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Análise do filme “Ele está de volta” - Discurso nazista na televisão

Adaptado do romance satírico “Ele está de volta” (Er ist wieder da), do escritor alemão Timur Vermes, publicado no ano de 2012, a obra cinematográfica homônima leva para as telas a adaptação da sátira política que conta, dentro do gênero ficção, como seria caso o líder do Partido Nazista, Adolf Hitler, voltasse a vida no século XXI.

Lançado em outubro de 2015, o longa foi dirigido pelo alemão David Wendt, que também assina o roteiro junto com Mizzi Meyer, opta por contar a história com narração em primeira pessoa, onde temos apenas o ponto de vista do ditador Adolf Hitler, interpretado por Oliver Masucci.

O filme se passa no ano de 2014, e no cenário de um terreno baldio que na época em que o Nazismo dominava a Alemanha abrigava o Führerbunker, Hitler magicamente aparece e acorda sem memória de como chegou até ali. A personagem acredita que está no ano de 1945 e entra em confusão mental ao perceber que não há mais guerra.

Encontrado por um cineasta freelancer que acredita que Hitler seja um comediante que não sai da personagem, o ditador vê uma oportunidade de espalhar suas ideias por meio da televisão para todos os alemães. Logo, a aparição deste é um sucesso de audiência na emissora fictícia e a imagem e o discurso de Adolf são usados em todos os programas da grade, com oportunidades da personagem ganhar até mesmo um filme baseado em um segundo livro que ele escreve ao longo da jornada dentro da história do filme. A TV se encanta e acha graça justamente por parecer real, e durante o filme se torna comum ouvir a frase: “É como se não estivesse encenando”, mesmo com ele o tempo inteiro afirmando realmente ser quem diz ser e que ele quer mesmo dizer tais absurdos.

Na minutagem de 1h25’56’’ do filme, a personagem diz: “Gosto de ser ouvido pelas pessoas. E não dá para ser ouvido quando não se tem o que dizer. Então que seja por meio da risada.”

Após o sucesso televisivo, Hitler se torna um viral na internet e ganha apoiadores por todo o país, e ganha jogos online, memes, reacts, músicas, desafios de coreografia que faz alusão à saudação Nazista e até mesmo tutorial de maquiagem inspirado no penteado e no famoso bigode. O ditador assim se torna um ícone da cultura pop.

De início, a obra dá a entender que irá seguir por um caminho clássico de comédias de viagens no tempo, ou então da já explorada a exaustão nas telas que optam por zombarem o ditador, que o distancia da imagem real de quem ele foi e tudo o que fez, e o coloca como alguém bobo e sem inteligência. Porém, o filme surpreende ao escolher criticar justamente essa ridicularização do discurso e da figura, e opta por mostrar a facilidade com que o absurdo pode ser midiaticamente explorado e colocado como piada, justamente por chocar e conseguir mascarar a real intenção por trás do que é dito.

O longa critica o uso de um discurso fascista, que se aproveita de uma crise política e econômica na Alemanha para atacar a indústria do entretenimento e a corrupção para disseminar ideias preconceituosas e de ódio. O absurdo é visto como entretenimento e abraçado pela mídia comercial que mantém o foco em audiência e não vê problemas em explorar cada vez mais a imagem de Hitler.

No filme, Hitler faz todos rirem sem ao menos ter contado alguma piada, pois ele passa o filme inteiro sendo apenas ele mesmo.

Pessoas reais

Em vários momentos o filme assume uma postura de quase um mockumentary, mas sem pretensão de ser. Nessas situações, em que a direção do filme interage com pessoas reais nas ruas sem avisar que é um trabalho artístico, é mostrada as reações dos transeuntes ao verem Masucci caracterizado como Hitler.

O ator viaja pelo país e dentro da personagem pergunta às pessoas: “Qual problema você enxerga na Alemanha?” E uma resposta em comum que recebeu dessas pessoas que eram abordadas por ele, sempre envolviam xenofobia contra os imigrantes muçulmanos.

É assustador ver que muitas sentem confiança em falar abertamente e dizer que seguiriam uma pessoa vestida como Hitler e falando como ele, tanto no jeito quanto no discurso. Alguns chegam a confessar que o seguiria caso ele fosse o verdadeiro político.

A película inclui na edição tweets reais de pessoas que encontraram Hilter nessas caminhadas e foram entrevistadas por eles.

Na minutagem 33’02’’, a personagem que narra a história diz: “O povo estava calado, mas com raiva. Frustrado com as condições de vida, assim como em 1930. Mas na época não existia um termo ideal para isso: analfabetismo político.” E aos 35’10’’ ele diz: “Bastou jogar algumas palavras-chave para as pessoas, que logo elas caíram na minha rede.”

Em um passeio de carro em que Hitler cumprimenta pessoas nas ruas, há quem xingue, há quem tire foto, e há quem faz a saudação nazista.

Publicado no dia 03 de março de 2022, uma matéria no site de notícias Deutsche Welle, explica o que acontece se alguém faz uso de símbolos nazistas na Alemanha.

“Proibida após a Segunda Guerra Mundial, a saudação nazista - cumprimento com o braço direito estendido com a palma da mão voltada para baixo, pronunciando as palavras "Heil Hitler" ("salve Hitler") ou "Sieg Heil" ("salve a vitória") – é passível de multa ou até cinco anos de prisão na Alemanha. O parágrafo que determina a punição é o de número 86a do Código Penal alemão, legislação que data originalmente de 1871 e foi sofrendo alterações ao longo dos anos. Segundo a lei, "será punido com pena de prisão de até três anos ou multa" quem "divulga ou utiliza publicamente, numa reunião ou num conteúdo compartilhado" por esse indivíduo, "símbolos" de partidos políticos ou organizações considerados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional Federal do país, como nazistas e neonazistas. Esses símbolos incluem "bandeiras, emblemas ou partes de uniformes [da SS], bordões e cumprimentos nazistas", como a saudação hitlerista. Além disso, o Código Penal alemão também proíbe negar publicamente o Holocausto e divulgar propaganda nazista.”

As cenas que aparecem nos créditos são de manifestações nacionalistas e anti-imigrantes reais que aconteceram em países europeus. No filme aparecem atos realizados na Alemanha, Áustria, Itália, Suécia, Grécia, Inglaterra e Suiça, além de discursos políticos anti-islâmicos.

Hitler encerra o filme com a seguinte fala: “Minha situação atual é excelente na Alemanha, na Europa e no mundo”. Enquanto a edição o faz passear de carro pelas manifestações, ele escuta o coro de pessoas que gritam “Nós somos o povo!”, e então, a personagem finaliza com a frase: “Este é um bom material de trabalho.”

Edição

Durante a cena do carro, toca a canção lançada no ano de 1968, “Er ist Wieder da”, da cantora Katja Ebstein, e quando as pessoas começam a fazer a tal saudação, a rotação por minuto da música fica mais lenta e sombria.

A colorimetria da edição é baseada no Teal and Orange, que na década de 2010 foi muito utilizada no cinema, e faz uso das paletas de cores de Cianos (com variações de azuis e verdes) e Laranjas (com variações entre amarelos e marrons), que traz a mescla de tons frios com quentes, o que misturam sentimentos e sensações. Por hora o filme abusa dos tons em ciano, mas há momentos que o laranjas predominam. Os ângulos e cores escolhidas para acompanharem Hitler, não nos deixam esquecer que ele não é uma piada, e sim traz seriedade ao papel.

O papel da imprensa

Na obra “Eclipse da Razão”, de Max Horkheimer, o filósofo aponta que existe o fator do homem não pensar mais por si mesmo, e sim sentir a necessidade da figura de um líder que irá guia-lo nas ações e pensamentos. Um modelo para ele tentar copiar para ter ascensão profissional e até mesmo em sua vida pessoal.

No que se refere à modalidade comunicacional jornalística, o texto do autor frankfurtiano permite o estabelecimento de relações e extração de ideias para àquela. Primeiramente nota-se que quando Horkheimer atenta para conceitos esvaziados de substâncias distante dos princípios da razão objetiva, conceitos como democracia, igualdade e justiça. O mesmo alerta serve também para o jornalismo, uma vez que os profissionais da área fazem uso de tais conceitos formalizados, e avocam neles um sentido supostamente racional, contribuem firmemente para a crença em tais princípios como valores supremos da vida e mergulham ainda mais a humanidade no obscurantismo, o que leva a favorecer a construção de mitos.

O texto de Horkheimer contém ideias que lançam luz a irracionalidade presente não só no produto jornalístico, como também no processo de produção do fato noticioso.

Estabelecendo-se uma ponte entre o pressuposto acima e os contidos na obra ‘O capital da notícia’, de Ciro Marcondes Filho, constata-se que há entre este e Horkheimer, uma sintonia de ideias. A crítica ao modo de produção jornalística tecida por Marcondes Filho, pode ser entendida num espectro como parte da advertência sobre a irracionalidade subjacente, nas divisões sociais de trabalho e nas funções de produção fitas por Horkheimer.

“Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isto a informação sofre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronizando, simplificação e negação do subjetivismo. Além do mais é um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e uma forma de poder político.” (MARCONDES FILHO, 1989, P.149)

Quando o assunto é Publicidade, o fotógrafo Oliveiro Toscani afirma que a a ferramenta na verdade “é uma arapuca.”

“A publicidade excita os seus desejos, seduz os ingênuos, cria-lhes necessidades, torna-os culpáveis. Ela nos atrai para os seus encantos, nos “acende” desejos, como se compram votos em política. (TOSCANI, 2000, p.29)

Reflexão

Quais seriam os impactos se ele voltasse? Como você reagiria? O que a imprensa e a mídia como um todo faria? No filme, Hitler indaga “Quem mais o destino traria de volta?”, e deixa um alerta para pessoas com ideias semelhantes não sejam ouvidas e não tenham espaço na mídia.

Ele está de volta ou ele nunca foi embora?

Referências Bibliográficas

DW: https://www.dw.com/pt-br/o-que-acontece-se-algu%C3%A9m-faz-a-sauda%C3%A7%C3%A3o-nazista-na-alemanha/a-63639703

HORKHEIMER, Max.Eclipse da razão.São Paulo: Centauro, 2002. 187 p.

MARCONDES FILHO, Ciro.O capital da notícia:(jornalismo como produção social da segunda natureza). 2. ed. São Paulo: Ática, 1989. 188 p.

TOSCANI, Oliviero.A publicidade e um cadáver que nos sorri.ed.4. Rio de janerio: Ediouro, 2000. 187p

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Atualizado em: Seg 12 Dez 2022

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