- Artigos / Textos
- Postado em
A riqueza das nações em 2024
Todos conhecem a questão do ovo e da galinha aplicado à política: o povo de um país tem o governo que merece ou o governo de um país tem o povo que merece? A única coisa que estes anos de ruminação e transferência de culpa permitiram alcançar foi um discurso em que o povo afirma categoricamente que o problema é o governo e o governo (que não pode dizer que o problema é o povo, pois a democracia não permite este tipo de verdade) diz que o problema são os inimigos do povo, na forma de grandes empresas, multinacionais, outros países, a matemática financeira, as grandes fortunas e assim por diante. Até agora.
O prêmio Nobel de Economia de 2024 foi dado a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson pela trabalho fantástico que desenvolveram ao longo de 15 anos no qual tentaram dar uma resposta a uma antiga questão, postulada originalmente por Adam Smith, em ‘A Riqueza das Nações’: porque algumas nações são prósperas e outras não? Esta questão já teve inúmeros candidatos a respostas (como a temperatura média, a geografia, quantidade e tipo de recursos naturais, acesso à rotas comerciais, etc) mas este grupo concluiu que são as instituições de um país o fator que mais contribui para o sucesso de uma nação. O termo pode parecer vago mas se refere a três aspectos:
* Instituições Econômicas: Bancos Centrais, Bolsas de Valores, legislação trabalhista
* Instituições Políticas: Democracia, constituição, equilíbrio entre poderes
* Instituições Sociais: cultura, tradição, estrutura familiar.
* Instituições Políticas: Democracia, constituição, equilíbrio entre poderes
* Instituições Sociais: cultura, tradição, estrutura familiar.
Claro que cada um destes fatores merece uma descrição bem mais detalhada mas quando se fala em Banco Central, não é simplesmente ter a figura de um Banco Central: é necessário ter um Banco Central com objetivos claros, com autonomia para perseguir estes objetivos, com uma visão de estado e capacidade para resistir a assédios de outros atores com objetivos de curto prazo. Da mesma forma, ter uma bolsa não basta: é necessário ter uma CVM atestando a lisura do processo, investigando e resolvendo problemas. Desnecessário dizer, uma legislação trabalhista que não puna nem asfixie o empregador e nem permita a exploração do empregado. Democracia, neste contexto, vai muito além de ter eleições livres (isto é o mínimo): também demanda o respeito à propriedade, o direito de expressão responsável. E equilíbrio entre os poderes é muito mais do que um ministro dizendo que existe equilíbrio entre os poderes. Vemos constantemente a briga de farpas e vaidade quando um magistrado se vê diminuído frente a ação de um político, ou vice versa, muito mais pela sensação de perda de poder pessoal do que pelos interesses do pais. Por fim, mas não menos importante, está a cultura de um povo, seus hábitos, sua visão de mundo, de justiça e é aqui que é respondida a questão inicial do ovo e da galinha. O resultado deste trabalho é que, muito embora a cultura de um povo ajude a moldar as instituições políticas e econômicas, o efeito destas instituições sobre a cultura é maior, mais abrangente, mais rápido e eficaz, ao contrário do que este que vos escreve sempre pensou. Imagine que você chefia um governo e quer encomendar uma pesquisa de 15 anos junto a 3 dos maiores economistas do planeta, quanto será que custaria este estudo? É retórico (também não tenho ideia) mas sei que temos acesso ao resultado de forma gratuita e acho que só perdemos dinheiro se não levarmos em consideração os inúmeros casos reais que foram analisados que culminaram nos resultados apresentados.
Segundo os autores do estudo, em lugares como a América do Norte, a criação de instituições inclusivas (que davam oportunidades e proteção igual para todos, enquanto reforçavam o direito à propriedade) criou a base de uma sociedade que frutificou ao passo que os mesmos ingleses que fizeram isto são os responsáveis pelas estruturas da Jamaica - onde o resultado foi totalmente diferente. Na América Latrina, as instituições eram extrativas, visavam uma forma de concentrar poder, distribuir vantagens para poucos em momentos específicos e garantir que o sistema funcionasse minimamente, pelo menos até que os recursos pudessem ser obtidos.
A cultura brasileira é muito leniente com a corrupção, por exemplo e, ao mesmo tempo, vemos a corrupção em praticamente todos os níveis da administração pública: as instituições no brasil não foram criadas para promover bem estar e desenvolvimento mas uma forma de organização social mínima que permitisse concentrar o poder e a riqueza na mão de pequenos grupos. Em dado tempo, este modus operandi se tornou parte integrante da cultura popular em que muitas vezes suborno não é visto de forma necessariamente negativa (até porque, por vezes nem sequer é visto como suborno). E o inverso parece também ser verdade: a forma mais viável de mudar este status quo é reformando estas instituições e trabalhando no sentido de capilarizar uma nova forma de trabalhar e fazer negócios até que esta se integre ao tecido social (ao invés de magicamente mudar a cultura do povo e esperar que isto entre na cabeça dos políticos). No fundo, é uma mensagem de esperança pois, embora improvável, existe um caminho possível e as armas (escolha infeliz de palavras) para isto são as eleições.
Muito mais do que uma obra de arte acadêmica, este trabalho joga luz sobre questões importantes, sobretudo para o gigante adormecido. Embora sejamos um país novo (em comparação com China, Europa, Ásia …), já passamos muito tempo sentados sobre nossa própria riqueza (sejam recursos naturais ou humanos), organizados em torno de ideologias fracassadas e rechaçadas pela história e pelo bom senso, buscando fora de nós mesmos as razões de nosso constante fracasso. Verdade seja dita, nossa taxa de mortalidade hoje é de cerca de 7% e estima-se que era cerca de 25% 100 anos atrás; nossa expectativa de vida hoje é de 75 anos mas era entre 35 e 40 100 anos atrás. Assim, é claro que muitas coisas melhoraram mas isto foi o resultado de ações práticas, onde os principais problemas foram identificados e várias respostas foram propostas para combatê-lo: é exatamente o que devemos fazer agora, de novo e sempre. Nosso grau de exigência com nossos políticos é muito baixo (ficamos satisfeitos se eles não são pegos envolvidos em grandes escândalos) mas eles deveriam estar fazendo muito mais pelo país, pelas reformas que realmente precisamos (não somente mudar o nome das coisas), dando o exemplo da probidade, da transparência, da eficiência, da justiça - mesmo sem ser amigo do rei. Desafio: procure e tente encontrar um político que espose estas diretivas. É nossa melhor aposta para um futuro melhor.
Atualizado em: Dom 30 Mar 2025