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esta não é uma carta de suicídio

       não começo esta carta colocando local e data porque isso tão pouco importa. e antes que você se incomode muito, já aviso que não usarei letras maiúsculas depois dos pontos porque não quero e assim vou continuar (não) fazendo. começo esta carta dizendo que tenho um nome; e mais, três sobrenomes. porque é sobre isso que esta carta se trata: identidade.
       eu não conheço nada que não tenha nome, até o nada se chama. do nada ao tudo, todos têm nome e isso diz respeito a quem são, quem somos. engraçado é que não  sei de um exemplo de algo ou alguém, que ao ser criado ou nascido, tenha escolhido seu próprio nome. as pessoas e coisas ganham nomes de outras que já tinham, mas que também não escolheram os seus e assim se antecedeu. já nascemos condicionados a ser alguém por outrem que já era e não temos a escolha de ser quem quisermos. ou você ganha um nome ou não é ninguém; e é melhor não existir do que ser ninguém, e há uma grande diferença nisso. até Deus ganhou um nome, ou vários nomes, porque como Ele se chama também diz muito sobre quem Ele é para nós, mas o nome dEle veio depois porque sempre existiu, ninguém o antecedeu para nomeá-lo. talvez seja esse um dos motivos porque seja Deus, ninguém pôde obrigá-lo a ser, Ele simplesmente é.
      então. eu não escolhi ser ezequiel, mas sou. e mais, o fernandes da costa neto. estive preso dentro da identidade que escolheram para mim até então (até então quando?). eu não tive escolha; não tive mesmo. fui obrigado a a ser porque não ser não me foi apresentado como uma opção. e assim aconteceu a todo mundo. mas chega um momento da vida em que nos questionamos quanto a isso (r: até quando nos questionamos quanto a isso!). e é quando decidimos – sim, finalmente podemos escolher seja por nós ou não – quem seremos. melhor dizendo: decidimos se ficaremos presos por quem somos ou seremos livres pelo mesmo motivo. ser livre parece ser a escolha óbvia, mas passa longe de ser. na verdade, sem querer desmanchar o romantismo da questão, mas estaremos sempre presos de qualquer forma. na dúvida.

“ser ou não ser, eis a questão
será mais nobre sofrer na alma
pedradas e flechadas do destino feroz
ou pegar em armas contra o mar de angústias
e, combatendo-o, dar-lhe fim?
morrer; dormir;
só isso. e com o sono - dizem - extinguir
dores do coração e as mil mazelas naturais
a que a carne é sujeita; eis uma consumação
ardentemente desejável. morrer, dormir...
dormir! talvez sonhar. aí está o obstáculo!
os sonhos que hão de vir no sono da morte
quando tivermos escapado ao tumulto vital
nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
que dá à desventura uma vida tão longa.
pois quem suportaria o açoite
e os insultos do mundo,
a afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
as pontadas do amor humilhado,
as delongas da lei,
a prepotência do mando, e o achincalhe
que o mérito paciente recebe dos inúteis,
podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
com um simples punhal?
quem aguentaria fardos,
gemendo e suando numa vida servil,
senão, porque o terror de alguma
coisa após a morte -
o país não descoberto, de cujos confins
jamais voltou nenhum viajante
nos confunde a vontade,
nos faz preferir e suportar males que já temos,
a fugirmos para outros que desconhecemos?
e assim a reflexão faz todos nós covardes.
e assim o matiz natural da decisão
se transforma no doentio pálido do pensamento.
e empreitadas de vigor e coragem,
refletidas demais, saem de seu caminho,
perdem o nome de ação."
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Atualizado em: Qua 27 Jul 2016

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