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Frágil, extremamente frágil.

   Com a devida permissão do Jota Quest, esta é para ‘eu, você e todo mundo chorar junto’.

   A epopeia humana, entre nascer e morrer, sempre foi permeada de momentos especiais, desafios, estímulos, provocações, obstáculos, objetivos. Alguns destes marcos são tão importantes que separam fases da vida e, embora não sejam iguais para todos, a grande maioria de nós passou pelo primeiro dia na escola, formou-se, encontrou um namorado(a), arranjou um emprego, aprendeu a dirigir, foi demitido, tirou a carteira de motorista, ficou desempregado achando que seria o fim do mundo, perdeu a virgindade, criou um negócio, casou, faliu, comprou um imóvel, viu uma pessoa próxima morrer, ficou sem pai, sem mãe, sofreu um amor não correspondido, teve um filho(a), ficou doente, pagou juros de cartão de crédito, achou a virgindade perdida, extraiu um ciso, teve pressão alta ou pé dormente. Independente da situação, foram experiências únicas que ajudaram a compor o mosaico multifacetado e confuso que você é hoje. Só você sabe que não foi fácil, que as dúvidas o consumiram, as noites mal dormidas, as inúmeras vozes na sua cabeça ecoavam ideias absurdas e você tinha que filtrar algo de útil e razoável dentro daquela efervescência de hormônios, esperança e inquietude. Ainda, para além dos momentos que justificavam ser emoldurados em uma foto (quando suas trêmulas mãos permitiam) havia ainda o esforço e a dedicação constante, compenetrada, que ninguém via, as horas de estudo, a hora extra no trabalho, o dia a dia da formiguinha que planejava e construía a segurança do futuro. Sim, foi difícil mas cada dificuldade criou uma habilidade, uma resiliência, uma paz de espírito e uma confiança em si mesmo que reconhece que problemas são partes integrantes da vida e que o melhor é extrair o máximo destas experiências, nem que sejam amargas lembranças e histórias para contar para os netos.

   Corta para a juventude de hoje, ou geração Z: há quem diga que eles são mais ansiosos, menos pacientes, tem mais dificuldade de concentração, tem menos maturidade, leem menos, são mais dependentes e tem maior incidência de doenças mentais mas esta não é toda a história: também são os que demoram mais a tirar a carteira de motorista, entrar em um relacionamento, encontrar um emprego, sair de casa. Se você tem entre 15 e 29 anos, segundo a OMS a primeira causa de morte são acidentes de trânsito e logo depois, suicídio. Nada disto está em debate: são dados públicos e incontestes. O que mais me chama a atenção neste contexto são as causas e as consequências desta revolução ao contrário que os milenials pariram. Para ficar bem claro: meus trisavós cruzaram o Atlântico de barco, vindos de uma Europa faminta, em busca de um paraíso desconhecido que lhes foi prometido: não acredito que eu tivesse a fibra, coragem e desespero que eles tinham para tal empreitada: com isto reconheço que os desafios e o contexto de cada geração são diferentes mas isto não preclui nosso dever de questionar e opinar sobre os destinos que são sendo tecidos (mesmo e sobretudo, sem planejamento e consciência).

   Em algum momento, prestar vestibular tornou-se tarefa demasiadamente ansiogênica, tirar carteira de motorista deixou de ser um passo em direção à autonomia e passou a ser algo a ser evitado, construir um relacionamento perdeu seu sentido usual e passou a ser fonte de dúvidas e ansiedade, manter-se em um emprego que não me promove em três meses virou conformismo. Enfim, as etapas da vida como a conhecemos tornaram-se difusas e incertas, o que, por si, não é um problema: poderia ser simplesmente um novo arranjo social em teste. Infelizmente, quer me parecer que todas estas mudanças do paradoxo social tem somente um objetivo concreto: afastar o risco do sofrimento, da decepção, do fracasso. Não por acaso, é exatamente este risco que estava à espreita em cada um daqueles eventos que faziam parte de um amadurecimento saudável. Não acredito que o risco tenha aumentado; talvez, tenha até diminuído mas o que mudou foi a percepção do risco e a forma como as novas gerações lidam com ele. É muito difícil refutar que esta ideia está no centro da atividade parental nos dias hoje: todo esforço é válido para impedir que seu rebento passe por qualquer tipo de dificuldade, qualquer ambiente inseguro. A todo momento, ele deve ser protegido de situações reais e deve crescer entendendo que é ele que vai escolher o que vamos jantar, qual a série que vamos ver (pois ele não gosta de filmes) e uma série de pequenas afirmações de poder individualmente inócuas mas que no conjunto ajudam a criar um neoadulto que vê seu chefe como uma extensão de seus pais, vê o aumento e a promoção como direitos inatos e acima de qualquer discussão.

   Acredito que estamos criando um exército de manhosos que se acham merecedores de reverência, que não sentem a necessidade de provar seu valor e que tem uma profunda desconexão com a realidade. Este exército já está entrando nas empresas, preenchendo algumas das vagas e causando um grande estrago por onde passam. Mudar de emprego sempre é desafiador (como há 20 anos atrás), sair de casa nunca foi fácil pois, entre outras coisas, é necessário encarar uma provável diminuição no padrão de vida, casar, ter um filho, aprender uma nova língua, deixar as fraldas. Estes desafios sempre vem acompanhados de angústia e reflexão: evitá-los como forma de mitigar ou postergar as dificuldades intrínsecas da vida também alija a possibilidade de crescimento e amadurecimento que são fundamentais na formação do caráter de qualquer geração.

   Dias atrás vi um video de duas crianças (uma menina de cerca de 12 anos e um menino de cerca de 8) cantando Feliz Aniversário para a menina. O menino chorava copiosamente porque naquele momento, ele não era o centro das atenções, não tinha todos os olhos focados nele e literalmente não sabia se comportar nesta situação. É um debate interessante entender o motivo pelo qual estas mudanças no padrão de comportamento estão acontecendo: pode ser a Internet, redes sociais, pais que não querem que seus filhos tenham as dificuldades que eles tiveram ou o inegável fato que a geração Z é a primeira a ter um QI médio menor que a anterior. Seja como for, parece ingenuo e perigosamente equivocado fingir que estes efeitos não estão acontecendo, em larga escala, e que já há um preço alto e crescente a pagar por isto. Pessoalmente, busco alento no fato de que em todas mudanças sociais e comportamentais que já passamos na História, sempre houve um movimento oscilatório amortecido, em que uma grande ruptura levava a uma situação de supercorreção, que levava a um retrocesso, até que, depois de alguns ciclos, o sistema entrava em regime ou repouso. Assim, acho que caberá aos filhos e netos da geração Z (os Alpha ou Betas) encontrar um ponto de equilíbrio que represente um compromisso razoável entre os extremos que estamos vivendo. Quanto mais cedo entendermos o erro, mais rápido pode começar a solução.
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Atualizado em: Qui 6 Mar 2025

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