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TÁ QUEIMANDO
Tio Antoninho era um sujeito admirável. Oficial de Justiça à moda antiga, durão, destemido e correto, prendia criminosos sem a ajuda de ninguém. O juiz mandava e ele prontamente cumpria. No convívio com amigos e familiares era muito divertido e sempre tinha uma boa história para contar. Lembro de muitas passagens engraçadas e conto uma, entre tantas, acontecidas com esse querido tio. Ele levava uma vida simples com a esposa professora e seus três filhos. Tinha um fusquinha marrom, velhinho, e com ele ia trabalhar.
Certo dia, estava no fórum João Mendes, em São Paulo, conversando com alguns colegas, numa daquelas rodinhas animadas onde se conversa de tudo um pouco, quando mecanicamente começou a “pitar” um cigarro. Tragada vai, conversa vem, o cigarro acabou e entretido com a boa prosa, jogou o cigarro no chão e, como de costume, pisou na “bituca”, esfregando o pé repetidas vezes para apagá-la. Até aqui tudo normal, não fosse um ardor intenso que invadiu sua alma. A sensação era de que havia colocado o pé num maçarico, e a dor foi de arrepiar. Seu rosto ruboresceu e lágrimas escorriam em sua face, mas aguentou tudo firme e forte, com galhardia, pois não queria que os colegas descobrissem que o seu surrado sapato estava com a sola furada. Com esforço sobre-humano, saiu discretamente da rodinha de amigos, imaginando quão dolorosa bolha habitava aquele esquecido furo. Já distante e com menos dor, sorriu e disse baixinho para si: ninguém notou.
Algum tempo depois desse episódio, meu tio, homem de muitas habilidades, fez um bonito sapato de couro legítimo e com sola reforçada. Ah! Acho que ele também tentou parar de fumar.
Atualizado em: Qua 4 Jan 2023