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Pravda e Izvestia

              A União Soviética pós 1917 tinha uma imprensa forte (feita de políticos fortes e soldados fortes) e tinha duas publicações - acessíveis até os dias de hoje, uma delas também em português: o Pravda (Verdade) e o Izvetsia (Notícia). O ditado popular da época (assustadoramente atual) dizia que não havia verdade no Pravda e nem notícias no Izvestia ou, mais complexo: não havia notícias no Pravda ou verdade no Izvestia. Muitos anos se passaram, o império ruiu, Gorbachev sumiu, Boris Yeltin tomou um porre, veio Putin I, Medvedev, Putin II, Putin III e aparentemente pouca coisa mudou nas estepes siberianas.
              Em fevereiro de 2014 (no segundo ano do primeiro mandato de Putin) ainda estava em curso a Revolução da Dignidade, em que o povo ucraniano depôs o presidente pró-Moscou Viktor Yanukovich, quando Putin aproveitou o momento para invadir a anexar a reconhecidamente autônoma Crimeia, de maioria russa, quase sem resistência, aumentando seu acesso a mares quentes e fixando uma posição militar em terra. A OTAN já ‘invadira’ outros países do leste mas quando a revolução devolveu a autonomia legislativa à Ucrânia, Putin percebeu o perigo e assim que colocou seu uniforme de invasor, começou a construir uma ponte entre Krasnodar e a Crimeia - hoje a mais longa ponte da Europa, com 18km. De forma monótona e repetitiva, Putin afirmava que o movimento do exército russo tinha como motivação garantir a liberdade e segurança do povo da Crimeia, enquanto que para a Ucrânia e boa parte do mundo, a operação não passava de desrespeito à soberania de um país autônomo. Com soldados e tanques na rua, o novo governo russo fez um plebiscito na Crimeia (não reconhecido internacionalmente) que ‘aprovou’ a invasão, que restaurava questões históricas (quando os russos tomaram a península do império otomano).
              À época, a comunidade internacional condenou a ação e se me lembro bem, até o papa disse que não tinha gostado. Obama impôs sanções que atingiram alguns oligarcas russos e até o ex-presidente Yanukovich mas algum tempo depois, tudo voltou ao normal, com exceção que a Rússia agora tinha, entre outras coisas, o porto de Sebastopol na Crimeia, o único capaz de receber toda a frota russa no Mar Negro - evitando uma dominância americana nos mares próximos. Saiu barato e matou menos de 15 mil pessoas.
              Possivelmente Putin não tem que se preocupar com as próximas eleições ou sua popularidade no final do seu mandato de 6 anos mas faltando exatamente 24 meses para o seu próximo golpe, Putin se aventura novamente no ‘elan’ expansionista. Exatamente como Hitler, que afirmou insistentemente não invadiria nada além de alguns cantos alemães da Tchecoslováquia e depois surpreendeu a Europa e o mundo com o Terceiro Reich, Putin fez o contrário do que afirmou e prometeu em relação à Ucrânia e usou a mesma cantilena da invasão da Crimeia, fingindo que o objetivo era proteger o povo ucraniano dos neonazistas. Os tempos mudaram e nem uma campanha muito ampla e um controle muito intenso da midia (como no Pravda ou no Izvestia) poderá conter e controlar a opinião pública por muito tempo. Talvez a manifestação do povo russo seja mais eficiente do que as sanções temporárias e setorizadas que os USA e UE pretendem impor até porque, em certa medida, estas sanções atingirão financeiramente todos os países e será possível colocar um preço nestas sanções e o quanto elas representam para a economia global.
              Em recente entrevista o ex campeão mundial Gary Casparov traçou um panorama agreste mas ainda reversível, se as forças mundias que se opõe a Putin abandonarem o discurso e partirem para a ação mas se o caminho escolhido for a do omissão poderemos estar vivendo o início de uma nova ordem mundial, anacrônica, militarizada, despótica e irracional (caso em que talvez o brasil já esteja bem preparada). Georgia seria a próxima e talvez depois a Lituânia ou a Moldávia e cedo ou tarde este caminho rumo oeste pisaria em solo protegido pela OTAN. A China não está neste arrastão de graça: além de antiga parceira dos russos, Pequim monitora a reação ocidental para decidir se invadem ou não Taiwan e imaginem como seria impor sanções comerciais contra o mercado chinês. A terra que nos deu Tetris, strogonoff, vodka, a roleta e a montanha, agora nos dá receio, preocupação e saudades dos tempos em que a maior preocupação era o Covid..
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Atualizado em: Qui 10 Mar 2022

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