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Penetração feminina na Escandinávia

              Na academia que frequento, segunda à noite tem aula de LPO (Levantamento de Peso Olímpico). Embora eu pretenda fazer uma aula dessas algum dia, a tônica aqui é outra: dos 18 presentes na última aula, 18 eram mulheres. Talvez o fato digno de nota não seja só a exuberante presença feminina mas a inusitada ausência masculina e, antes que alguém pense, não foi um caso isolado. Também não havia, como poder-se-ia pensar, uma revista na entrada do recinto, selecionando quem poderia passar baseado em sexo ou gênero. Aconteceu e acontece, de forma espontânea e recorrente - mesmo que não haja entendimento, consenso ou mesmo lógica por trás disto.
              Segmentos de informação como este podem, quando temperados com porções massivas de ideologia, ser promovidos de inofensivamente desinteressantes para provas cabais de crimes contra a humanidade - neste caso, uma forma de opressão do matriarcado. Fica óbvio que isto é uma brincadeira mas ajuda a ter uma perspectiva mais equilibrada e temperada da realidade. Existem significativas diferenças de representatividade em muitos ambientes (como profissionais e políticos) e sempre que se evidenciam estas disparidades, fica implícita a existência de uma injustiça, de um erro - doloso ou não - que demanda ações imediatas da sociedade responsável para restaurar o ‘equilíbrio natural’ da situação: evadir-se das suas responsabilidades pessoais nesta ação corretiva global enseja uma das formas mais agressivas de desmoralização que uma pessoa pode sofrer.
              É possível manter este debate somente no nível ideológico, sobrepondo argumento sobre argumento e fazendo-se valer do fato que boa parte da sociedade, da mídia e da intelectualidade já escolheu a sua posição. Mas também é possível, justo e eficiente, ir a campo, testar a realidade, aplicar métodos, analisar os resultados e, ainda mais importante, permitir-se rever a posição de acordo com estas descobertas. Foi o que países como a Noruega fizeram, na tentativa de entender as diferenças entre a presença em áreas profissionais segundo sexo. Ao perceber que mulheres são só 10% dos engenheiros e homens são somente 10% dos enfermeiros, é válido questionar o motivo. Por admitir, precipuamente, que a resposta é o preconceito, o machismo, o patriarcado, etc, a situação foi vista como problema e medidas foram colocadas em prática para sanar a situação. Depois de muito planejamento, esforço, recursos e tempo, percebeu-se uma ligeira melhora da distribuição mas que, infelizmente durava pouco tempo, como se houvesse uma homeostase contra a qual mesmo políticas públicas e milhões de euros não pareciam ser suficientes. Partiu-se então para uma jornada mais global, que visava entender este fenômeno em outros países, outras culturas, com diferentes níveis de desenvolvimento. O resultado chocou a comunidade científica quase tanto como o título deste artigo - e ainda é por demais extravagante para ser absorvido pela sociedade leiga. Percebeu-se - de forma clara e constante - que quanto mais igualitária a sociedade, maior a diferença na representatividade segundo o sexo. De outra forma: quanto mais rico o país, menor o percentual de engenheiras e menor o percentual de enfermeiros - só para citar um exemplo. Analogamente, quanto mais pobre e desigual a sociedade, a disparidade tende a ser menor, embora o efeito central ainda seja esmagador. Foi necessário ainda muito trabalho para enunciar teorias como a que atesta o óbvio: quanto mais oportunidades a sociedade disponibiliza mais as escolhas que as pessoas farão estarão ligadas aos seus interesses mais genuínos. No outro extremo, quanto mais dificuldades o país apresenta, tanto mais decisões profissionais serão tomadas considerando aspectos mais pragmáticos - deixando de lado preferências e interesses próprios. Esta seria uma explicação para as pequenas variações nos números entre países tão diversos mas que ainda é um efeito marginal frente aos números absolutos, que consistentemente colocam os homens em áreas mas técnicas e mulheres em áreas onde o contato humano é mais frequente. Segue uma dica para facilitar o entendimento deste fato: tendencialmente, ao longo da evolução, a fêmea se envolveu mais com a prole, sua proteção, os laços familiares e tribais, desenvolvendo assim habilidades (que posteriormente passamos a chamar de interesses) mais rapidamente que o macho - que também se desenvolveu de forma distinta, devido a pressões diferentes, gerando resultados diferentes.
              Interesse: esta parece ser a real justificativa que preponderantemente influencia as escolhas individuais, por exemplo no âmbito profissional. Testes com crianças (e mesmo bebês) parecem mostrar uma identificação de meninos com objetos tipicamente masculinos e vice-versa, muito antes que condicionamentos sociais e culturais pudessem ter alguma influência. A quantidade de experimentos realizados e a constância dos resultados foi surpreendente e parece mostrar que a raiz da questão é realmente simples: as pessoas tendem a fazer escolhas coerentes com suas preferências pessoais. Interferir nestas escolhas, sobretudo visando o equacionamento de uma situação que talvez nem tenha relação com o problema, pode causar efeitos inesperados e até contrários aos objetivos iniciais. Gastar recursos públicos para alcançar objetivos questionáveis (como ter 50% de enfermeiros homens) é enxugar gelo e afasta a política pública de objetivos mais concretos e úteis. Claro que, se você tem uma bandeira (como a destruição do patriarcado) é possível reunir dados da realidade e costurá-los em torno de uma teoria - de que os homens impedem as mulheres de serem engenheiras, por exemplo, sobretudo se esta teoria precisa de um ativista para encabeçar um movimento que, por acaso, poderia ser você.
              Assim, não acho que vou pedir para que se institua uma política de cotas na minha academia, não vou vilanizar e tiranizar as mulheres que frequentam o espaço e nem vou usar estatísticas parciais para dar vazão às minhas visões preconcebidas. Claramente, não acho que haja aqui nem injustiça, nem violência, nem preconceito mas vejo como é fácil criar uma narrativa vitimista e monotônica para atingir certos objetivos.
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Atualizado em: Qui 15 Set 2022

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