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Trilogia suicida - Ressentimentos de uma recém-viúva

Werner,

Depois de tudo que construímos juntos, é isso que você me dá como presente? Um tiro na cabeça bem no nosso aniversário de casamento? Fico feliz pela sua consideração. Muitíssimo obrigada pelo presente de grego.

Agora, se você acha que eu vou ficar arrasada, corroída e me sentindo culpada pelo ocorrido, vejo-me na obrigação de lhe informar que não poderia estar mais enganado. Pois, se o presente que você acha que eu mereço é o seu suicídio, não espere em troca minhas lágrimas e suspiros.

É verdade, fiquei completamente desorientada quando, bem no meio de uma reunião importantíssima do escritório, recebi uma ligação desesperada de nossa empregada, na qual gritava aos prantos que “o sr. Werner tá todo ensanguentado no seu quarto, patroa!”. Saí correndo, sem nem aos menos me despedir dos presentes, para chegar em casa e ver a pior cena de toda a minha vida: carros de polícia e uma ambulância estacionados bem em nossa calçada, as crianças chorando junto à empregada, rostos desconhecidos perambulando pelas escadas e uma enorme faixa de isolamento bem na entrada de nosso quarto, onde um homem estava agachado examinando a poça de sangue que você deixara. Perguntei a ele o que havia acontecido, ao que um policial veio até mim e me levou ao quarto de nossos filhos para “conversar”. Lá, soube, de forma sóbria e sombria, que você teve a audácia de dar cabo à própria vida.

Como pode fazer isso? Comigo e com nossos filhos? Werner, a primeira coisa que senti – e ainda sinto – de você, foi raiva. Raiva por ter nos abandonado em um momento tão delicado; raiva por ter me desconsiderado; raiva por descobrir que você não me amava. E nem venha me dizer que estou enganada, pois não estou! Um homem não se mata e deixa sua esposa, se a ama. O nome disso é egoísmo, não amor.

 Mas, quer saber, tudo bem você não me amar. Eu supero. Sou mais forte do que você imagina. Porém, o maior problema não é comigo; é com as crianças. Muito bacana será o destino delas a partir de agora, vivendo sob a sombra de um pai suicida. Que exemplo! Espero que esteja atento à reação delas quando, daqui a alguns dias, os coleguinhas estiverem abraçando, beijando e celebrando com seus respectivos pais, ao passo que elas se dirigem ao cemitério para deixar flores em meio a fúnebres memoriais. Realmente, não há local mais adequado para uma criança comemorar o laço paterno, não é mesmo?! Olha, eu preferia que você simplesmente tivesse sumido e nunca mais voltado, a fazer isso.

Você tinha seus problemas? E quem não os tem? Eles estavam te deixando perturbado? Então, por que, ao invés de ter se matado, você simplesmente não disse para eu ficar do seu lado e ajudá-lo? Eu nem mesmo sei o que o levou a praticar esta barbaridade! 15 anos de casados para eu descobrir que não fazia ideia do que se passava na mente daquele com quem dividia meu acolchoado todo santo dia.

Fim? Só se for para você. Pois, para nós, que ficamos para contar esta história, a vida continua. E, na minha, pelo menos, eu espero que você nunca mais volte. Não quero para mim um homem que resolve seus problemas jogando-os nos outros. Se soubesse que iria terminar assim, nem teria começado. Mas errei, e, diferentemente de você, não vou cuspi-los em meus amados; vou, sim, enfrenta-los e resolve-los.

Com rancor,
Carlota
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Atualizado em: Qui 20 Set 2018

Comentários  

#1 Renan_Prandini 20-09-2018 11:40
O nome da personagem fictícia, Carlota, tem como inspiração a amada de Werther, Charlotte, da obra "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Johann Wolfgang Goethe.

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