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Eleições brasileiras: o circo está de volta na cidade!
Pessoalmente, vejo ‘The Godfather’ como uma obra prima e preciso admitir que já vi e revi a película algumas vezes. Embora seja um clássico, sua grandeza começa a ser ofuscada pela repetição e decorrente falta de surpresas que advém das reprises maníacas. Agora imagine a dor física e psíquica de rever tão freneticamente clássicos trash, como ‘Coelhinhos sanguinários’: esta é a imagem que tenho das eleições presidenciais brasileiras.
Até o mais incompetente dono de circo sabe que precisa ter atrações fortes, de base, para garantir uma audiência mínima para gerar renda para manter a trupe na estrada. Atrações, entretanto, envelhecem e é válido o dístico do setor financeiro: ‘sucessos passados não garantem sucessos futuros’. Por isto, o dono do circo frequentemente experimenta novas atrações - como o palhaço que parece ter dengue mas na verdade tem coronavírus e estuda habilmente a reação do público. Baseado em seu estilo próprio, visão de negócio e na resposta do público, o dono do circo toma a decisão de negócio de dar mais ou menos espaço para a atração em estudo. À médio prazo, tem-se um espetáculo em constante renovação, teoricamente em sintonia com as aspirações da plateia.
Eleições são fundamentalmente assim, com a vantagem de ter mais dinheiro e poder investir mais no processo de renovação. Nas eleições, um partido pode lançar uma nova atração (convidando-o para a inauguração de um estacionamento para gagos, por exemplo), dar-lhe algum espaço e começar a estudar a reação da plateia (eleitorado). O candidato a nova atração no picadeiro eleitoral pega o microfone, elogia a capacidade de trabalho e coragem única daquela comunidade e recebe uma salva de palmas - microscopicamente analisadas por uma equipe do partido. Et voilà: talvez nasça naquele momento a nova mulher barbuda da cena política.
Embora pareça ser um processo tosco e incompatível com as reais necessidades do país, as coisas são bem piores do que parecem. Voltando a beber no poço de sabedoria do diretor circense, de nada adianta trazer aquele menino cego de 12 anos para fazer três cubos mágicos simultaneamente usando só os pés, se a plateia boceja bovinamente durante a perfomance. Talvez um diretor inovador e destemido até faça um ou dois testes com o garoto mas se rapidamente for possível concluir que há uma clara incompatibilidade entre o espectador e o espectulado, o diretor enfrentará o seguinte dilema: devolver o menino para as selvas de Cingapura de onde foi raptado, encerrando de vez esta linha de negócio ou iniciar um longo, incerto e potencialmente caro processo de educação e refinamento da plateia, ensinando-a a encantar-se por cenas como esta, indiretamente viabilizando a mais nova aquisição asiática. Antes de voltarmos ao não tão cômico ambiente eleitoral brasileiro, há que se refletir sobre a responsabilidade do dono do circo sobre o desenvolvimento estético da plateia: será que cabe a ele fazer da hercúlea tarefa de educar o povo uma tarefa sua? Agora sim: voltemos às eleições pois em breve ‘tem marmelada, tem sim senhor!’.
Não vejo que os partidos políticos, o TSE ou mesmo a PF tenham, entre seus cômpitos, divulgar a propagandear visões políticas específicas. Ao contrário, estes órgãos devem ser politicamente agnósticos e não podem se envolver nestas atividades mas isto não resolve o problema: só foca a sua causa primal. As pessoas gostam do sujeito que engole espadas flamejantes e isto é um fato. Este fato guia a mão empreendedora do reitor do picadeiro de sucesso, que dá cada vez mais espaço à atração - sempre monitorando se a resposta se mantém positiva. O eleitorado brasileiro, quando visto de forma estatística, tem características (preferências e proclividades) bem específicas e é inevitável que somente as atrações que acariciem estas idiossincrasias serão consagradas com as palmas da plateia, qual seja, o sufrágio. Estimo que 98% do eleitorado é viciado em governo e vê no populismo a melhor saída para os problemas. Não diferente de outras adições, o vício em governo impede a pessoa de assumir seu papel de protagonista de suas realizações, vendo o governo como eterno responsável último por suas vicissitudes e eventuais fracassos. Além disto, o viciado precisa de doses regulares de subsídios setoriais, mesmo que isto cause deformidades no tecido econômico da sociedade e mesmo às custas da eficiência dos próprios subsídios (quando o governo dá algo com uma mão e tira com outra). O viciado vê candidatos que oferecem as suas doses como muito melhores, mais simpáticos, inteligentes e capazes que os outros e consequentemente aplaudem estes populistas, tornando óbvia a decisão do diretor circense do partido: dar mais espaço para a ascensão de mais um palhaço à arena central.
Longe de mim fazer exercícios de futurologia e sentenciar que nos próximos 150 anos o brasil continuará a ter palhaços como candidatos mais bem posicionados na corrida eleitoral para presidente. Não o faço por força da obviedade e do fato de que isto é, além de um fato, uma consequência. A causa (que me parece bem mais interessante e digna de reflexão) é que estes candidatos refletem as aspirações nacionais e, desta forma, representam uma opulenta oferta para uma demanda claramente demonstrada. Posso imaginar um descompasso embaraçoso se, por exemplo, todos os candidatos a presidente falassem 3 ou 4 línguas, tivessem formação em políticas públicas, habilidade de conjugar verbos - até os difíceis, como ‘haver’ e um histórico claro de realizações coerentes com os preceitos do partido que representam. Isto seria terrível para o eleitorado brasileiro, que sentiria a amarga falta do carinho paternalista que somente um bom caudilho pode oferecer, o eleitor sentir-se-ia perdido ao comparar estratégias claras de solução para problemas concretos (coerentes entre si), envolvidas em frases que fazem sentido sem apelar para sentimentos infantis e dando espaço à responsabilidade do cidadão e às vezes até usando palavras proibidas, como ‘deveres’. Agora, se você se vê fora de sincronia que este estado de coisas, talvez o problema não seja os governantes deste país: talvez este país não seja (mais) para você.