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Trump II

     Ignorando os mecanismos oficiais de comunicação e cuspindo nas boas práticas diplomáticas, o presidente americano, em poucos dias, ameaçou violentar a geografia com a ideia do Golfo da América, anexar o Canadá, comprar a Groenlândia, tomar a faixa de Gaza e transformá-la em condomínio (expulsando alguns milhões de palestinos para países vizinhos) e aplicar tarifas comerciais a países parceiros, como México e Canadá, voltou atrás na ideia e deu um período de 30 dias para preparação e discussão e, mais recentemente, instaurou tarifas adicionais para a importação de ferro e alumínio de qualquer país. Antes de desconsiderar estes brados populistas como verborragia teatral, é previdente não tomar o presidente americano por um louco qualquer: ele é um louco muito especial.

     Por trás das ameaças (algumas feitas via rede social, como um experiente diplomata) existem pessoas, empresas e negócios forjados ao longo de anos, cuja própria existência fica condicionada ao já chamado fator Trump. Usando a ótica de que estas ações tem algum objetivo real, é válido investigar item a item para tentar descobrir o que eles tem em comum e a qual objetivo estariam servindo. Em 2024 o deficit orçamentário americano superou US$ 1,8 trilhão, a dívida do governo já superou 100% do PIB e as projeções são sólidas no sentido de que a cada ano a situação se agrava e 2025 não será diferente. Cortar gastos públicos, aumentar a eficiência do governo e combater a corrupção: esta agenda, embora universal, não é tão popular nos USA mas parece que está sendo apresentada como a tríplice bala de prata, nas espaciais mãos de Elon Musk - apontado como ombudsman interdepartamental que já avaliou o funcionamento da máquina do governo americana e, a julgar pelo que ele fez com o X, o governo vai ficar com 20% do tamanho original. A influência internacional americana, não acidentalmente, é muito grande e afeta o frágil ‘equilíbrio’ global. Por exemplo, a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) está sendo desmantelada, reduzindo em certos casos a zero a ajuda nos projetos que visam minorar a pobreza mundial, apoiar a democracia e fornecer ajuda humanitária. Estas ações, embora positivas sob qualquer ângulo, não nascem exclusivamente da bondade do governo americano: são tentativas eficazes de tentar manter ou criar ordem local, diminuir rebeliões, atos terroristas e o nível geral de descontentamento, além de forjar alianças com governos locais. Ah, e ajudar as pessoas também. Suprimir rapidamente este calmante não tornará o caldeirão de tensões mundiais em um ambiente mais estável. Mas claro que toda esta ajuda custa caro e este dinheiro há muito faz falta para a maior economia do mundo.

     A guerra tarifária, por outro lado, é mais complexa e imprevisível que possa parecer mas a única certeza parece ser que inúmeras empresas teriam dificuldades econômicas em todos lados, levando a uma inevitável redução do PIB: uma catástrofe sem fronteiras, sobretudo se houver a previsível retaliação. O tamanho da economia americana torna os USA capazes de manter este desafio por mais tempo e é consenso entre especialistas que lutar contra o gigante com as mesmas armas é uma derrota garantida. Também argumenta-se que não é isto que a administração Trump quer mas estas ameaças servirão para obter acordos melhores no futuro, assim como aquele valentão da quinta série conseguia ficar com o seu lanche. Um argumento razoável seria de que política internacional, sobretudo entre parceiros de longa data, não é feita na base de ameaças, cotoveladas e xingamentos: tal linha de raciocínio não parece fazer parte da administração atual, colocando povos vizinhos em direta oposição e, mesmo sem incentivo oficial, já organizam e implementam boicote de itens americanos, privilegiando opções nacionais. Da mesma forma que Trump desconsiderou questões históricas e práticas ao sugerir que 2 milhões de palestinos deixassem Gaza para que o americanos pudessem fazer a reconstrução da região, foi de uma insensibilidade e prepotência alarmantes sugerir que a melhor saída para o Canadá (que, segundo ele, não se viabiliza como país sem a ajuda americana) seria tornar-se o 51° estado americano, causando justificada revolta nacional. A economia do Canadá tem o tamanho da brasileira, com um quinto da população e exporta 60% do petróleo que os americanos precisam mas a única coisa que Trump vê é que a balança comercial com o Canadá é negativa para os americanos (que importam mais do que importam para o Canadá), o que ele entende como sendo o subsídio que os americanos dão aos canadenses, violentando um conceito simples da economia internacional.

    Ao passo que estas tarifas, se colocadas em prática, podem representar oportunidades para outros países, elas mostram o estilo terrorista de fazer negócio dos amercianos. Mesmo que outros países não adotem práticas retaliatórias, haverá uma tendência de crescimento do sentimento antiamericano, que pode incentivar os países e fazer acordos que tentem mitigar a sua dependência da economia dos USA, precipitando ainda mais a queda do império que, usando o palavreado deles ‘will not go down without a fight’. Como o império inglês, as dinastias chinesas e a civilização romana, os Estados Unidos estão ruindo (na visão deste que vos escreve) com a importante diferença que não serão necessários 100 ou 200 anos para que isto aconteça: pode ser que não passe de uma década. E, como todo império decadente, uma das forças que acelera a queda é incapacidade de enxergar a situação doméstica e o avanço das hordas estrangerias (os chineses não vão invadir a Califórnia com exércitos e tanques: eles vão comprar as empresas mais estratégicas). Em breve, quando estivermos vendo a versão chinesa de Friends, revisitaremos o ditado que diz que a mudança é a única coisa inevitável.
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Atualizado em: Seg 17 Fev 2025

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