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Naruto e a pedagogia do oprimido

A obra Naruto, criada pelo mangaká Masashi Kishimoto, nos permite vários questionamentos. Dentre eles, eu destaco o papel do educador. Minha análise levará em consideração o período de formação inicial do personagem título Naruto Uzumaki e sua relação com a pedagogia do oprimido, conceito criado pelo pensador Paulo Freire. Me baseio no anime clássico do episódio 1 ao 220, pois, nesse momento, Naruto teve quatro mestres, ou professores, como irei tratá-los aqui.
Naruto é um jovem órfão de pai e mãe que desejava se tornar um ninja para alcançar o posto de Hokage, líder máximo da Nação do Fogo, abaixo apenas do senhor feudal. Mas a sua busca não é motivada pelo poder, ele deseja ser respeitado pelos membros de sua comunidade. O seu real objetivo é a aceitação dos membros da Vila da Folha, lugar onde mora.
Porém, como um receptáculo da Raposa de Nove Caudas, isso se torna algo difícil de ser realizado. O medo da comunidade que recai sobre ele é muito grande. Naruto desconhece as motivações que o tornam rejeitado, e por isso, se tornou uma criança rebelde, que pratica atos de delinquência para chamar a atenção das pessoas, única forma que encontrou de interagir com os demais dentro da marginalização em que sofre.
Com claros sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), tem grande dificuldade em realizar tarefas simples, e foi reprovado três vezes na Academia Ninja, não se tornando Genin, grau inicial de formação ninja. Subtraindo os elementos fantásticos da obra em questão, me parece um aluno comum de qualquer escola pública brasileira.
Seu primeiro professor foi Iruka Umino, um chunin instrutor da Academia Ninja. Ele demonstra uma grande maturidade e inteligência emocional, é muito próximo e preocupado com os seus alunos. Entretanto, o seu grande defeito é ser paternalista, motivo que o levou a entrar em confronto com Kakashi, futuro líder do Time 7, composto por Naruto Uzumaki, Sakura Haruno e Sasuke Uchira.
Iruka é tão preocupado com o bem-estar de seus alunos que deseja que eles não passem por dificuldades, dor e sofrimento, o que vai contra a própria profissão que os seus alunos escolheram. A vida é permeada de vários eventos dolorosos que promovem traumas e frustração, e preparar os alunos para esses momentos seria mais produtivo que privá-los deles.
Mesmo assim o papel de Iruka é essencial na formação ninja e humana de Naruto, sua empatia foi capaz de alterar a visão de mundo do seu aluno. Muito disso se deve ao fato dele também ser órfão, a experiência mediatizada pelas relações sociais constitui um fator de reconhecimento entre o eu e o outro. Estando relacionadas por experiências sociais em comum, conseguem partilhar o mundo e se reconhecer mutuamente.
O segundo professor de Naruto, o jonin Kakashi Hatake, nunca havia liderado uma equipe de genins. Todos os seus ex-alunos haviam falhado em um teste preliminar. De acordo Kakashi, aqueles que não soubessem trabalhar em equipe, não deveriam e tornar ninjas. Para os ninjas, cooperação não é uma escolha, é uma necessidade. A diferença entre o fracasso e o sucesso da missão, vida e morte da equipe.
Kakashi é muito inteligente. Sua capacidade analítica identifica as personalidades, as qualidades e as deficiências dos seus alunos com rapidez, e cria exercícios e atividades onde os seus alunos podem desenvolver as suas capacidades individuais e integrá-las ao Time 7. Ensina valores, e fortalece a ética do grupo. Muito disso se deve ao seu passado: seu pai havia se suicidado e já perdera companheiros de equipe em uma missão.
Para Kakashi, nenhum valor está acima da vida de seus companheiros, chegando a se pôr em risco para defender a vida de seus alunos. Embora a sua falta de pontualidade pudesse indicar alguma irresponsabilidade ou descaso, ao contrário, ele compreende o seu papel enquanto professor, sendo extremamente competente. Ele motiva, ao mesmo tempo em que corrigi os rumos dos seus alunos.
O terceiro professor de Naruto foi Ebisu, um jonin especializado na educação de ninjas de elite, a exemplo de Konohamaru, neto do Terceiro Hokage. Ensinou Naruto por um curto período de tempo, embora com algum sucesso. Ebisu estava acostumado a dar aula a alunos com algum potencial ou nível de habilidade, bem diferente do ninja de macacão laranja com a sua incrível dispersão.
Ebisu é metódico, e tecnicista. Mesmo tendo muito conhecimento, a sua falta de empatia pelo estudante e a incapacidade de reconhecer as suas próprias deficiências criaram uma relação de hierarquização entre educador e educando, em detrimento de uma dialogicidade. Ao invés de libertar Naruto, o prendeu na técnica, fazendo com que o mesmo problematizasse muito pouco ou quase nada o que aprendera.
É só no fim do treinamento em que Ebisu faz o reconhecimento mútuo de educador-educando e de educando-educador em Naruto. Essa relação de coisas no processo formativo é intersubjetiva, isso quer dizer auto reconhecimento e alteridade. O aluno não é um caixa eletrônico onde o professor deposita conteúdo e saca conhecimento (FREIRE, 2020).
Por fim, temos Jiraya, o que mais contribuiu para a educação de Naruto. De todos os seus professores, o Sábio da Montanha do Sapo é o menos “ortodoxo”. Foi ele a aprofundar os conhecimentos de Naruto em relação a si mesmo, sobre o ninjutsu e a sua comunidade. Fez com que Naruto amadurecesse, mudasse sua cosmovisão e aperfeiçoasse as suas habilidades e competências, a ponto de se tornar agente criador.
Seu método visou a criticidade, o agir no mundo e a busca da liberdade, sintetizo tudo isso em um único termo: autonomia. Jiraya ofereceu para isso os recursos básicos e espaço de atuação para Naruto. Isso foi fundamental para que em sua relação dialógica, Naruto fosse capaz de expressar autenticamente, dizer a sua própria palavra ao mundo. Jiraya teve uma história de vida muito parecida com a de Naruto, sofrendo com a exclusão e descrença da comunidade, mas nada que a educação não tenha modificado.
Agora, ao invés de Naruto, imagine qualquer aluno da escola pública no nosso país, pessoas marcadas por traumas, violência e todo tipo de desigualdade social. Todos eles, sem distinção, necessitam de uma educação onde a autonomia seja um método, e não uma meta. Caso contrário, produziremos “ficheiros humanos”, com muito conteúdo, mas carentes de possibilidade de uso.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 72 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020.
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Atualizado em: Seg 27 Set 2021

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