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A defesa e o julgamento em Enrico Ferri (1856-1929)

Rogério Duarte Fernandes dos Passos
Comentário. FERRI, Enrico (1856-1929). Discursos Forenses (defesas penais). São Paulo: Martin Claret. Tradução de Fernando de Miranda, 2004, 175 p.
Advogado, criminalista, professor, político e escritor, Enrico Ferri nasceu em San Benedetto Po, em 25 de Fevereiro de 1856, e partiu em Roma, na data de 12 de Abril de 1929.
Expoente da advocacia e da sociologia criminal de seu tempo, influenciou gerações de juristas ao lado de Cesare Lombroso (1835-1909) e Raffaele Garofalo (1851-1934) por meio da chamada Escola Italiana de Criminologia Positivista, buscando o método positivo experimental aplicado às ciências naturais.
Para aquém das discussões acerca da criminologia, Ferri foi um investigador da alma humana. E, por meio dos discursos forenses expressos neste volume da Editora Martin Claret, com tradução para a Língua Portuguesa de Fernando de Miranda, o célebre jurista mergulha nos recônditos nem sempre claros, mas evidentemente permeados de obsessões e incontroles da conduta considerada típica pela lei penal.
Esse incontrole e desordem psíquica são esmiuçados pelo criminalista nas defesas forenses aqui colacionadas e vão desde ao crime passional aos delitos de falsidade. Assevera Enrico Ferri que, em turbilhão de pensamentos e ações, a percepção egoística e feita sem o real aquilate da genuína missão do ser humano seja capaz de distorcer até a caridade, que deixa de ser nobre ao mirar louvores e interesses (FERRI, 2004, p. 76). Eis que os sofismas brotam dos discursos, em talento tão caro a muitos profissionais tidos como de excelência.
Convencer os jurados, a opinião pública e formar uma “opinio juris” são as missões da palavra entoada nesses discursos forenses. O embate em face do Ministério Público assume ares de tratado antropológico ante aos movimentos volitivos externados pela voz e pelas palavras. O ser que não é, aquilo que foi sem ter ido, o dito que não foi falado, a ação que não move. As palavras tudo transformam e criam novas metafísicas diante da realidade cognoscente de uma verdade real que só existe no plenário do tribunal do júri ou sala de audiências. E que só poderia ser dita por alguém que lecionou e construiu uma vitoriosa carreira na advocacia. Será que as coisas, de fato (e para além do caráter metafísico de quaisquer fenômenos), são dessa forma? A compreensão fica turva e se dilui em longas sentenças e orações, que muito em breve, tornar-se-ão relatórios, votos e acórdãos não menos magnificentes, laureados por aplausos e lágrimas.
Vira-se a face da cédula e surge o anverso borrado e a antítese. O título representativo de um direito nele contido expressa, de fato, uma obrigação? A posição política igualmente sofre devaneios e os que amparados pelo dom da palavra são, em ínterim contínuo, conduzidos em tortuoso léxico rumo ao entendimento material teleológico que exsurge tão-somente do processo e em viés particular para um único e exclusivo momento “ad referendum”. Eis que o princípio da colegialidade emana, pois, de um só argumento. Ou de uma única linha de argumentação, capaz de ferir, advertir e admoestar, consolidando diferentes juízos na mesma cautela, vez que não declaradas todas as intenções.
Essa univocidade de narrativa que brota no juízo “a quo” e quer-se percuciente no “ad quem”, turva a antítese e supõe a tese como atributo próprio da totalidade do libelo, desconstruindo os autos e a história provisória investigativa, como a Marco Tulio Cícero (106 a.C.-43 a.C.) discursando inflamado, materializando a “Cicero pro domo sua” em distintas causas, mesmo que eivadas da mesma volição e em propósitos pouco divinos, mas robusta o suficiente para o embate ante a um adversário e potestade do quilate de Públio Clódio Pulcro (ca. 93 a.C.-52 a.C.).
Nesse ínterim, "in casu", Enrico Ferri brada pelo cliente: “espingarda sim, mas descarregada” (FERRI, 2004, p. 98). Afinal, o seu cliente “... não o sabia e só agiu por generoso sentimento altruísta. E esse gesto de um rapaz, que se coloca diante de uma pobre mulher ameaçada, é um relâmpago que ilumina as profundidades de um caráter humano” (FERRI, 2004, p. 98).
A miséria e o descalabro são narrados e esmiuçados, empunhando a vergasta sobre todos (FERRI, 2004, p. 150-153). Esse é gênero humano que necessita perdão, mas que por ora, é investigado e julgado por Enrico Ferri.
 
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Atualizado em: Qui 9 Mar 2023

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