer que eu nem estava ali, que a minha presença tanto fazia.

    Porém, muitas vezes, agiu como um idiota comigo, como você mesmo pormenorizou na segunda folha amarela daquela carta. Como se não bastasse, quando diante dessas ações te disse “eu não não mereço ser tratada assim”, não ouvi sequer um pedido de desculpas, mas sim um “então arranja um cara que te trate melhor que eu”.

    São tantas coisas. São praticamente infindas para apenas uma estação. Fiz uma escolha, acatei sua decisão e, por hoje, não quero falar sobre isso. A minha cabeça está cheia e o meu coração inquieto. Não existe mais o “nós”.

    Eu disse sério ao falar que estou com raiva e decepcionada. Essa ruptura será ainda mais complicada se mantermos contato contínuo. Pelo menos agora.

    Mais uma vez, te peço, não coloque a ruptura nas minhas mãos. Você já tomou uma decisão e eu simplesmente concordei com ela. Faço isso pelo meu bem estar emocional e psicólogo.

    Não quero perder minha essência ou personalidade, como é o caso de ceder a meros caprichos, para manter relações, ainda por cima instáveis. Não quero me desgastar na tentativa de salvar algo sozinha, que não está somente sob o meu controle.

    Me apavora te ouvir dizer que existe algo mais, que estou dissimulando as razões da minha anuência. Parece absurdamente que não prestou atenção ou que ridiculamente descartou tudo o que já desabafei. Não é “do nada” e não tem que se achar estranho. Uma vez, naquele domingo, a partida surgiu de mim e pelos mesmos motivos de agora.

    Sabe o quanto desprezo idas e vindas. No pôr do sol daquele mesmo domingo te disse: “Me vejo voltando atrás numa decisão e isso não é comum para mim. Por respeito a nós, não vamos jogar fora”.

    Você voltou atrás também, em todas as suas despedidas…

    Suas ameaças de partidas e as despedidas foram motivadas com base em que eu fui para você, dentro dos seus limites, ideais de certo e errado e sentimentos.

    Sua percepção sobre o meu desejo de estar com você, príncipalmente sobre o meu sentir, depende de que eu seja quem você quer, ceder, suprir as suas expectativas até mesmo nas coisas mais mínimas.

    Sabe, eu tenho fervor por quem me deseja por inteira. A mim mesma. Não irei mudar a ponto de se tornar uma versão pirata de mim mesma.

    Eu queria poder agradar você, óbvio. Mas, sendo eu mesma e não precisando provar o meu desejo e tudo o que sinto da maneira que você achava que deveria ser. “Não está bom para mim”. Não consigo ceder a ponto de me tornar o amor que te satisfaz, que você deseja.

    Houveram pedidos de desculpas e promessas mútuos, mas nem todas elas foram cumpridas. No principal imbróglio, sequer houve tentativa. Nunca acreditei numa mudança repentina. Mas, o mínimo que eu esperava era uma mísera tentativa.

    Com instabilidade e insegurança sobre mim, tive dias de inquietação emocional e psicológica. Não consigo lidar, me martiriza. Acaba, assim, me atrapalhando nas coisas mais simples (concentração, estudo, trabalho).

    Confesso que nos “altos” me proporcionou coisas incríveis, êxtase. Mas, a maior parte do tempo estávamos no “baixo”. Pelo morno, me sentindo insuficiente, idiota e até mesmo alguém ruim. Sobretudo, “o não satisfaz”.

    Percebeu como sou repetitiva? Isso torna essa conversa densa e incrivelmente cansativa.

    Ainda que me questione, não vou mais te expor motivos. Foram coisas sempre ditas.

    Não vamos ser hipócritas. Isso não precisa acabar mal. Não vamos denegrir a imagem um do outro, não há razão. Aliás, algo assim é ridículo.

    Se é preciso aceitar os erros. Ficar triste pelo que não foi. Reconhecer o que se perdeu. E seguir com maturidade. No mais, agradecer os momentos de “altos”. Não é tratando como se nunca tivéssemos nos conhecidos que a ruptura se tornará fácil.

    Você não foi e não é qualquer pessoa. Isso não vai mudar, para mim. Marcou.

    Eu comecei com sinceridade. Vou terminar assim também.

    A minha decisão está tomada. Espero que aprendamos a não cometer os mesmos erros.

    Sobre a nossa coisa, o nosso meio-termo, me mostrou como sou intensa. Obrigada, mesmo, pelos instantes de intensidade. Adorava quando a nossa coisa pegava fogo.

    Você foi contemplado em ter o meu sentir, o meu querer, o meu corpo. Eu jamais havia me entregado tanto.

    Peço para que a nossa coisa fique entre nós. Principalmente os nossos detalhes, as coisas importantes que aconteceram. Desejos, intenções e afins. Assim como as coisas agradáveis e desagradáveis. Lembre, são memórias suas e minhas também.

    Me agrada a ideia de estagnar no tempo o “eu e você”.

    Não sei como vai me perceber depois da ruptura. Acredito e espero que não seja motivo para “descaracterizar” o meu eu. Jamais irei desonrar o seu nome. Por favor, não o faça com o meu. Não há razões. Não me interprete mal, peço isso por desencargo de consciência. Acredito no que sente por mim e sei que não faria tal coisa.
    Desculpa se te proporcionei momentos ruins.

    Foram meses repletos de primeiras vezes, para mim. Você sabe. Aliás, a primeira vez que proferi “eu amo você”, dessa forma de amor. E dane-se se foi cedo.
    Reconheço que sobre algumas coisas dei passos largos e tropecei nos meus próprios pés. Fui inconsequente. Me arrependo. Mas, jamais irei me arrepender pelo que fui e sou capaz de sentir. Muito menos, pelas palavras de amor ditas.

    Uma pena eu não tê-las visto valorizadas…

    Não quero ser vista como hipócrita.

    Sei que não compreende o meu pedido em mantermos a amizade. Não consegue entender como posso não mais te querer como seu parceiro (mesmo amando-o) e, ainda assim, implorar para que me tenha como amiga. “Não entendo como eu não te querer como amiga é algo que se deva discutir e fazer sentido”.

    Coloquei tudo às claras. Detesto quando questiona o que eu sinto. Eu não queria que fosse assim. Ansiei a transformação do meio-termo muito tempo. Você sabe. O meu sentir nasceu muito antes do verão. Não fale insinuando como se eu tivesse em algum momento mentido sobre o meu sentir, muito menos diminuindo o que me rasga o peito.

    A perda não é apenas de uma parceira ou um parceiro. É de um amigo(a) também. Não apague o meio-termo. Tudo começou numa amizade sem mais pretensões.

    - “Se você realmente sentisse intensamente, iria querer permanecer e continuar, tentar mudar. Nunca se afastar do problema, igual você fez. Me esquece. Você de repente decidiu que os nossos confrontos te fizeram sentir uma fracassada. Além de tudo, foi capaz de esquecer todos os momentos bons, sem mais nem menos, descartar-los e valorizar só os pontos ‘baixos’ para justificar a sua hipócrita vontade de partir. Forte seu amor.  Não vou negar. As vezes me pego preso nisso… questionando se tudo o que me disse, se cada palavra de afeto foi realmente cheia de sinceridade. Você é boa com as palavras e tenho medo de tê-las usado para comigo de uma forma deplorável. Não sei se seria capaz de dissimular dessa forma. É louco dizer, mas, sim, eu acredito no que diz sentir por mim. Ainda que muitas vezes não tenha agido de forma condizente, ainda que eu mesmo fique matutando a respeito. Tudo isso é insano (como você mesmo costumava dizer).”

    Quanto à mantença do “nós”, me recuso a permanecer no que me fazia sentir um fracasso. Essa sensação existia por você ter me dito bem mais de uma vez que a minha linguagem do amor não te satisfazia.

    Da forma que você coloca, faz-me sentir ingrata. Também estou despedaçada. Nos nossos dias, pouco a pouco eu estava me desfazendo em alguns sentidos e precisava do seu agir para me refazer. Por isso tanto diálogo, da minha parte. Por isso a ideia do “pacto”.

    Falei isso naquele domingo. Lembra? Com seriedade. Mas, quando tudo soava calmaria. Você choveu em mim. Foi isso que você fez naquela madrugada de sábado. Naquela noite quente, prometi a mim mesma que era a última vez que iria me fazer chorar. Última vez que iria me frustrar por você descartar suas promessas e não pensar em mim antes de fazer algo que tanto me afetava.

    Me desculpa por ser tão repetitiva. Te remeto inúmeras palavras, te falo coisas infindas, e sei que você acha um porre, acaba descartando quase tudo.

    Ao pôr do sol daquele domingo, me disse as mesmas coisas que agora. E eu voltei atrás na minha decisão, lembra? No mais, deixei claro que a hipótese de partida, da minha parte, se tratava de algo que não desejava, mas que a cogitei para evitar me machucar.

    Ainda que em outro contexto, estamos novamente na mesma coisa. Mas, dessa vez, eu já estou machucada.

    Espero que você fique bem, mesmo. Mas, sendo sincera, não vou mentir. Espero, no mínimo, um pingo de saudade, arrependimento ou pesar pela perca.

    - “Espero o mesmo de ti. Sinto uma saudade incessante. Sonho com você. Tenho arrependimento também. Quanto a estar despedaçada, não acredito. Se você sentisse saudade, vontade, amor… resgataria o ‘nós”. É simples. Eu te falei estar disposto a mudar, mas você não se importa.Eu faria o impossível por você e é deprimente te ver me colocar como imundo. Não jogue entrega na minha cara, suportei muita coisa por você e tu simplesmente joga fora. Sabe, me abri emocionalmente como jamais havia feito com qualquer pessoa. Você tem o meu amor nas mãos e está esfarelando ele. Nunca imaginei que seria capaz de uma coisa dessas. Te vejo traindo quem eu vi em você, principalmente, tudo o que me dizia ser. Você diz estar machucada enquanto me machuca também e não se dar conta.”

    Não me surpreende você não acreditar em mim. Simples para você falar pensando em quem fui contigo. Se coloca no meu lugar. Você mesmo reconheceu coisas nada bacanas que partiam de você. Não quero discutir.

    Foram poucos dias para tudo voltar ao antes. E as três coisas que eu mais te pedi para evitar, porque me afetava muito, vinheram num pacote no mesmo final de semana. Me decepcionei muito naquele sábado. Eu chorei a madrugada inteira.

    Não entendo como pode me amar e não tentar evitar fazer algo que eu tanto te pedia para ser cauteloso. Não entendo como não conseguia evitar fazer o que me desabava.

    Sabe, eu reconhecia quando agiria daquela maneira. Pressentia. Sabia quando seria tomado pelo seu imediatismo cego. Nesses momentos, eu falava coisas como: “Presta atenção. Lembra do que combinamos sobre lidar com os problemas. Não precisa ser assim”. Justamente para ver se você pensava em mim e no valor do nosso vínculo.  Antes de fazer qualquer coisa ou dizer, eu sempre pensava em como você ia se sentir. Por isso tenho certeza de que nunca te ofendi ou derrespeitei, ou magoei com o que falei.

    Não estava sendo saudável, meu bem. Não quero nós dois num relacionamento que ainda no início não estava sendo leve. Não vamos mais reviver essas discussões… Okay?

    - “Não adianta eu dizer mais nada. Vejo que persistirá nessa decisão. Eu preciso digerir a ideia e aprender a lidar. Sabe, foi você mesma quem terminou com a gente. Não te entendo. Eu corri atrás e você não quis mais, praticamente me esnobou. Permanece com a vontade de se afastar e de que, se ficar, será somente para ter minha amizade. Eu não quero ser somente o seu amigo, quero dividir uma vida contigo, desejo ser o seu parceiro. Sabe, nós discutimos algumas vezes e eu te disse coisas impulsivas, sobretudo, nunca dotadas de veracidade, foram coisas que eu não deveria (e não queria) ter lhe dito. Porém, apesar de tudo, isso jamais significou que não quero a sua presença e muito menos que ela tanto fazia para mim. Não precisa ter medo, pode confiar nessas minhas promessas, nas falas que te remeto agora.No entanto, acima de qualquer coisa, sabe o que é foda? No momento que acreditei que ficaria comigo, você foi embora. Isso foi péssimo. Tenho medo de dizer a mim mesmo o que isso significa. Você não está disposta a erguer um castelo comigo.”

    É complicado erguer castelo com alguém que diante de qualquer lajota colocada torta ameaça abandonar a execução ou a faz. Dá a sensação de que a qualquer momento a obra vai ficar inacabada e desmoronar. Do jeito que você coloca, tudo se torna pequeno. Me colocando como venenosa faz eu me sentir muito bem.

    Não foi minha intenção “esnobar”. Foi o que te disse: Eu, ferida, iria passar a ferir você também. Não quero isso. Olha, eu não queria somente a sua parte fácil de amar. Não. Eu mesma falei: “eu e você nus e crus”. Eu disse desejar o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Moram dois caras em você. O que fez eu meu me apaixonar e aquele que tem atitudes comigo nada bacanas, me tratando de uma forma que não gosto, e assim me cortando. E, se tratando de um amor que ainda estava no começo, esse primeiro cara deveria ser o mais presente e não o segundo. Diante do segundo cara, eu não conseguia ser o meu melhor com você.

    Aliás, tem algo que está engasgado e preciso te questionar. Sabe o que eu não entendo? Você me disse assim, duas semanas atrás: “Eu posso ser só esse primeiro cara”. “Posso mostrar só o meu melhor”. Me passou a impressão de que, de algum modo, você tinha plena consciência de tudo o que apontei… Não sei.

    - “Me desculpa. Sim, eu sempre tive. Por isso quero você de volta. Para agir como você merece. Aliás, como deveria ter agido desde o incio. Com o inicio da ruptura, passei a ver e valorizar tudo de uma outra forma. Me sinto mal com tudo isso. Porém, ainda que você exponha infindas coisas, só consigo pensar que: ‘É por isso quer partir pra sempre?’. Tenho a horrível sensação de essa conversa não vai dar em nada. Sinto que estou de mãos atadas. Estou implorando para ficar enquanto você constantemente arranja um argumento para reforçar sua partida. Me faz um monstro.”

    Já que percebia, por qual razão não agia assim antes? Já pensou nisso? Sabe, são um conjunto de pequenas coisas e estou decepcionada pela existência delas.
    Argumento porque você merece justificativas. Sobretudo, porque gostaria que se colocasse no meu lugar. Principalmente, que tentasse entender. Você sabe muito bem que não ser tratado da forma esperada por quem a gente ama, corta. Mas, tenho a sensação de que para ti, estou “fazendo tempestade em copo d’água”. “Sou exagerada”.

    A minha decisão não é fácil. Eu sinto o universo por você. Ainda que tenha me decepcionado com atitudes. E é duro assumir isso. Sinto saudade do primeiro cara, muita. Sinto saudade de olhares, toques, do seu abraço, de me sentir protegida ao caminhar contigo, do seu timbre… É por sentir muito, intensamente, que as coisas que apontei me machucaram e você não está percebendo isso.
     
    Isso é difícil, mesmo. Eu vejo que reconhece o que eu expus para aceitar a sua decisão de partida. Não questionou nada e disse reconhecer. Mas, vejo que não vê como motivo para ruptura.

    Eu adoraria — com todas as minhas forças — acreditar quando você disse “eu estou prometendo que vou mudar, porque a minha visão é outra agora”. Eu não sei qual é a sua visão, mas, ainda assim, tenho medo. Poxa, você confirmou que tinha percepção de tudo aquilo antes.

    Os dias correm e em todos eles eu revivo “a nossa coisa”. Tudo poderia ter sido diferente, assim como você mesmo expôs naquela sua última música.

    Não é por meras brigas. Isso vai existir, justamente porque nos importamos e queremos fazer dar certo estarmos juntos.

    O problema é por se tratar das mesmas coisas. Como vamos crescer persistindo nos mesmos “erros”, persistindo no que destabiliza a nós dois?

    Você é astuto, tem controle sobre o que quer. Sei que não me quer como amiga. Porém, preciso saber que você está bem. Se precisar de mim, independente do que for, me diz.  Você sempre disse ter problemas, mas tinha um bloqueio em dividir comigo. Se precisar desabafar, eu estou aqui. Pode confiar em mim. Não irá ouvir julgamentos. Eu sempre questionei sobre eles por me preocupar. Não faço ideia do que sejam. Eu ainda me importo. Isso não vai mudar. Sabe o quanto sinto, sabe onde e como me encontrar, se quiser, se precisar.

    Pensa numa coisa, por favor, é a última coisa que te peço. Questiona se, pelo caminhar das coisas, eu te fazia sentido.

    O sentido a gente percebe com o tempo. Sobre “tempo”, você disse não acreditar. Eu também. Mas, sobre relacionamento, é tudo novo para mim. Ao longo da estação, mudei pensamentos, me vi em coisas que antes dizia “jamais” e fui eufórica com coisas que antes me assombravam.

    Por favor, pensa realmente nisso. Pois, uma coisa é querer a presença de alguém e outra coisa é querer a presença daquela pessoa. E, se tratando daquela pessoa, se é preciso agir com maturidade e responsabilidade afetiva. 

    Se tratando de você, para mim, há sentido. Mas, não naquele caminhar.

    Me chame de venenosa, hipócrita o que for. Só não me puna por estar desacreditada quanto a promessas. Acredito que a mudança que tanto ansiei só existiria na certeza quanto aquilo. Eu sendo “aquela pessoa”. Acredito que assim você agiria como tal.

    Essa infinidade de palavras não existiriam se você não fizesse sentido para mim.

    Juro que tentei, mas não consigo entender como por qualquer “problema” você mudava comigo e dizia coisas como “presta atenção, eu só vou caindo fora” ou que o caminhar não te agradava. Como se não bastasse, algumas vezes, de última hora, tirou o nosso encontro dos seus planos porque, para ti, me ver “não valeria a pena”. E, não obstante, claro, sempre cogitava dar um basta comigo e chegou a fazer isso algumas vezes.

    É difícil ouvir essas coisas de alguém que você ama. Eu me senti insuficiente mesmo. Insuficiente para ti. É isso que eu quis dizer com um fracasso.

    - “Você nunca foi insuficiente, muito menos qualquer coisa perto disso. Aliás, eu pensei. Não quero ser seu amigo. Sei que não irei suportar te ver com outra pessoa, um dia vai acontecer e eu não quero estar lá pra ver isso, muito menos te ouvir falando desse alguém para mim. Não quero ter contato. Mas, ainda assim, pode contar comigo, sempre que quiser, para qualquer coisa. Sabe, eu amo você de todas formas e uma delas é como amigo.”

    Eu gostaria de ser sua amiga.

    Se isso acontecer, vai demorar muito. Pra caralho. Eu não sou do tipo que se apaixona em cada esquina.

    A recíproca é a mesma. Olha, você é um cara super atraente. Devem ter dezenas de garotas lindas interessadas em você e que despertam seu interesse também. Isso nós dois sabemos. Eu sou facilmente substituível. Se ocupo um posto, logo mais ele não será meu. Você já se envolveu com outras mulheres. Já teve outros relacionamentos. Sabe que o que digo é verdade. E se por acaso um dia se lembrar de mim, vai ser em algo singelo, por exemplo, ouvindo “É Você Que Tem”.

    E independente de qualquer coisa, da minha decepção amorosa (já falamos a respeito, sabe o que quero dizer), jamais desejarei o seu mal ou direi coisas ruins a seu respeito para qualquer pessoa. As coisas que aconteceram entre a gente e também o que não aconteceu, só cabe a nós. Aliás, ainda que eu possa em muitos momentos sentir raiva, desprezo e afins, sou incapaz de sentir ódio a ponto de profanar de modo detestável o outro. Não sou alguém que se domina por sentimentos ruins.

    No mais, também reconheço as minhas falhas. Espero, mesmo, que você não tenha somente memórias ruins. Tentei e acredito não ter magoado com palavras, te respeitei (em todos os sentidos). Se em algum instante eu não fiz isso, peço perdão. Pois, tenho muito medo de apontar e de cobrar do outro algo que não está em mim.

    Hoje, eu amo você. Mesmo. Apesar dos pesares. Ainda que, olhando com distancia, eu não goste de quem foi comigo.

    Não sei se você sabe, mas há 5 linguagens do amor. As nossas são diferentes, acredito que por isso você “não vê o meu sentir”.

    Talvez, agora, a minha decisão para você (mesmo depois de tudo que eu expus e esclareci) não faça sentido. Mas, daqui alguns dias, meses ou sei lá, acredito que fará.

    Nem sempre o sentir é o suficiente para duas pessoas ficarem juntas. E juro que acredito naquela ideia de que “há formas de se amar alguém para sempre”. No entanto, às vezes justamente a nossa forma de amar, lidar com as coisas, vê-las ou sei lá, atinge o outro de uma forma que não imaginamos. É preciso ouvir o outro e ter cuidado com o que se está construindo.

    A minha decisão é para não mais me magoar. Eu sou muito intensa. Tudo me afeta muito. É frustante ser o bilhete dourado enquanto o outro só enxerga preto e branco.

    Os nosso pacto estava sendo quebrado e os diálogos e promessas sendo vãos. Eu valorizo tanto essas coisas. Reforço, eu, ferida, ia passar a ferir você também.

    Quero muito o seu bem. Sei que um dia outro alguém vai ter o seu sentir e não quero que esteja despedaçado. Não quero que lembre de mim de uma forma ruim.

    Queria ter te proporcionado somente coisas boas, talvez eu não tenha feito, assim como você não fez.

    Apesar do quanto eu sinta, jamais irei me perdoar se, por acaso, persistir nisso aqui e perder a minha essência.

    Eu apago a luz e fecho a porta com cuidado.

    “Não suporto meios termos. Por isso, não me doo pela metade. Não sou sua meio amiga nem seu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada.” — Clarice Lispector. Faz sentido sua escolha. Eu penso a mesma coisa. Queria parecer mais forte. Vou respeitar sua decisão.

    Ps. Se um dia eu escrever um livro, leia. Provavelmente, terá textos meus sobre sentimentos e coisas atreladas a você. Será capaz de reconhecer, eu acho. (Se quiser, claro).

    - “Ninguém será capaz de substituir você pra mim. Só você teve esse posto, da forma que sempre desejei, e só você terá, por todo o sempre. Não vou estragar isso. Talvez eu faça aquilo que você sempre me falou “ressignificar”. E sim, eu já estou despedaçado. Nunca me senti dessa forma. Me magoa ver que está decidida. Só me resta tentar superar e, além de tudo, respeitar. Me desculpa por todos os ‘baixos’. Eu amo você.”

    Nunca mais ouse duvidar do que sinto.

    Sabe, eu realmente acreditei que não mais estava fadada ao Naufrágio.

    Por fim, não joga fora as minhas palavras, nenhuma delas.


    Janaina Couto ©
    Publicado — 2020
    @janacoutoj


    [PS. Não se trata de um relato pessoal. Mas, confesso que é um imenso pesar reconhecer que o meu texto foi lapidado sob um apanhado de relatos de pessoas queridas que estão ao meu entorno.
    Ainda que mesmo nas coisas mais sutis possamos constatar algo a se repudiar e imediatamente afastar-se, não raramente, horrivelmente, isso acontece apenas quando se tornam salientes.]
  • A Anti-Musa

    A válvula da panela girava, a cozinha suava vapor de sopa quente. Cheiro de temperos no ar. O sol lá fora mal entrava pelas janelas veladas com cortinas grossas. O resultado era um cômodo abafado e entregue à penumbra. Uma mulher estava sentada à mesa, diante de um rádio antiquado que ressoava um samba triste. No entanto, não parecia estar atenta aos apelos do sambista, tão pouco à panela ao fogo. Na verdade, ela parecia nem estar presente mentalmente. Em uma espécie de despersonalização, seu olhos arregalados encaravam o azulejo encardido das paredes, mas seu espirito poderia muito bem estar vagando pelo plano astral.
                    “Catatonia: Perturbação do comportamento motor. Geralmente envolve uma posição rígida e imóvel que pode durar horas, dias ou semanas. (E...) A história nos conta que, nesses casos, um doente poderia ser enterrado ainda vivo (!), tamanho seu estado de inércia. (...xaus…) Dentre as condições médicas que podem causar o estado catatônico estão:  esquizofrenia; depressão; derrame cerebral; entre outras condições neurológicas e psiquiátricas. (...ta.)”
                    Alguns minutos ou algumas décadas se passaram...
                                                                                                              *****
    ...e então, subitamente, a mulher deu um pulo na cadeira em que estava. O acontecido pareceu ter impressionado a ela própria, piscou rapidamente repetidas vezes e olhou em volta, como para desvendar em que lugar se encontrava. Seus olhos vagavam pela cozinha, viu a janela encoberta; um armário empoeirado, com portas escancaradas; louças usadas, empilhadas sobre uma pia de mármore; seu velho rádio que ainda tocava alguma música qualquer; uma geladeira pequena, azul turquesa e na porta da geladeira estavam imãs em formato de frutas e legumes. Dois desses imãs mantinham presa uma fotografia, quando os olhos da mulher finalmente se encontraram com os olhos desta foto, o olhar se alterou – passou de apático à revoltado.
                    “(Eu sou um monstro!) Transtorno dismórfico corporal, historicamente conhecido pelo termo dismorfofobia. (Minha pele é seca, meu cabelo é crespo, meu nariz é comprido, meus lábios são muito finos...) Trata-se de um transtorno psicológico caracterizado pela preocupação obsessiva com defeitos mínimos ou imaginários na aparência física. (Eu devia ser colocada em uma jaula...)”
                    O surto perdurou por horas ou séculos.
                                                                                                              *****
    A mulher agora estava sorrindo. No chão, uma fotografia despedaçada coberta de cacos de vidro. Na porta da geladeira, uma mesma imagem encontrava-se intacta, presa pelos mesmos dois imãs. A mulher caminhou até o fogão, a panela chiava incansavelmente.
                    “(O trem! Por Deus, vou perder o trem....) Alucinações auditivas, sinal de esquizofrenia. (Tenho que apanhar o trem!)”
                    A mulher, de maneira impulsiva, agarrou a panela fervente, suas mãos arderam no mesmo instante e vacilaram. A panela despencou no fogão aceso.
                    “(Ai... Como está gelado...) Alucinações sinestésicas, sinal de esquizofrenia.”
                    O rádio sobre a mesa iniciou uma canção que pareceu alegrar a mulher. Uma bossa nova lenta a fez arriscar pequenos passos de uma dança confusa. Enquanto dançava, alguém tocou seu ombro.
                    - Oh, Tom! Como é bom te ver.
                    - Me concede a honra desta dança, madame?
                    Agora ela dançava abraçada com seu par.
                    “Alucinações visuais... Um sério sintoma de pessoas esquizofrênicas. (Sabe, algumas informações você deveria guardar para você...) Na verdade, não acho que seja possível. Quando eu penso você pensa. (Transtorno dissociativo de identidade: conhecido popularmente como dupla personalidade) é uma condição mental em que um único indivíduo demonstra características de duas ou mais identidades distintas, (cada uma com sua maneira de perceber e interagir com o meio.)”
                    A música terminou e levou consigo o lapso de felicidade. A canção que iniciou era alegre, porém a mulher não teve vontade de dançar. Ela se atentou a letra, o cantor falava de sua amada, sua musa. Após alguns instantes, a mulher desabou no chão e começou a chorar escandalosamente.
                    “(Eu nunca serei a musa de alguém. Nunca alguém irá se inspirar em mim.) Ao menos não de maneira positiva... Mas quem sabe quando forem falar sobre sociopatia. (Ah, mas é claro! Que agradável tema...) Bom, talvez você possa convencer alguém a escrever algo para você. (E eu lá tenho cara de Annie Wilkes?!) Na verdade... Tem sim.
                    A lamúria pareceu durar uma eternidade.
                                                                                                              *****
    A cozinha ainda suava vapor de sopa quente. O cheiro, porém, não era nem um pouco agradável. O válvula do bujão borbulhava espuma. O sol estava se pondo lá fora, mas a majestosa luz do crepúsculo mal entrava pelas janelas fechadas e veladas com cortinas grossas, impedindo que os malditos vizinhos xeretassem. “Transtorno de personalidade antissocial...” A mulher sabia que era alvo de comentários maliciosos e não demoraria muito para a vizinhança se reunir para atear fogo a sua casa. “Transtorno de personalidade paranoide...” Ela estava sentada à mesa, diante de um rádio antiquado que ressoava um chiado de estática. Um Marlboro ainda não aceso rolava entre seus dentes, ela refletia:
                    “(Não sou musa-inspiradora de ninguém...) Não é musa inspiradora de ninguém... (...Mas depois disso talvez eu seja.) ...Talvez seja. (Minha cabeça dói...) Tontura... (...Mas a dor vai passar.) A voz irá embora... (Tudo terá fim...) Tem certeza? (Você sabe o quanto é difícil danificar uma válvula de gás?) Você sabe que eu sei. (Sei...) Ideação suicida... (Fim.) ...Fim.
                    A mulher acendeu o cigarro e o cantor pensou nela finalmente.
                                                                                                              *****
    [Inspirado na canção A Anti-Musa de Romulo Fróes e Clima.]
  • A morte do eu

    “After a year in therapy, my psychiatrist said to me: ‘maybe life isn’t for everyone’.” 
    O inferno está vazio e todos os demônios estão na minha cabeça. Conjecturo vozes que, no desabrochar da vigília, anunciam-me um transtorno psicótico. Hoje eu tranco o curso, tranco a vida. Cheguei a vasculhar, um dia, a possibilidade do suicídio ser apenas o enterro, mas não a morte em si; todavia, certifico-me, nessa náusea amorfa, que a angústia se infiltra na teia neurossucumbidora antes de incinerarmos a nós mesmos. Conto os dias, odiando o teísmo onipotente, para encontrar o que acredito ser minha alforria: o psiquiatra. Há de ser minha muleta metafísica. Dispneia. Se enlouquecer-me novamente, tenho clonazepam. Vinte gotas; vinte e sete, se precisar. Alivio-me com esse meu novo deus volátil. 
    Sento-me à beira da cama; meus pés desmaiam sobre o chão. Penumbra. Nada me daria mais prazer do que nunca ter de acordar novamente. Sinto na alma a enfadonha arte de vestir-se. Fico apreensivo com minha sanidade dúbia diante das aulas anavalhadas que vagarei hoje. Degusto o Escitalopram com um café áspero. Lembro – fitando um eterno nada – a face sem sentença da minha psicanalista, e esbravejo-me; quero que suba no telhado e grite quem sou eu, pois já me foge essa concepção. Deposito o frasco de benzodiazepínico no bolso; esqueço o celular em casa. 
    Ao longo dos sertões da manhã, o medo do pânico se empodera como um fascista. Claustrofobia. Perscruto que na selva da minha psique não reino como Zumbi Dandara, mas apenas sou uma marionete do caos. Convenço-me da morte iminente: seja por um edema de glote, seja por um cataclismo pneumológico. Vendaval de sinapses. Minha mitral esperneia-se, regurgita-se, fibrila-se; almejo fugir-me; visto a entropia desajustada; balbucio uma filosofia sórdida. Subunidade beta da Proteína G, Guanosina Difosfato Inativa, Adenilato Ciclase: importantíssimo para vocês, futuros médicos. Cronograma de Caim. Quinquilharia. Pandemônio.
    Comprei uma aliança para essa miséria de vida, mas não prometo a monogamia – resmungo ao asilo que concerne minha consciência. Permuto as desvantagens e vantagens de ser um amontoado de átomos; aquelas me logram. Perambulariam como os nômades que nutrem sentimentos por mim? Por mais que sejam escassos, não me ousa denegrir a árvore-mãe que doou suas raízes à fruta empobrecida de alma. Aproveito o anticlímax dessa patologia arruaceira para ler o DSM: tenho todas as anarquias possíveis: transtorno de ansiedade generalizada, síndrome do pânico, depressão, desconexão com o divino, apatriotismo sem-terra. 
    Como um cadáver maquiado, encargo-me da polidez pós-morte: metáfora para os primórdios da tarde. Sobre o alcoolismo: eternizara – não que deguste a ideia, porém era a morfina que varria minhas esquinas neurais; era, senão, o hospício que tratava meu cansaço insuportável de gente. Olho-me: identifico em cada dobramento da minha organogênese os assassinos da minha jornada. A tarde, porém, caminha de forma taciturna; enrosca nos galhos, tropeça nas ironias machadianas, vivencia a chaga de Édipo, mas caminha. Adentro um elevador eremita: coercitivamente controlo a respiração: minhas cavernas pulmonares ecoam desespero.
    Palmilhando os arredores do abismo, pondero em relação ao futuro notívago: ou a insônia reluzirá novamente ou uma bala perfundirá meu encéfalo – entrará por um ouvido e sairá no outro, nada menos. Sinto meus passos derradeiros nesse morro cascalhado. Cairá sequer uma lágrima desse meu rosto surrado diante da morte de meu pai? Meu recinto ainda tem o cheiro de vazio. Insisto em deleitar-me na água que escorre do chuveiro, mas em vão. Pressuponho que dentro da gaiola do meu peito habite um pássaro que almeja voar, todavia se debate nas grades costais, depena-se e desiste da vida. Perfumo o ar com sobriedade: irrita-me o anseio acalentador das pessoas. Recebo, ainda que caquético, no toante dessa noite, uma visita: meu humor sacoleja como um cão solto na praia. Lê-me: você parece ótimo. Não se esqueça, minha cara, que os buquês, por mais que sejam sorridentes e carinhosos, são feitos de flores mortas. 
  • A pessoa tóxica que mora com você

    Diversos são os desafios de morar com uma pessoa tóxica. Primeiro: Não pirar. A pessoa tóxica entra na sua mente, bagunça todos os seus sentimentos, te mastiga e cospe para fora. Só sobra a carcaça no final do dia. Ela não sabe do veneno que exala, ela não tem consciência do mal que causa na sua mente e não tem noção dos machucados que deixa na sua alma. Conviver com uma pessoa assim só leva a dois finais: ou você tem que superar dia a dia ou você adoece dia a dia. Essa convivência só é para os fortes, mas tem vezes que até o forte pede arrego. Existem casos em que toda essa toxidade leva as pessoas tomarem remédios, fazerem terapia, recorrer a igreja ou até mesmo começar a beber. Já a pessoa tóxica não aceita que é assim e se recusa a conversar com um terapeuta. A minha mãe tem mania de ser invasiva e jogar na cara tudo que eu fiz de errado, não importa o tempo que já passou ou o quanto eu me transformei para melhor. O que se passa dentro dessas pessoas? Será que devolvem o que receberam? Será que sentem prazer em agir assim? Será medo? Quando um marido ou mulher, pai ou mãe se comportam de uma maneira tóxica as pessoas com quem convivem vão murchando, definhando psicologicamente, se tornando infermos e necessitando de ajuda de quem na teoria deveria cuidar, amar e proteger. Uma só frase, uma só palavra dita é um disparo de doze no peito da pessoa, aonde os estilhaços da bala perfuram até a alma. O mais difícil é que a vítima disso tudo tenta sobreviver, relevar, tentar seguir sua vida da maneira mais normal possível, contudo, é impossível. A convivência chega a ser tão dura, tão pesada, que ouvir os passos da pessoa tóxica na sua direção já te prende o fôlego, seca sua garganta, deixa seus músculos tensos. Isso não é vida para ninguém. Da mesma maneira que estamos normalizando tanta coisa hoje em dia, temos de normalizar o tratamento de pessoas tóxicas, sei lá, fazer campanhas e criar incentivos para que ela se trate. Quantos pensam em suícidio devido ao convívio com esse tipo de gente? Quantos já cometeram suicídio por causa desse tipo de gente. A saída até lá é se afastar, se isolar, cortar o contato e para aqueles que convivem com pessoas assim dentro da própria casa, evitar ao máximo elas. Essa luta não é fácil e eu respeito as vítimas.
  • A Ponte Sobre o Rio

    Antonio estava de pé no parapeito da longa ponte estaiada. Os pés descalços tocavam no concreto frio, vacilando entre uma rajada de vento e outra. Não tenho nada a perder, ele sussurrou. Tinha sim, muito a perder, uma força interna lhe dizia.
    Puxou o capuz para baixo, estava frio. Seu rosto era triste. Muito abaixo de si, centenas de metros abaixo, corria um rio negro e gelado, águas traiçoeiras que seriam capazes de levar toda a cidade em seu curso. Ah, a cidade, pensou melancólico. E se nunca mais visse sua família, seus amigos, ele...? Ele, o homem que eu amo, o homem que disse que...
    -Eles não precisam de mim. - Parecia mais real quando dizia aquilo em voz alta. Ouvir a própria voz era estranho agora. Parecia que não a ouvia há tantos anos... Sabia que seria um estorvo a menos na vida dos seus pais, mas seu irmão e o seu amor... Não há amor nenhum. Não existe mais amor.
    Olhou pro alto, além dos cabos de sustentação que seguravam a longa Ponte Topázio, para o céu da madrugada. Não havia estrelas ou lua. Era apenas um vazio frio e silencioso, e de alguma forma parecia que o seu vazio era ainda maior.
    O que sentia dentro de si era uma monstruosidade negra e maligna sempre lhe dizendo o quão era burro, fraco e covarde, infectando seus pensamentos, seus sonhos, oh Thomas, você vai chorar por mim? Você vai lamentar quando olhar pro meu nome numa lápide? Eu sequer terei uma lápide?
    O estômago embrulhou quando voltou a olhar pra baixo e o mundo girou a sua volta. Olhar para cima lhe desequilibrou por dois segundos e seria o suficiente para lhe ceifar a vida. Mas não foi isso que vim fazer aqui? Pra que iria querer essa vida afinal? Já estou vivo por tanto tempo, e de que me serviu até hoje?
    Não sabia mais. Olhou para a sua esquerda, para as margens da cidade adormecida. Eram luzes distantes agora. Tinha saído de casa no meio da noite, lembrava bem... Ou não... Ainda estaria em casa naquele momento? Onde realmente estava agora? Na cela de um manicômio qualquer? Esforçar a memória fazia sua cabeça latejar e a dor também quase o derrubou. Estava tão silencioso. O tempo andava lhe fazendo truques na cabeça. Ou seria todo o uísque, ou os comprimidos, ou...
    Não havia tráfego na ponte há dois dias... Como saberia daquilo? Era impossível saber, seu pai passou pela ponte horas antes, como não haveria tráfego? Desceu do parapeito para averiguar e realmente havia lá, onde a cidade começava, abaixo da placa de boas-vindas, grandes barricadas de contenção. Há quanto tempo seu pai tinha saído para aquela viagem? Houve um tremor, a ponte não era forte o bastante, lembrava das notícias, precisava se esforçar mais. A cabeça parecia que ia explodir. Mais, mais.
    A lembrança veio, um pequeno lapso de luz numa treva sem fim. Uma luz bastava para iluminar seus motivos. ‘’Você precisa de conserto! Nunca vai dar certo desse jeito Toni!’’, recordou. Era a voz do seu amor que falava, mas também a da sua mãe, dos seus colegas. A cidade inteira parecia gritar que ele não estava bem, que ele não era... Suficiente. Eu não tenho que agradar a ninguém. Mas se pelo menos eu me agradasse, já seria o bastante. Já seria o suficiente pra eu viver feliz.
    Por que as coisas precisavam ser assim? Tudo poderia ter sido perfeito em sua vida, mas as vozes nunca o deixariam ter uma refeição se quer em paz, sempre jogando coisas em seu ouvido, em sua cabeça. Você é ridículo Antonio, vê? Olhe como eles te olham, ouça seus pensamentos. Você é lixo, você é merda e ainda é mais inútil que lixo e merda juntos.
    Afastou as vozes esmurrando o pequeno muro de concreto que separava a via do abismo logo abaixo. Só precisaria de um passo, de um salto. De um único segundo de coragem. Era o que necessitava. Socou o concreto como se visse nele a face de Jorge, de Miguel, de Vinicius, todos eles ali, caçoando dele... Viu também Benjamim, seu falecido padrinho... É o nosso segredo, ninguém vai saber, a voz era seca e maliciosa e as mãos eram puro osso, mas vieram em sua direção. Antonio gritou.
    As mãos latejavam de dor quando parou subitamente de gritar. Não percebeu quando parou de golpear o muro. Estava ofegante e havia sangue. Também havia lágrimas, sentia-as escorrendo pelo seu rosto ridículo, transbordando dos seus olhos ridículos. Tirou os óculos e jogou no chão. Deu um soco no próprio rosto, infelizmente não tão forte quanto gostaria.
    Ele diz que eu sou lindo, a voz amigável recordou dentro de si. Ele também era lindo, Toni pensou. O amava muito, e era amado de volta, sabia. Mas sabia também que a voz da razão tinha muito mais a dizer. Sim, diz que você é lindo. E também que você é louco, que deveria ser internado, que não passa de um doente, paranoico e que nunca dará certo com ele. As palavras afogavam em lama todo o sentimento bom que estava lá há tão poucos momentos.
    Naquela hora já teriam percebido que ele não estaria na cama? Não, claro. Era madrugada e mesmo que alguém acordasse, quem sequer iria se importar de checar se estaria bem? Era muito mais provável que seus próprios pais o empurrassem daquela ponte. Não, eles te amam e querem sempre o seu bem, NÃO! Eles não te amam, não vê como eles debocham? Não ouve o que eles dizem quando acham que está dormindo? Eles sabem que você vai morrer. Eles querem que aconteça.
    Antonio se divertiu por um momento imaginando qual a reação quando, pela manhã, encontrassem a cama vazia e um bilhete de despedida sobre o travesseiro. Logo o sorriso desapareceu do seu rosto quando percebeu o que fizera. Me tomarão como um covarde, como um bobo e idiota! As lágrimas já tinham partido, mas as sentiu voltar. Já tinha ido tão longe agora...
    Poderia voltar a andar para casa, esconderia as mãos feridas nos bolsos pela manhã ou inventaria alguma mentira convincente. Rasgaria o bilhete em mil pedaços e ninguém jamais saberia até onde ousou tentar.
    Mas e aí? Sentaria na mesa com as pessoas que o repudiavam, iria para o trabalho onde todos o achavam um incompetente... Trabalho... Que trabalho? Uma outra voz sussurrou. Estaria ficando louco? Estaria finalmente inventando coisas como todos falavam que fazia?
    Não, não estava louco. Faria todos se arrependerem. Naquela manhã, quando encontrassem seu corpo na margem do rio, todos finalmente sentiriam algum remorso... Mas que corpo?
    O rio era rápido e violento, se chegassem a encontrar algum corpo levaria dias e ele estaria irreconhecível, e ainda que encontrassem seu corpo... Todos me chamariam de coitado por dois minutos e seguiriam suas vidas miseráveis.
    Mas sua vida também era miserável, sua família o odiava, não tinha amigos e seu namorado... Não há nenhum namorado, pensou, e por um breve instante sentiu-se... Destruído. Não tinha mais ninguém. Qual era o propósito de se viver assim? Nunca teria filhos, por que diabos tinha de ter nascido daquela forma? Quebrado, defeituoso, estúpido... Que tragédia era a sua vida afinal?
    A única cura para a vida é a morte, a voz lhe disse.
    Calçou os sapatos e subiu novamente no parapeito. Não deixaria seus sapatos para trás, não deixaria nada. Só uma vida inteira, sonhos, planos... Que planos? Ser um incomodo até finalmente morrer de velhice? Estava frio, escuro, e sua mente parecia um nós de gritos, choros e sussurros. As vozes tinham intensificado ultimamente, e nada mais era capaz de silencia-las.
    Tinha de ser agora. Em pouco tempo o sol retornaria, e com ele toda a sua desgraçada rotina. Sabia que enfrentaria todos novamente e sabia que seria derrotado como era todos os dias, como sempre foi. Estranho! Incompetente! Inútil! Não vê mulher? Ele tem um rosto triste. Ele é um adulto e vive chorando pelos cantos, ele vai acabar cortando os pulsos uma tarde dessas. Era agora. Sentia muito decepcionar seu pai, mas não era muito um fã de lâminas. Nem de pontes.
    Respirou fundo. Era capaz de ouvir o próprio coração agora. Tentou mais uma vez imaginar um futuro em que viveria e seria feliz. Teria uma casa em outra cidade. Talvez até outro estado. Uma grande casa, na beira do mar. Ou um apartamento, bem alto, bem longe de tudo.
    Viveria com ele, com o amor da sua vida. Teria filhos, cachorros, antidepressivos no armário e facas guardadas a sete chaves... O que? Não há felicidade para você seu idiota! Sua própria voz suplicava num apelo justo. Não entende? Nunca vai ter felicidade pra você. Faz um favor pra você. Pra ele. MORRE!
    O parapeito parecia querer expulsar seus pés. Ou suas pernas é que tremiam, não sabia dizer agora. Mordeu o lábio inferior até sentir o gosto de sangue. A dor física afastava a psicológica por alguns momentos. Seria o bastante. Thomas ainda me quer, eu sei disso. Ele me ama... Mas não amava. Não depois de tudo, não depois de tanto. Ele nunca terminaria, mas por pena de mim, o Toni maluco, e por medo que eu morra. Eu tenho que me deixar ir. Por ele, por todo mundo. Que falta eu farei no mundo?
    Haveria o outro lado? Encontraria todos os que já se foram com um olhar julgador lhe esperando? Eles não têm direito de me julgar. Eu sei o que eu passei. Eu senti o inferno da vida. Eu nasci no inferno da vida. Mas isso nunca impediu ninguém de lhe julgar. Não deixaria o receio lhe impedir agora. Essa era a mudança que precisava fazer. Era o rumo que precisava tomar.
    Na última decisão da sua vida, Antonio Prata deu um passo a frente. A ponte subiu atrás de si, indo encontrar o céu, enquanto seu corpo ia na direção contrária. Teria sido seis segundos ou seis séculos?
    O coração saltou em urgência. Sentiu em uma fração de segundo todos os beijos de seu amado, os sorrisos de seus colegas, e os ‘’bom dia’’ que recebia todas as manhãs, tão confortantes quanto um abraço... Ouviu suas brigas, suas brigas, SUAS! Era ele o tempo todo, era eu o causador... Discussões vindas do nada e por nada!
    Lembrou de como todos o olharam quando jogou aquela cadeira pela janela do escritório bem na frente do seu chefe... Eles estavam rindo de mim, estavam zombando, NÃO, NÃO ESTAVAM! E tantas discussões, e tantas lágrimas e tanta paranoia...
    Todos estavam contra mim, imaginou, não, não estavam. Todos queriam ajudar. Nem recordava o motivo pelo qual estava ali, naquela ponte fria, sobre aquele rio frio. Seria possível que fosse mesmo um quebrado? Estaria bem mais quebrado em breve, quando sua eterna queda chegasse ao fim.
    Viu sua mãe chorar sobre o seu caixão e se perguntar o que havia feito de errado... Por que mesmo na morte precisava estragar tudo? Quis voltar quando sentiu em si a dor da mulher que há vinte anos tinha lhe dado à luz. Mas não havia volta. Nem mesmo mandou uma mensagem a seu namorado... Eu te amo Thomas, as lágrimas nem teriam tempo de sair desta vez.
    As águas negras subiram tão depressa... E o engoliu de uma única vez quando as sentiu envolver a pele, tão geladas... Tentou gritar, mas o ar escapou todo de uma vez e se debateu, chutando, esperneando, esmurrando... em vão.
    Não enxergava nem ouvia nada. Jamais receberia ajuda agora. Foi arrastado rio abaixo, tentando se agarrar em qualquer coisa, mas as mãos só encontravam água. Por um instante conseguiu ver o que pareciam ser as luzes da cidade, algo turvo a distância. Os malditos óculos, deixei na maldita ponte. O alívio nem teve tempo de surgir em si, pois logo depois tornou a submergir.
    Não queria morrer, só queria ajuda, só queria... conserto, a voz completou, tarde demais. Pensou na casa e nos filhotes que nunca teria, nos beijos do seu homem que agora seriam de outro. Meu Thom, meu amor, te amo, te amo, vamos casar e adotar filhos e... E eles irão visitar meu túmulo um dia, ao lado do novo pai? Vai contar a eles que eu pulei da ponte Thomas? Os filhos que deveriam ter sido meus! E os beijos, e a casa, e o futuro! O meu futuro!
    Seria assim que partiria, desesperado, lutando pela vida? Será que saberiam o quão assustado ele estava? Achariam que ele esteve determinado e corajoso até o fim? Isso não é nenhuma coragem, eu deveria... Deveria... Viver.
    Viver. A palavra ecoou dentro e fora do seu corpo. O próprio rio a gritava, viver! Viver! Eu quero viver!
    Os pensamentos se tornaram borrões e os borrões viraram nada, quando a vida lhe deixou o corpo. Um pescador lhe encontrou pálido e inchado três dias depois, a quinze quilômetros da cidade, na margem do Rio Topázio.
    Os olhos ainda estavam abertos, olhando para o nada, e parte dos lábios e uma orelha haviam sido devorados por algum bicho, mas o rosto ainda era... triste.
  • A vida atrás de uma tela de computador.

     

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    Ao anoitecer de uma noite qualquer, um garoto jovem e “normal” aos olhos de muitos, procurava se desligar de sua vida e viver em um “novo mundo”. Onde vivia de uma falsa realidade, uma felicidade temporária, mas mal sabia ele que, algo muito ruim estaria por vir, que acarretaria em muitas desilusões e decepções. 


    Muitas vezes seus pais não tinham tempo para lhe dar atenção, o jovem garoto e seu irmão, procuravam ocupar seu tempo se divertindo no mundo dos games. Mas seus pais mal sabiam o que realmente seu filho mais novo estava a fazer na internet.                              

    Ao longo dos anos, seus pais se separaram, Bryan ficou muito triste e abalado, pois ele amava muito seus pais. O garoto, não conseguia compartilhar seus sentimentos com os outros, escondia tristezas profundas, e feridas que jamais seriam cicatrizadas. Bryan ainda estava descobrindo sua sexualidade, mas desde cedo já sabia que era diferente dos outros garotos.

    Aos 13 anos, Bryan inventou de criar um personagem feminino em um jogo, onde ele se passava por menina. Bryan sempre gostou de agir como uma menina, mesmo sabendo que isto era errado, ele fingia ser alguém que ele não era.                        

    Ao passar dos anos, Bryan viveu como um personagem, ao tal que ele deu o nome de (Maria Clara), tinha muitos amigos, parecia que tudo estava perfeito na vida de Bryan, até que tudo mudou. Aos 16 anos, Bryan conheceu um garoto da mesma idade que ele, por uma ferramenta muito conhecida como (DISCORD).

    Bryan obviamente gostou muito do garoto e acabou criando vínculos de amizade, mas mal sabia Bryan, que a partir deste vínculo, sua vida estava prestes a desmoronar.                        

    Após alguns dias de conversa, Bryan acabou se apegando e eventualmente se apaixonando pelo garoto, e acabou pedindo o mesmo em namoro, o garoto por ter gostado da “Maria Clara”, acabou aceitando o seu pedido. Os dois ficaram muito felizes, com o passar do tempo as coisas acabaram ficando mais intensas, Bryan por estar cego de amor pelo Pedro, acabou levando esta farsa a diante.

    As coisas começaram a complicar, pois o garoto começou a pedir fotos, vídeos e até mesmo chamada de vídeo, foi quando a vida de Bryan começou a se complicar.

    O garoto morava muito longe e era muito ingênuo, Bryan se aproveitou disso e começou a mentir para o garoto e passou a enrola-lo, a cada dia que se passava, Bryan estava mais envolvido e apaixonado. Pedro e Bryan viviam juntos, passavam todas as madrugadas assistindo séries na Netflix ou jogando, Bryan gostava muito da companhia de Pedro, ambos gostavam muito do tempo que passavam juntos.

    Para sustentar este namoro, Bryan teve de contar muitas mentiras, uma delas foi inventar que seu personagem “Maria Clara” era muda. Ao saber disso Pedro ficou chocado no início, mas super aceitou, começou até a fazer curso de libras, para que quando se “encontrassem” pela primeira vez, ele pudesse se comunicar com ela.    

    Até que se passaram cinco meses de mentiras e falsas promessas, Bryan estava muito mal, e estava começando a afetar seu relacionamento. Em uma longa noite, Bryan tentou cometer suicídio e Pedro teve de impedir, até então Pedro achava que sua “namorada” só estava passando por problemas psicológicos, mas nunca soube o porque.

    Após estarem namorando a seis meses juntos, Bryan não suportava mais esconder a verdade, pois a cada noite que passava, ele ficava cada vez mais triste, pois no fundo ele sabia que, nunca realmente ficaria com o garoto, que eles nunca poderiam se encontrarem.

    Depois de Bryan sumir por uma semana, Pedro ficou extremamente preocupado, já por saber os transtornos psicológicos de Bryan. Quando Bryan finalmente voltou, ele criou coragem e contou toda a verdade, ele não podia mais esconder tudo isso de Pedro, seus dias como “Maria Clara” haviam acabado, seu personagem havia ido longe demais.

    Pois a intenção de Bryan era fazer Pedro se apaixonar loucamente por ele, que independente de Bryan ser homem ou mulher, eles iriam ficar juntos mesmo assim, mas não foi muito bem o que aconteceu. Ao ouvir toda a história Pedro ficou chocado, mas ao mesmo tempo estava completamente apaixonado por Bryan, e resolveu tentar continuar o namoro, mas desta vez com a verdadeira identidade de Bryan.

    Ao ouvir isto de Pedro, Bryan ficou muito feliz, mas esta felicidade durou muito pouco tempo. No dia seguinte, Pedro disse que não poderia continuar com isto, que havia uma barreira entre eles por Pedro ser hétero, e que se Bryan fosse mulher, ficaria com ele sem problemas.

    Foi quando neste momento, Bryan começou a odiar cada vez mais seu próprio corpo, começou a se culpar por não ter nascido mulher. Bryan estava loucamente apaixonado por Pedro, e faria qualquer coisa para tê-lo de volta em sua vida, pois Bryan não conseguia aceitar a ideia de tê-lo perdido.

    Com muita dor no coração, e com os olhos cheios de lágrimas, Bryan teve de aceitar e se desvincular de Pedro, apesar de isso parecer impossível para ele. Seus pais começaram a ficar extremamente preocupados com Bryan, pois ele não queria comer, estava dormindo muito, não queria mais sair de seu quarto, Bryan estava no fundo do poço, pois ele era emocionalmente dependente do Pedro.

    Com o passar dos dias, parecia que a vida teria acabado para Bryan, ele dormia e sonhava que Pedro estava mandando mensagem para ele, muitas vezes acordava chorando por aquilo se tratar de apenas um sonho. Para ele era como se o mundo estivesse desabando, pois ele sentia muita falta do Pedro, da companhia dele, de seu sorriso, da sua doce voz.  

    Apesar de Bryan ter tirado um peso das costas e ter tido a oportunidade de continuar amigo de Pedro, para ele não era suficiente, pois ele o amava e queria ter uma família com Pedro. Após muitas tentativas falhas de tirar sua própria vida, Bryan percebeu que deveria afastar-se de Pedro, ou caso contrário nunca o superaria.

    Bryan se afastou de tudo e de todos, e quando pareceu que sua vida estava acabada, surgiu uma luz no fim do túnel. Ao surgir esta luz, apareceu alguém especial, que amava Bryan do jeito que ele realmente era, Bryan ficou muito feliz, pois desta vez a pessoa não amava o seu "personagem", e sim ele mesmo. Com a chegada deste novo amor, Bryan ressurgiu das cinzas, quando tudo parecia estar perdido, sua vida começou a melhorar, Bryan podia finalmente encontrar a verdadeira felicidade.

    Será que finalmente Bryan está indo no caminho certo, ou talvez esteja indo a caminho de sua morte?

    Quem será este novo amor, de onde ele é, como será a nova história de Bryan, terá um final feliz?

    São dúvidas que logo teremos respostas. 

    O começo de uma nova história, ou o começo do fim?

    Largado em seu quarto, lá estava Bryan, pensando em sua vida e em seus atos, quando Bryan recebe uma mensagem anônima em seu celular.

    Bryan rapidamente o respondeu lhe perguntando quem era e como esta pessoa havia conseguido seu número. Após duas semanas sem resposta, Bryan é finalmente respondido, a pessoa "anônima" e misteriosa se identificou como Bruno. Apesar de Bryan desconfiar, no momento ele estava precisando de alguém para conversar, alguém que lhe desse atenção, e isto Bruno tinha muito para oferecer.

                                                                    

    Após várias noites conversando com Bruno, Bryan pode perceber que eles dois tinham muitas coisas em comum, talvez Bryan estivesse se apaixonando novamente, ele tinha muito medo de isto acontecer, pois já havia se machucado muito com Pedro. Bruno sempre foi educado e muito gentil, não aparentava ser uma pessoa ruim ou até mesmo que colocasse a segurança de Bryan em risco, mas até que em uma fatídica noite, tudo se provou o contrário.

    Bruno era muito misterioso, quando Bryan lhe fazia perguntas pessoais, ele respondia vagamente, nunca uma resposta concreta, Bryan não conseguia enxergar as malícias de Bruno. Mas até que então em uma noite, Bryan abriu seu coração e contou tudo o que sentia por Bruno. O Bruno obviamente ficou surpreso com tudo isto, ele também disse que gostava muito de Bryan e que estava escondendo isto a muito tempo.

    Os dois começaram a namorar, quando a vida de Bryan parecia ter entrado de volta ao eixo, tudo mudou e sua vida começou o verdadeiro inferno. Bruno não apareceu por acaso, Bruno não estava nem um pouco apaixonando. Na verdade Bruno estava apenas brincando com os sentimentos de Bryan, o sofrimento de Bryan estava muito longe se acabar, estava apenas começando.

    Bruno forçava Bryan a enviar constantemente fotos e vídeos íntimos, eles brigavam bastante por conta disto, mas Bryan sempre cedia aos caprichos de Bruno. Bruno não gostava de falar sobre sua família, isto estava incomodando Bryan, pois ele já estava desconfiando de Bruno. Após inúmeras desconfianças, Bryan resolveu investigar sobre a vida de “Bruno”, começou a fazer uma varredura nas redes sociais e a procurá-lo em todos os lugares, foi quando Bryan achou algo que não queria, as fotos que “Bruno” havia mandando, não eram dele.

    Bruno havia mentido e Bryan não entendia o porque, foi quando Bryan criou coragem e o questionou. Bruno ficou enfurecido e começou a culpar Bryan, dizendo que Bryan nunca deveria ter desconfiado dele. Bryan estava vulnerável e foi facilmente manipulado, três semanas após este episódio, Bruno revelou sua verdadeira identidade a Bryan.  O Bruno ao qual conhecemos não existia, Bruno se revelou como Pedro.

    O Pedro estava atrás de vingança, queria que Bryan tivesse passado pelo mesmo sofrimento que ele, queria que Bryan conseguisse sentir um pouco da dor que ele sentiu, ao ser enganado por seis meses. Após
     Bruno revelar sua identidade, começou a então a chantagear Bryan com as fotos íntimas e os vídeos que ele havia enviado. Foi quando toda tristeza de Bryan veio a tona, quando sua vida tinha começado a voltar ao normal, o verdadeiro inferno começou...

     Pedro conseguiu o número dos pais de Brayan e começou a mandar mensagens assustadoras para eles, e também começou a ameaçar Bryan de expor toda a história. Ao passar alguns dias, Bryan não suportava mais a tortura psicológica que Pedro estava fazendo com ele, foi quando Bryan resolveu dar um fim em seu sofrimento, Bryan se despede de seus pais e foge de casa pela madrugada.

    Ao caminhar pela estrada escura e deserta, Bryan sobe em um viaduto, e a partir daquele instante Bryan derrama suas últimas lágrimas, ali se vai com ele, todo seu sofrimento, todos seus sonhos e todas suas mágoas.

    Apesar de Bryan lutar contra sua depressão, contra seu sofrimento, infelizmente desistiu de lutar. Para Bryan ele era um fardo para as pessoas, que ele era um peso para todos, e que se caso todos descobrissem oque ele fez, todos olhariam com cara de nojo para ele.

    Em troca de seu suicídio, Pedro prometeu que morreria com Bryan toda a história, que se Bryan cometesse suicídio, ele não iria divulgar as coisas que Bryan havia feito. Apesar de tudo, Bryan tinha muito medo de seus pais acabarem descobrindo o que ele fez, então Bryan acabou aceitando a proposta de Pedro.

    Foi quando em um belo dia ensolarado, com os pássaros cantando logo de manhã cedo, Bryan se jogou do viaduto e infelizmente veio a óbito, seus pais ao receberem a notícia, entraram em desespero, sua mãe não conseguia parar de chorar.

    Apesar de tudo, Bryan sabia que por mais que lutasse contra seu sofrimento, jamais conseguiria sozinho. Muitas vezes ele implorou por ajuda e ninguém conseguiu ver o quanto ele estava sofrendo.

    Reflexão: Não brinque com depressão, pois é algo muito sério, não deixe de ajudar alguém que necessite de sua ajuda.   Muitas vezes algumas palavras de conforto, fazem a diferença na vida de uma pessoa.                                                                                    

    Após se passarem alguns anos do suicídio de Bryan, seu pai acabou ficando muito doente, sua esposa mãe de Bryan, vivia no hospital cuidando dele. Após o pai de Bryan estar três meses internado no hospital, em uma fatídica noite, infelizmente teve uma parada cardíaca e acabou vindo a óbito.

    A família de Bryan ficou muito triste, pois tinham acabado de perder Bryan a pouco tempo. Após duas semanas se passarem, a mãe de Bryan acabou adoecendo, pois ela estava muito abalada com a morte de Bryan e de seu companheiro. O irmão de Bryan, com muito medo de perder sua mãe também, acabou largando o emprego para cuidar dela.

    Foi quando a mãe de Bryan começou a melhorar cada vez mais, já estava até fazendo atividades físicas novamente, mas até então que tudo mudou. Quando tudo parecia estar voltando ao normal, mãe de Bryan piorou e muito, foi quando o mundo de Kaique irmão de Bryan, terminou de desabar.

    A mãe de Bryan lutou até o fim de seus dias, Kaique ficou oito horas em frente do bloco cirúrgico esperando por sua mãe, quando infelizmente os médicos deram a notícia de que ela não havia resistido. Naquele momento a vida de Kaique tinha acabado, aos 26 anos, Kaique tinha perdido seus pais e seu único irmão.

    Por dois meses seguidos, Kaique visitava os túmulos de seus pais e de seu irmão mais novo Bryan, pois para ele, aquele era o único momento que ele podia ficar um pouco mais próximo deles. Ali Kaique contava para eles sobre como tinha sido seu dia, os estresses do trabalho, e ao cair a noite, Kaique voltava caminhando para casa derramando inúmeras lágrimas.

    Kaique acabou conhecendo uma mulher em seu trabalho, o nome dela era Isabela. A Isabela era uma mulher, linda, gentil e muito carismática, Kaique esquecia de todos os problemas quando estava com ela. Foi quando Kaique percebeu que precisava seguir sua vida em frente, Kaique teve muito apoio de Isabela, e os dois acabaram ficando bem íntimos.

    Após se passarem um mês juntos, Kaique pediu Isabela em namoro, foi quando ela rapidamente aceitou, e os dois foram morar juntos. Já tinha se passado muito tempo dos fatos ocorridos, Kaique estava muito feliz com Isabela, os dois já até planejavam em ter um filho. Após Isabela finalmente conseguir engravidar, os dois resolveram visitar os túmulos dos pais de Kaique.

    Após chegarem lá, levaram flores e Kaique conversou muito com seus pais, Isabela pediu para Kaique levá-la ao túmulo de Bryan, quando chegaram lá, puderam perceber que já havia uma pessoa por lá. Ao se aproximarem, perceberam que se tratava de um homem, o perguntaram quem era e porque estava ali, o homem não quis se identificar e foi embora.

    Kaique achou muito estranho e resolveu ir todos os dias no túmulo de Bryan para ver se aquele homem voltava, foi quando em uma tarde chuvosa, os dois finalmente se encontraram novamente. O Kaique estava decidido a não deixá-lo ir embora sem antes lhe fazer algumas perguntas, pois até então ninguém sabia o motivo de Bryan ter cometido suicídio. E para Kaique, aquele homem parecia bem próximo de Bryan, apesar de Kaique nunca tê-lo visto em sua vida.

    Mal sabia Kaique que em sua frente, estava o assassino de seu irmão, o homem que havia destruído a sua família, e que sua nova família que estava prestes a ser formada, também corria um perigo enorme.

    O homem assustado ao ver Kaique pela segunda vez, resolveu correr para fora do cemitério, Kaique correu atrás dele mas acabou o perdendo. Foi quando Kaique achou ainda mais estranho e resolveu a partir daquele momento começar a investigar. Pois Kaique começou a perceber que poderia não ser apenas um suicídio, que algo muito maior estava oculto, e ele estava prestes a descobrir.

    Após ter passado anos de culpa, Pedro estava fazendo visitas constantes ao túmulo de Bryan, mas mal sabia ele que essas visitas poderiam acabar trazendo toda verdade a tona.

    O homem encapuzado, todo de preto, estava prestes a ter a identidade revelada. Pedro começou a investigar a vida de Kaique, onde ele trabalhava, onde ele morava, a que horas eles chegavam em casa. Pois para Pedro, Kaique poderia acabar com a vida dele, e que se ele sumisse com Kaique, tudo estaria resolvido.

    Foi quando Pedro resolveu arquitetar um plano, mas nada saiu como o esperado. Do outro lado, Kaique estava ficando paranoico, Isabela não o aguentava mais, e estavam tendo brigas constantes, pois Kaique insistia que não tinha sido apenas um suicídio qualquer, Isabela já estava furiosa com esta história.

    Foi quando em um dia muito chuvoso, Isabela e Kaique brigaram, Isabela resolveu sair de casa e ir dormir na casa de seus pais. Foi quando Pedro resolveu colocar seu plano em prática, aquela era a chance de Pedro, de por um fim em seus problemas.

    As duas 02:30 da madrugada quando Pedro havia entrado já na residência e estava escondido, Isabela bate na porta e acorda Kaique. Isabela havia desistido de dormir na casa de seus pais, pois estava preocupada com Kaique, Pedro ficou desesperado, pois estava preso dentro da residência.

    Deu 04:45 da madrugada, Kaique e Isabela foram dormir após terem uma longa conversa, Pedro subiu as escadas com um revólver na mão, estendeu sua mão sobre a porta e abriu, se aproximou da cama do casal e apontou seu revólver sobre Isabela.

    Pedro começou a chorar e então Kaique e Isabela acordaram assustados, Kaique logo reconheceu que era o mesmo homem do cemitério. Então Kaique começou a dialogar com Pedro, dizendo que ele não precisava fazer aquilo, que Isabela estava grávida. Pedro estava cego, ele tinha medo de que todos descobrissem a verdade, e estava disposto a tirar a vida de Kaique e Isabela para se safar de sua culpa.

    Foi quando os vizinhos ouviram gritos e tumultos e acabaram acionando a polícia, quando a polícia chegou ao local, Pedro ficou completamente transtornado, pois percebeu que sua vida estava acabada.

    Com a chegada da polícia, Pedro ficou muito nervoso, Kaique tentou se aproveitar deste momento para tentar tirar a arma de Pedro, mas sua tentativa falhou. O revólver disparou e a bala acabou atingindo o coração de Kaique, ali naquele momento Isabela entrou em desespero e acabou indo para cima de Pedro.

    Ao ir para cima de Pedro e tentar tirar a arma dele, Pedro acabou a empurrando para afasta-la, pois Pedro não queria matar Isabela por ela estar grávida.

    Ao empurra-la, Isabela acabou batendo forte com a cabeça em um espelho, e acabou vindo a óbito, foi quando ao ouvirem os disparos e todos esses barulhos, a polícia resolveu invadir a residência, mas infelizmente chegaram tarde demais.

    Ao entrarem no quarto, a polícia viu uma cena de terror, ao matar Kaique e Isabela, Pedro acabou se suicidando com um tiro na cabeça, foi naquele mesmo quarto que a história de uma linda família teve um fim trágico.

    Uma história de amor que acabou destruindo com uma família, após inúmeras mortes, a polícia resolveu abrir uma investigação, e a verdade veio a tona.

    Reflexão: Cuidado com quem você acabe se envolvendo, as vezes vivemos anos com uma pessoa, e não conhecemos como realmente ela pode ser.

                                                                   

     
  • A vida de uma Pimenta

    Comer a mais no café se tornou rotina. É uma maneira de evitar o contato prolongado com quem eu mais amava: meu pai.
      Depois do meu pedido de ajuda, a vida se virou de ponta cabeça. Depois do meu suicídio mal sucedido, minha cabeça começou a trabalhar num escritório e ter que ler vários artigos por dia.
      Bom, vamos ao ponto. A verdade é que sou depressiva bipolar e fóbica social. Mas a vida não tão difícil quanto pode ter passado em sua mente. Sou bem aberta à recepcionar pessoas e ouví-las. Só entro em pânico quando tenho que ir ao shopping. A vida só ficou complicada mesmo quando meus pais decidiram que eu não podia mais ficar sozinha. Isso mesmo. 24 horas por dia, vigiada. Além disso, comecei a ter o senso de que meu pai estava se aproveitando de nós, minhas irmãs e eu, para fazer tudo na casa, enquanto ele se sentava ao sofá. Sabe aquela VELHA história de que o homem trabalha fora de casa e a mulher dentro? Pois é, acontece aqui. E foi assim que as brigas começaram; que a distância se tornou refúgio e que eu comecei a perder o senso.
      Quero contar essa história do início. Mas é uma LON______GA história. Então, se você quiser/puder ficar, conto tudo direitinho....
  • A vida é boa!

    Eu acordo.
    Tenho água para beber, 
    tenho roupas para vestir,
    tenho comida para comer 
    e até um sol para olhar e admirar todas as manhãs. 
    A vida é boa!
    Gratidão.
  • A vida e um fio de linha muito frágil

    A vida e um fio de linha muito frágil, hoje estamos aqui,com nossos sonhos, metas e objetivos, amanha podemos ser só lembranças
  • A Vingança

    A história conta a vida uma menina chamada Emily, que sofre bastante por pessoas entre amigos e familiares, em casa e na escola. Ela sempre foi aquela tímida boazinha, santinha e inocente. Mais até que certo dia ela enjoou disso, de ser sempre a bobinha quietinha que tem medo de dizer não.
       Então..Você está pronto(a) para ouvir essa história ? Garanto que não vai se arrepender !
  • A visita

    Tem dias que a melancolia vem nos visitar e acho normal que ela venha. Ainda mais, na atual circunstância. Ela pode chegar, entrar, tomar um café numa tarde chuvosa, fazer refletir e até chorar um pouquinho, ela pode ficar um tempo e se assentar naquela poltrona esquecida no canto da sala. Mas, precisamos saber não deixar a melancolia fazer morada, ela pode ser bem impertinente e folgada e querer tomar conta da casa toda.
  • Adolescente

    Todo adolescente enfrenta algum problema interno que só ele entende
    Não contamos aos adultos porque eles culpariam os celulares
    Ou se mostrariam indiferentes
    Não contamos aos nossos amigos porque apesar de serem os mais prováveis de nos entenderem, temos medo de sermos julgados
    Ou considerado fracos
    Não contamos aos pais, talvez porque nossa relação não seja tão boa a ponto de compartilharmos segredos assim
    Ou porque sabemos que eles já possuem problemas demais para se preocuparem e não queremos sobrecarrega-los com um possível draminha adolescente
    Mas nem sempre é só um drama
    E somos de certa forma hipócritas ao desprezarmos esse "problema"
    Dizemos que não é nada
    Vai passar
    É só uma fase
    Nada demais...
    E por um tempo, por mínimo que seja, esse sentimento some
    E por isso pensamos que está tudo bem
    Na verdade todos ao nosso redor pensam que está tudo bem
    Afinal, não compartilhamos nossa dor
    Como eles poderiam suspeitar de algo?!
    Mas então, sem aviso prévio, tudo desmorona
    E não entendemos o porque
    Deveríamos estar felizes, não deveríamos?!
    E novamente mentimos para nós mesmos
    "Está tudo bem"
    Mas não está...
    E a partir daí entramos em um círculo vicioso
    Composto por sorrisos forçados durante o dia
    E lágrimas durante a noite
    E na manhã seguinte voltamos a encenar e sorrir, como se nada tivesse acontecido
    Como se não tivéssemos nos desgastado de chorar noite passada
    Porém, isso cansa
    Não poder conversar com ninguém sobre o que sentimos nos mata aos poucos
    Não poder compartilhar a dor sentida é insuportável
    Nos tornamos escravos
    Escravos da nossa dor
    Escravos dos sorrisos forçados...
    E, para nós, já é tarde demais para falar com alguém
    E, infelizmente, muitos de nós, sem enxergarem outra saída, optam pela morte
    Para tentar acabar com a dor
    Mal sabe eles as consequências de tal ato...
    Pois ao fazerem isso, se esquecem que deixam para trás uma família que os amava
    E que vão ficar se culpando
    Porque sentem que falharam
    "Quem sabe se eu tivesse me esforçado um pouco mais..."
    "Se eu tivesse percebido..."
    Esses vão ser os pensamentos que os assombrarão...
    Ao tirar a sua vida, o jovem pode até acabar com sua dor
    Mas destrói a vida de todos ao seu redor
    Aqueles que o amavam
    E que passarão a vida pensando no "E se..."
    Mas, aqui entre nós, porque decidimos guardar esse sentimento para nós, mesmo?!
    Será que o medo de sermos julgados tem que sobrepujar todo o sofrimento que enfrentamos por mantermos isso em segredo?!
    Somos humanos, estamos propensos a errar
    É normal
    Ninguém é super-homem
    Compartilhar nossos medos, decepções e agonias
    Não faz de nós fracos
    Pelo contrário
    Esse é o caminho que nos leva ao fortalecimento!
  • Afogamento

    Tristeza lancinante
    Tira meu rumo
    Solidão sufocante
    Sacode meu prumo

    Pensamentos desordenados
    Começam a me inundar
    Pesos do passado
    Cá a se avolumar

    Então mergulho
    Nas tormentas juvenis
    E logo afundo
    No mar de águas hostis

    Maré alta
    Fraca respiração
    Medo me assalta
    Fustigando o pulmão

    Terror que se expande
    Toma meu mundo
    Suspense angustiante
    Silêncio absoluto.
  • Airbnb

    O lugar onde você dorme quando viaja sempre é um lugar que causa sentimentos antagônicos. Em parte traz sensações boas, principalmente pela excitação da viagem, mas também por causa da animação de explorar o novo. Pela outra parte, porém, é um lugar desconhecido que traz o desconforto pelo simples fato de não ter a sua cama e nem o seu banheiro.
    Quando se viaja a lazer, você já vai preparado para o último e, se tudo sair como planejado, só o primeiro prevalece. Para escapar da rotina do trabalho, ele tentava viajar sempre que podia mesmo que fosse para uma cidade próxima. Isso geralmente acontecia a cada duas semanas logo após receber o seu pagamento quinzenal. Mas dessa vez ele tinha recebido uma parcela do 13º salário, então decidiu ser mais ousado e ir mais longe. O quarto que ele alugou era pequeno, mas muito bem localizado, tinha ar-condicionado e uma vista estupefante bem de frente para um mar azul sem fim com um pequeno píer onde os pescadores atracavam seus barcos.
    O dia dele tinha sido incrivelmente relaxante. O tempo estava um pouco frio o que tornava perfeito ficar na varanda lendo um livro enquanto o sol fraco aquecia levemente a sua pele. Depois de almoçar e tirar uma soneca, caminhou um pouco na praia, ouviu um pouco de música e contemplou um pouco o mar já que estava frio demais para entrar na água. Quando voltou para o airbnb, decidiu pedir uma pizza de jantar e assistir a um filme. Cerca de dez minutos depois do entregador chegar, começou a cair uma forte tempestade com raios, relâmpagos e poderosos trovões. Quando ninguém mais era esperado, o interfone toca. Ele deixa dar três toques, esperando que a pessoa perceba que é engano e cancele. Mas, como não parou, ele atendeu.
    – A-alô – a voz trêmula, mas macia, de uma mulher começou a falar – me, me ajuda. N-não tenho para onde ir, tô-tô com frio! Me aj-ajuda!
    Ele não sabia o que fazer na hora já que não esperava, nem nos cantos mais imaginativos da sua mente, que fosse ouvir isso. A sua cabeça começou a trabalhar com velocidade já que precisava tomar uma decisão importante em segundos. Seria um golpe, um assaltante, um sequestro? Ou só seria alguém desesperado implorando por abrigo? Medo ou empatia, qual caminho seguir?
    – Te-tem alguém aí? POR FAVOR! – insistiu a voz com a demora de uma resposta.
    – Desculpe, não posso! – disse ele rápido e secamente, desligando o interfone enquanto os seus olhos marejados torciam para que não fosse só uma mulher com frio.
    Ele ainda ficou alguns minutos em pé encarando o interfone, só respirando. A sua mente não parava de alternar entre o desejo de que o interfone tocasse novamente para mudar a decisão e de que nunca mais tocasse. Silêncio. Era só o que tinha. Silêncio. Depois de alguns minutos, a sua perna permitiu que ele saísse da frente do interfone e fosse beber uma água. Ele decidiu assistir (ela está com frio) um pouco de TV (ela pode morrer) para ver se distraía (a culpa é minha) a sua mente, mas (sozinha, encolhida, sofrendo) era simplesmente impossível (era só apertar dois botões para dar um abrigo a ela). Como não adiantava, decidiu desligar tudo, fechar todas as cortinas e tentar dormir.
    O sono demorou a vir, mas quando veio parecia que o nocauteou. Ele estava dormindo de bruços quando foi acordado por um barulho. No início ele não conseguiu identificar o que era, mas ao ouvir novamente percebeu que era como um soluço de bebê que está prestes a iniciar um grande e interminável choro. Ele tenta se levantar, mas não consegue. A sua respiração fica pesada como se tivesse um peso em seu peito. Ele começa a ouvir o engatinhar de uma criança. Vai ficando cada vez mais rápido. Acelerando. Lágrimas começam a rolar pelo seu rosto involuntariamente. O som vai ficando cada vez mais próximo até que uma mãozinha pequena e gelada agarra o seu pulso, o queimando como ácido com o seu toque. O máximo de movimento que ele pôde fazer foi fechar o seu punho para tentar conter a dor, mesmo isso sendo impossível. 
    O seu pulso ainda ardia quando sentiu a pequena mão largá-lo. O seu alívio, porém, não durou tempo o suficiente. Ainda estava paralisado quando percebeu que pequenas gotas vermelhas estavam surgindo no seu lençol. Elas foram encharcando tudo até transformar o branco em vermelho. As pequenas poças que começaram a se formar confirmaram o seu temor: sangue. As poças foram ficando maiores e maiores até que alcançaram a sua boca. Ele lutava para deixá-la fechada, mas de alguma maneira o sangue entrava e ele sentia o seu gosto ferroso. Uma voz áspera de mulher começou a surgir no quarto e ficava repetindo “O que você mais ama na vida?”. Ele não sabia, não conseguia raciocinar, só queria que o sangue parasse de subir. Mas não parava e já estava atingindo uma de suas narinas, fazendo com que, cada vez que respirasse, um pouco de sangue o afogasse, a tosse se manifestasse e mais sangue entrasse em sua boca. O nojo e o desespero dominavam a sua mente e os seus pensamentos. “O que você mais ama na vida? O que você mais ama na vida? O que você mais ama na vida?”.
    — Viagens, viagens – ele conseguiu gritar cuspindo parte do sangue que estava em sua boca.
    — Agora – começou a responder a voz feminina sem demonstrar nenhum sentimento – o único jeito de você sair vivo será deixando a parte que você mais ama aqui. Nunca mais poderá viajar e, se fizer, morrerá. Aceite o acordo ou morra agora.
    Ele demorou um pouco para responder. Na hora só conseguia lembrar de uma cena de Piratas do Caribe quando Davy Jones pergunta a um tripulante se teme a morte. Sim, ele temia. Sempre temeu desde o momento em que descobriu que ela existia. Então, mesmo com a sensação de que o seu coração estava sendo esmagado por um punho furioso, ele disse “aceito” e, através dos olhos cabisbaixos e marejados, dava para ver que ele temia ter tomado a decisão errada. Depois dessas palavras ele apagou e acordou em sua casa no dia seguinte.
    Assim que abriu os olhos, demorou um longo tempo para processar tudo o que aconteceu. Duvidava se era realidade ou não. Duvidava do que lembrava e do que não lembrava. E, principalmente, duvidava do acordo, mas tinha medo de quebrá-lo. Então, com o medo vencendo a tristeza, decidiu não viajar mais.
    Os dias se tornaram longos e os finais de semana mais ainda. Trabalhava sem propósito, saía sem propósito e ficava em casa sem propósito. Tudo parecia horrível e ele se sentia horrível. Nada mais era bom, tudo era uma merda. Ele se sentia uma merda. Nada que ele fazia parecia certo e seus pensamentos sempre pareciam chatos.  Ele chorava sem motivo porque não parecia ter um motivo para ter vida. Até que um dia, no meio do trabalho, pensou “que se dane”. Saiu, pegou o carro e começou a dirigir.
    Ele pensou que teria um ataque cardíaco ou algo parecido assim que atravessasse a fronteira, mas nada aconteceu. Um pensamento, entretanto, surgiu em sua cabeça como se não fosse dele “assim que você pisar em terra”. Por isso decidiu rodar o máximo possível com a gasolina que tinha. Finalmente, depois de semanas, um sorriso estava surgindo em seu rosto ao ver as paisagens e sentir o vento atingir os seus cabelos.
    Quando chegou na cidade em que todo o seu pesadelo se iniciou, percebeu que tinha dirigido para lá sem se dar conta. Ele foi até a praia onde tinha o píer que via de sua janela e um velho pensamento ressurgiu na sua cabeça: “Você teme a morte?”.
    – Não, a vida – respondeu sussurrando para si mesmo enquanto acelerava em direção ao píer.
    Assim que o carro se chocou contra o mar, a água salgada e gelada começou a inundar o carro. Não havia mais o que fazer, a morte era uma questão de tempo. A luz já não chegava mais onde estava, e o frio começou a se espalhar por todo o seu corpo trêmulo. Ele estava triste por morrer e feliz por estar livre, por isso não dava para definir que tipo de lágrimas saíam dos seus olhos. Quando a água já atingia a sua cabeça, quase a cobrindo, a voz do interfone começou a tocar no rádio em looping “ tô-tô com frio! Me aj-ajuda!”.
  • Alguém vai ter que ceder

    Acordo e olho o relógio: duas da manhã. Atordoada, tonta e suando frio. Onde eu estou? Olho ao meu redor e bem, estou em casa. Se acalma, respira, toma um gole d'água. Foi só um pesadelo. Mais um pesadelo...
    Quem dera os piores monstros fossem os de conto de fadas; seria muito mais fácil lutar contra eles. Trancar os armários, tapar o vazio debaixo da cama, não sair comendo maçãs por aí. Ah, como tudo seria mais fácil...
    Mas e quando eles estão dentro de nós? Quando trancar os pensamentos, tapar o vazio de uma despedida e não tomar o veneno das palavras alheias não se faz possível?
    Medo. Insegurança. Arrependimento. Perda. Desilusão. Culpa. Desesperança. Pânico. Ansiedade. Pressão da simples sobrevivência.
    Eles dançam e festejam na mente com total desdém e até com o ar da graça do prazer. A gente tenta se livrar da bagunça; livros, remédios, meditação e busca espirítual. Tem até aqueles dias que a gente chega a implorar por misericórdia e um pouco de sossego, pelo menos durante o sono, mesmo sabendo que não vai haver um segundo de quietude se quer.
    Mas há de haver um dia em que isso tudo desaparecerá.
    Ah, esse dia! Tão esperado dia!
    Mesmo que para isso eu tenha que desaparecer também.
  • Alma Perdida

    Ela era uma prostituta. Mas não era uma prostituta qualquer, nela havia algo especial. Cercada de tristeza e dor, seu corpo possuía tons curiosos.
    Carmen, filha de João e Maria, cresceu ouvindo que o mundo era vazio, um lugar sem esperança. Quando criança, tentava de todas as formas agradar os pais que trabalhavam dia e noite para poder colocar o pão na mesa, chegavam cansados e só verificavam se Carmen estava viva, não prestando atenção acima da mesa: ‘’Papai,Mamãe. Eu não sei muito sobre vocês, contudo isso é uma das consequências da vida que fomos destinados a ter, porém amo vocês do mesmo jeito que qualquer outra filha amaria.”
    Aos 16 anos, os pais de Carmen morreram e a adolescente foi morar com o único parente que tinha, seu tio. Era uma casa fria, sem cor. Todas as noites, ela chorava baixinho, no canto do quarto, implorando para sentir alguma coisa: felicidade, tristeza, raiva... Algo que mostrasse que ela ainda estava viva e não somente sobrevivendo. Seu tio, uma pessoa amarga, chegava bêbado em casa todos os dias e, naquela noite, ele escutou um murmúrio vindo do quarto. Alguém chorava. Uma alma perdida pedindo socorro. ‘’Eu vou te dar um motivo para sentir algo.’’, disse, puxando a cinta e espancando a jovem Carmen.
    E naquela madrugada, ela de fato sentiu algo: repulsa. De si mesma. Olhava para os hematomas e as lágrimas não faziam seu caminho pela bochecha mais, era uma dor mais profunda. Julgou que a melhor forma de acabar com aquilo era fugir e assim fez, saindo sem rumo. Vagou pelas ruas, somente o tempo conseguiria cura-lá.
    Passaram- se anos, Carmen se encontrava no banheiro do posto, enquanto passava o batom tão vermelho quanto seu próprio sangue, um sorriso falho no canto dos lábios. No relógio marcava 00:00, deu um passo para o lado de fora, sentindo o vento frio contra sua pele pálida. Mais uma noite de trabalho.
    Uma mulher diferente de todas as outras, parada no ponto, vendendo aquilo que sempre desejou ter, o puro amor.
  • Amadurecer É Um Luto Constante

    Crescer é uma perda;
    Digo por experiência própria que crescer é uma perda como qualquer outra;
    Tudo acontece tão de repente, sem aviso algum, e isso é crescer, aprender a navegar numa tempestade;
    Não tem aviso ou preparo, é tudo jogado sobre você;
    Você sofre perdas, perda do que você fazia antes, perda daquela inocência e daquele carinho que você recebia;
    Mas quem entenderia? Se nem quem sofre a perda a entende.
  • Antecedente da cicatrização

    Como quando a orelha inflama porque o brinco estava um pouco sujo; ou quando colamos o curativo adesivo que fixa na pele de modo a puxar todos os pelos na hora de sair.
    Mesmo sabendo que no fim iria doer, provoquei. Botei o brinco pra inflamar, colei o curativo pra fazer doer. Queria viver aquilo, nem se fosse por míseros segundos, minutos, horas, dias. Nem sei mais quanto tempo passei imersa naquela banheira de espumas.
    Corria cada vez mais só pra vê-la. Queria era socorro, socorro da própria situação. Socorro de mim mesma. Mas por mais rápido que eu o fizesse, não a alcançava. Dormia sem conseguir descansar. Não sabia como evitar, como não sentir. Era, humanamente, impossível fechar o peito para aquela que, outrora, me visitava com flores e com pele macia a me acariciar.
    Deitada sobre seu peito sentia que a perdia. Procurava sua mão. Meus dedos se entrelaçavam nos dela, mas os dela no meu. Ficava ali parada até o momento em que escorria pelo meu corpo. Indo embora sem dizer adeus.
    Enquanto eu souber que a ferida não será fechada por completo, vou levando. Empurrando com o resto de forças que sobrara do restante da minha alma, que jorrava água escura, afim de fugir do precipício que eu mesma criara.
  • As crianças perdidas

    Sofria de insônia há alguns anos. Terapias e tentativas diversas nunca funcionaram(acupuntura,meditação,oração, reza, TCC, psicanálise etc) . Em relação aos remédios, seguravam-me, no máximo, duas horas na cama, mesmo tomando o triplo do recomendado pelos médicos. Passei por vários, que sempre me diagnosticaram com um problema diferente. E, cada um deles, prescreviam um amontoado de pílulas. Tomava aos montes, estava viciada, especialmente num verdadeiro coquetel de benzodiazepínicos, que sempre estavam ao lado da minha cama. Não me faziam dormir, mas me acalmavam quando eu estava com raiva ou chateada com algo ou alguém. Apelei até para as mais bizarras alternativas. Cheguei a sacrificar animais a pedido de um pai de santo. De nada adiantou. Fui a uma praticante de vodun, que havia fugido da crise haitiana após aquele terrível terremoto do ano passado e vindo morar em nosso país. Era de uma tradicional família abastada de lá. Dinheiro e tempo perdidos. Nada me fazia dormir.
       O motivo para a insônia que os especialistas, religiosos e curandeiros alegavam, variava de acordo com a especialidade e a crença deles: Os psiquiatras diziam que eu sofria de um distúrbio hormonal na produção de melatonina(hormônio necessário para o sono). Resultado de um defeito congênito na glândula Pineal(má formação) que a impedia de produzir o hormônio na quantidade e qualidade necessárias para as minhas necessidades. Os religiosos, em geral, incluindo curandeiros, padres, pastores, umbandistas e espíritas estavam de acordo: era um problema espiritual. Havia forças sobrenaturais atuando sobre mim e causando a insônia.
       Certa noite, acordei com se ouvisse gritos de crianças. Fui ao banheiro, então tive novamente a impressão de que crianças brincavam pelo terreno da fazenda. Dei uma espiada por todos os lados da casa e seus arredores. Não havia ninguém. Acordei meu irmão:
    - Carlinhos, Carlinhos, acorda:
    - O que é dessa vez, Naninha? viu o Boitatá ou o Saci?
    - É sério, Carlinhos.
    - Pois diz logo, porque diferente de você, tenho a obrigação de dormir. Papai e eu temos que sair cedo para fecharmos um contrato para a venda de nossas uvas. Os preços subiram e quero dinheiro, e muito. Afinal, quem vai sustentá-la? sua aposentadoria mirrada não vale os presentes que vc distribui aos seus amantes, uma vez ao ano, quando aparecem por aqui.
    - Acho que há crianças pela casa. Eu as ouvi. Elas estavam correndo e rindo. Conversavam também.
    - Naninha, vá para a cidade. Termine os estudos e arranje um namorado , ou um macho qualquer pra te comer. Ou quem sabe uma mulher. Os tempos mudaram. Agora me faça um favor: saia do meu quarto e me deixe dormir.
       Enquanto todos dormiam, eu perambulava pela casa, não parava de ouvir passos e vozes de crianças. Percebi de onde vinham os sons, os passos e as gargalhadas. Abaixo-me lentamente e saio rastejando até uma das janelas. Preparo a câmera do celular. Elevo-me subitamente, avisto as crianças e bato várias fotos. As crianças estão entrando na plantação de Uvas. Uma delas arranca vários cachos. Pelam praticamente as videiras da frente da casa. Eu encaro uma delas e ela retribui com uma sorriso. Depois corre para dentro das videiras. Enfim, achava que havia registrado as crianças.
    - São crianças de verdade. Meu Deus! Carlinhos tem que ver isso.
    - Carlinhos! Carlinhos!
    - O que é Naninha? Jesus Cristo, me deixa dormir. Vai encher o saco da mãe ou do seu primo retardado. Preciso dormir, mulher.
    - Agora é sério. Tirei fotos de crianças, elas estão nas videiras. Brincando.
    - Espera que vou abrir a porta.
    - Entra, diz Carlinhos.
    - Olha, Carlinhos, aqui estão as fotos. Agora me diga se estou louca.
    - Cadê as crianças? não vejo ninguém.
    - Você além de burro e feio, é cego também? não está vendo esse garotinho de chapéu de vaqueiro? e essa garotinha com roupa de cigana?
    - Saia do meu quarto, agora. Sua maluca. Aliás, vou acordar a mãe e falar com ela.
    Carlinhos, dirige-se ao quarto dos nossos pais,furioso e mal humorado. Bate na porta a ponto de derrubá-la.
    - O que é Carlinhos? o que aconteceu, diz sua mãe assustada.
    - Dê um jeito na sua filha, agora. Além de passar todas as noites fazendo barulho pela casa, atrapalhando nosso sono, agora fica vendo coisas. Tô até com medo dessa doida.
    - Feche sua porta, e não dê atenção a ela. Me deixe em paz também, diz a mãe deles.
    - O que Carlinhos queria, Maria? pergunta o esposo
    - Veio reclamar da Naninha. Diz que agora ela anda pela casa vendo coisas.
    - Não bastasse passar as noites acordadas, agora está tendo visões. Mais um problema, mais dinheiro com consultas e remédios, diz o patriarca da família.
    - Pois é, conversaremos sobre isso amanhã.
    - Mas agora quero conversar com você sobre outra coisa.
    - Nem venha. Estou com dor de cabeça e indisposta. Vá dormir
       Depois de todo o alvoroço que meu irmão provocou, resolvi ser mais reservada. Não iria incomodar mais ninguém, nem minha mãe, que geralmente era mais paciente e compreensiva que todos(as) da família. Resolvi me refrescar fora da casa. Sentei-me na cadeira de balanço na varanda. Preparei um cafezinho e um cigarro de Marijuana. Aqui em casa, e nas fazendas vizinhas, o uso dessa planta é disseminado, para os mais variados fins. Todos fumam, sobretudo como tranquilizante natural. Minha mãe também faz chá com suas folhas. A plantação é ilegal, mas tínhamos variadas espécies de Cannabis entre as videiras. Não gostava muito, mas me tranquilizava. Tinha um efeito semelhante ao meu coquetel de benzodiazepínicos.
       Enquanto me refrescava ao sabor do café e da Cannabis, as crianças voltaram. Eu as observava de longe. Elas brincavam. Escondiam-se. Acenaram para mim e entraram na plantação de uvas. Eu resolvi segui-las. Entrei no labirinto das videiras. O campo de plantação era gigantesco. Tinha quilômetros.
       Estava no labirinto, as crianças apareceram. Pareciam querer brincar. Peguei na mão do garoto e da garota e saí pelo mato, cantando e me divertindo com elas, até o dia raiar.
    - Bom dia, Pedrinho!
    - Bom dia, mãe!
    - Cadê sua irmã?
    - Não sei. Ela me acordou duas vezes de madrugada.Meu pai ainda está dormindo?
    - Não.Está se arrumando para sair com você.
    - Vá la fora e chame-a aqui?
    - quem?
    - A Naninha, Carlos. Quero conversar com ela.
       Carlos vasculha o terreno da casa. Grita por Ana. Ela não responde. Ele observa suas pegadas em direção às videiras. Ele entra, chama por ela, mas ninguém responde. Ele entra mais a fundo nas plantações. De repente ouve vozes de crianças também. Elas riem.
    - Será que a Naninha tem razão? parece que tem crianças por aqui.
    Ele tenta saber o local que origina os sons. Vai em direção a eles. Lentamente, sem fazer barulho, observa uma cena estranha. Era sua irmã sozinha, cantando e rodando em meio às videiras. Mas ele continua intrigado com as vozes de crianças que continua escutar. Ele observa os lábios de Ana. Percebe que as vozes infantis são falsetes. São criações de sua irmã. Furioso, ele a pega pelos braços e a leva:
    - Vamos, Naninha. Minha paciência se esgotou. A mãe quer falar com você.
    - Espere, não deixe as crianças sozinhas, elas podem se perder.
    Carlos leva Ana até a cozinha, onde todos estavam rezando.
    - Ana chegou, mãe? gostaria de saber onde ela estava e o que estava fazendo?
    - Que insolência, Carlos! interromper nossa sagrada oração matinal sem necessidade, diz o patriarca
    - Desculpa, pai.
    - Agora diga, onde diabos estava Ana e o que fazia? estava transando com algum dos agricultores, como é de costume?
    - Não era isso não. Diga você mesmo, Naninha!
    - Eu estava a brincar com um casal de meninos lá dentro das videiras.
    - Você desse tamanho, Aninha, brincando com crianças em plantações? pergunta seu primo.
    - Sim, não tinha nada a fazer. Eu as vi brincando e resolvi fazer companhia a elas.
    - Isso é verdade, Carlos? pergunta a mãe.
    - Que nada. A louca estava sozinha cantando e rodando no meio do mato, e com um agravante: a maluca imita vozes de crianças. Fala com ela mesma achando que conversa com crianças.
    - Seu caso está sério, querida, diz seu pai.
    - Vamos, Ana, imita aí a voz de uma criança! insinua Carlos
    - Eu não estava imitando nada. Você que inventou isso!
    - Estamos sem tempo, Carlos! vamos sair agora. Deixe sua irmã em paz. Deixe-a brincar com quem quiser, e imitar o que bem entender, desde que não traga prejuízos. Melhor brincar com crianças do que com adultos, porque estas últimas brincadeiras tem me rendido uma terrível dor de cabeça e uma grana preta. Esqueceu os abortos a que fui obrigado a arcar?
    - Talvez se ela não abortasse os filhos, tudo melhoraria. Era teria ao menos o que fazer, disse a mãe.
    - jamais! disse o pai esmurrando a mesa.
    - Filha minha não tem filhos bastardos, não tem filhos em pai.
    - Os garotos da cidade vem para os festejos e transam com essas idiotas. E os pais dessas irresponsáveis que arcam com o prejuízo.
    - De saco cheio dessa conversa de sempre. Vamos embora, pai.
    - Eu também, meu filho. Vamos sim, porque alguém precisa ganhar dinheiro para sustentar essa palhaçada toda.
    - Vão, e demorem bastante, disse Ana, furiosa.
    - O que é isso, minha filha? são seu pai e seu irmão.
    - Eu sei, mãe. Eles me tiram do sério.
    - E vc acha que não os tira do sério também?
    - Só não me mudo para a cidade porque não gosto do estilo de vida urbano. Me acostumei com a tranquilidade daqui, diz Ana.
    - Uma viagem poderia fazer um grande bem a você, meu amor.
    - Vou pensar no assunto.
    - Mas antes disso vou chamar o Dr. Wolff, para uma nova consulta.
    - Aquele médico nazista nojento?
    - Sim, ele mesmo. A preferência políitica dele não nos interessa. O que importa é sua competência como psiquiatra.
    - A senhora quem sabe.
       Tinha trinta e três anos quando as crianças surgiram na minha vida. No começo, apareciam apenas à noite. Mas aos poucos a presença delas foi se estendendo por todo o dia. Às vezes, quando acordava no meio da noite, elas estavam juntas a mim. Eu me levantava e as cobria como uma boa mãe deveria fazer. Bebiam café e conversavam comigo. Elas até me pediam para fumar. Mas não deixei, é claro. Um dia perguntei a elas:
     Por que só eu as vejo ?
    - Nós também só vemos a senhora. Quem mora mais aqui?
    - Meu pai, minha mãe, meu irmão e mais dois primos. E mais à frente na fazenda, depois do cercado, fica a moradia temporária dos agricultores. Eles ajudam a família na colheita. Depois voltam para suas casas.
    - Não, nós não vemos ninguém. E naquela casa lá fora só vemos um homem. O que se veste igual ao meu irmão. Ele também conversa com a gente. Por que isso acontece?
    - Não sei, minha querida.
    - Deixa eu olhar bem para você, garoto. A roupa é igualzinha a dele. Ele se veste sempre assim mesmo. Que estranho!
    - Vocês moram onde, crianças?
    - Nós moramos entres as videiras. Crescemos com elas. Tem mais crianças lá. Muitas. Você não as vê?
    - Não. Só vejo vocês.
    - E quem são seus pais, meninos ?
    - O chão é nosso pai e uma das videiras nossa mãe. Quer conhecer nossos pais, Naninha?
    - Não, queridos, por enquanto não.
       Era domingo à tarde. O pessoal estava no campo trabalhando, fazendo a colheita das uvas. A família estava reunida como de costume. E tínhamos uma visita: nossa prima Raquel. Era uma jovem inteligente e bastante divertida. Fazia residência médica em psiquiatria na Capital. Todos os meses nos visitava. Era a irmã dos dois primos que residiam conosco. Mas estava claro que sua visita tinha um propósito exclusivo: analisar meu caso a pedido dos meus familiares. Quando todos estavam à mesa, Carlos falou em tom de ironia:
    - Raquel, você já se formou?
    - Sim, Carlos. Estou fazendo residência médica agora.
    - Vai ser médica dos doidos, não é?
    - Não é bem assim, Carlos.
    - Pois minha irmã está completamente louca.
    - Cale a boca, Carlos!
    - Não tia, deixe-o prosseguir. Não tenho tempo de sair espalhando a vida particular de ninguém. Meu tempo é curto, é quase todo dedicado à Universidade.
    - A Naninha acha que cuida de duas crianças que nasceram nas videiras. Vê se pode isso! Tá louca de pedra.
    Todos riram, inclusive nossa prima, que tentou até se segurar. Mas não deu.
    - Mas é verdade. Eu vejo como se estivesse vendo a todos aqui.
    - Verdade, prima?
    - Sim.
    - E melhorou daquela sua insônia?
    - Não, continuo sem dormir, mesmo tomando o coquetel de medicações.
    - Estou preocupada, prima. Conheço casos parecidos com o seu. Temos que cuidar disso antes que se agrave. Antes só não dormia, agora vê crianças. Isso pode progredir.
    - Mais tarde quero conversar com você sobre tudo.Quem sabe posso ajudar.
    - Ótima ideia, Raquel. Ana precisa de uma companhia feminina e de desabafar um pouco. Você ajudaria e muito se dormisse essa noite conosco.
    - Eu ficarei, tia, não se preocupe.
    - Vocês mulheres que se entendam, disse o patriarca, saindo com os outros para fiscalizar a colheita das uvas.
       Já era tarde da noite. Umas 23h, talvez. Não sei precisar. Eu estava na sala assistindo a um filme com meus primos quando Raquel chegou acompanhada de uma jovem, vestida de branco e com uma bíblia na mão.Era uma médium espirita, muito conhecida pelos fazendeiros locais.
    - Ana, preciso que venha até a varanda para conversarmos.
    - Não pode esperar até o fim do filme? venham, podem ficar à vontade, vejam como é interessante.
    - A médium não tem tempo. Precisa falar agora com você.
    - Esperem uns dez minutinhos. Daqui a pouco chego à varanda.
       Passaram duas horas e nada de Ana aparecer. Carlos passa pela sala e vê os primos e a irmã vendo TV e pergunta:
    - Que filme é este?
    - Diário de uma paixão, diz um dos primos
    - Filme de maricas. Um lixo, diz Carlos, de mal humor e  cansado.
    - Vocês dois não tem vergonha de assistirem a um filme tão idiota? a propósito Senhorita Ana, há duas pessoas que estão a um tempão na varanda esperando alguém. Receio que seja você. Estou certo?
    - Meu deus, acabei esquecendo.
       Ana levanta-se e vai à varanda da casa.
    - Me desculpe, pessoal. Eu me esqueci completamente de vocês.
    - Não tem problemas, Ana, a médium cancelou o compromisso que tinha para dar toda atenção a você. Agora vou dormir! boa sorte para as duas.
    - Olá , Ana, Lembra-se de mim?
    - Como poderia esquecer?
    - Pois vamos direto aos fatos, meu anjo. Sabe o que está ocorrendo com você?
    - Tenho insônia e estou, segundo os médicos, tendo alucinações.
    - Nada disso.
    - Você foi abençoada por Deus e pela natureza.
    - Não me diga, é? e por quê?
    - Porque mesmo tendo abortado seus filhos, eles cresceram e estão próximos a você.
    - Como sabe disso?
    - Raquel me contou tudo.
    - E como sabe que são meus filhos?
    - Pela descrição que me deram deles.
    - Continuo sem entender.
    - Vou lhe explicar um pouco sobre o mundo espiritual. Todos nós possuímos um alma antes mesmo de nascer. O corpo é apenas um receptor descartável. Vagamos por mundos e vidas num processo evolutivo. É a lei do progresso. Reencarnamos incessantemente. Mas há alguns espíritos que relutam contra esse inevitável processo. Querem permanecer vagando pela Terra ou no planeta onde desencarnaram.
    - E onde entram as crianças nisso?
    - Eu me lembro que Raquel me disse que as crianças afirmam terem nascido da terra e que a mãe seria era uma das videiras. Estou certa?
    - Sim. Elas dizem isso mesmo. E dizem que só vê a mim e a um dos homens que trabalham na colheita?
    - Agora quero que responda, Ana, sem mentiras. Você teve um caso com esse homem?
    - Não só tive um caso como abortei duas vezes.
    - E hoje, como é a relação entre vocês?
    - Não nos falamos. Meu pai quase me mata e o ameaçou também. Mas durante a colheita anual ele sempre vem aqui trabalhar.
    - E o garotinho é cara dele, não é?
    - Sim, e se veste do mesmo jeito que ele.
    - Ana, não se faça de desentendida. Você sabe que essas crianças são seus filhos.
    - Mas como pode? eles só tinham dois meses quando os abortei.
    - Ana, os fetos foram enterrados vivos. E eles captaram a energia dessas videiras e desse solo. Cresceram e estão vivos. É um raro processo de materialização. Eles são uma forma especial de vida. Estão na fronteira dos dois mundos. E nessas circunstâncias, só quem possui uma ligação direta sanguinea podem senti-los ou vê-los. Ou seja, seus pais. Você e o agricultor. Por isso as crianças veem os dois, ninguém mais. Nem eu, uma médium experiente, posso vê-los. Nem eles a mim.
    - Queria ao menos uma prova do que diz.
    - Mas não está óbvio. Não faz sentido para você?
    - Pode até fazer, mas não me convence.
    - Pois vou lhe dar uma prova definitiva. Sabe onde os fetos estão enterrados?
    - Sim. Duzentos metros depois da primeira videira. A do meio.
    - Quer ir até lá para eu lhe mostrar algo?
    - O que é?
    - Quando chegarmos lhe direi.
    - Chegamos. O que tem aqui?
    - Os seus fetos enterrados.
    - E daí?
    - Desenterre-os. Eles estão protegidos num vaso de vidro com álcool. Terá uma surpresa quando vê-los. Não arranque a videira. Vai matá-los.
    - Minha nossa, o vidro está quebrado e não há nada aqui. Onde estão meus filhos?
    - Eles não estão mais nos recipientes. Quando os enterraram, seus espíritos capitaram a energia da terra e da videira, que os alimentava. Os fetos cresceram numa forma material diferente. Uma espécie de corpo espiritualizado. Olhe a videira. As uvas carregam a semelhança de rostos. E ela não tem a vitalidade como as demais. Ela passou todos esses anos alimentando as crianças. Está quase perecendo. Quando ela morrer, as crianças terão de voltar ao mundo espiritual para reencarnarem, talvez aqui, ou em outro lugar, ou mesmo em outro planeta. Não sabemos. Um dia, elas irão embora para sempre. E nunca mais as verá.
    - Agora eu acredito. São meus filhinhos de verdade. E a garota é minha cara.
    - E o que eu faço, feiticeira?
    - Não sou feiticeira, Ana. Sou médium.
    - Desculpe.
    - Cuide dessas crianças até o destino as levarem. E se case com o pai delas. Você ainda gosta dele, não é?
    - Sim, mas meu pai jamais admitiria eu me casar com um agricultor.
    - Converse com ele que tudo estará resolvido. Eu vejo um futuro glorioso para vocês.
       A médium me deu  esperança. Se havia algo de racional acontecendo, então eu não estava louca. Saí satisfeita com as explicações e sugestões dela.
       Enquanto a médium saía da fazenda, o patriarca a interpelou:.
    -Venha cá, Bruxa de quinta, charlatã.
    - O que quer, seu Jeca de terceira?
    - Fez o trabalho direitinho com minha filha?
    - Fiz de acordo com o combinado..
    - Então pegue o seu dinheiro.
    - Obrigado, seu brutamontes. Soque seu dinheiro onde bem entender. Não preciso dele. Vá pro inferno, seu hipócrita.
       Amanheceu na fazenda. Os galos dão seu ar da graça.
    -Bom dia, Ana. Conseguiu dormir?
    - Não. Passei a noite pensando em como vou fazer o quarto das crianças?
    - O quarto das crianças? pergunta Carlinhos, espantado.
    - Sim, não sabia que as crianças que me acompanham são meus filhos? os que eu abortei por imposição de meu pai?
    - Carlos se levanta às gargalhadas, e vai para o quarto. A mãe o segue.
    - Carlinhos, o que combinamos?
    - Mãe, juro que não se repetirá. Mas não me contive. É hilário, no mínimo. Por isso saí.
    - Espero que isso não se repita.
       A mãe volta ao lanche matinal.
    - Tenho algo a dizer a todos: vou morar aqui com o Joel. O pai dos meus filhos
    - Por mim tudo bem, minha filha. O problema é seu pai. Ele quem manda.
    - Por mim, pode se casar até com um jumento e dizer que é seu marido. Já passou dos trinta. Depois dessa idade, para uma mulher que não é mais virgem, qualquer coisa serve, até o Joel.
    - Obrigada pelo incentivo, papai.
    - Hoje mesmo arrumo os quartos das crianças. Já chamei os decoradores, disse a mãe de Ana.
       Joel veio morar na casa comigo. Senti um alívio. As gozações na família cessaram. Durante os seis meses posteriores, as aparições das crianças se tornaram mais raras. E a cada dia, elas apareciam menos. Eu engravidei novamente. E dessa vez não abortei. As crianças sumiram. Não as vi mais. Voltei a dormir normalmente. O relacionamento com Joel durou pouco: dois anos.  Nós nos separamos amigavelmente. Conheci outro rapaz. Casei-me de verdade, na Igreja, como os meus pais desejavam. Enfim, depois de anos, voltei a ter uma vida tranquila e normal. Tomando café e fumando marijuana todas as noites.

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