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Privatizando o governo

              A década era de 1980 e o objetivo era obter uma linha telefônica (fixa, preciso salientar). Um preço absurdo e um prazo intolerável não eram as únicas armas que um consumidor precisaria nesta periclitante jornada: a imprevisibilidade adicionava ansiedade a esta corrida consumista. Lembro que na época eu tinha a idade e ingenuidade suficientes para flertar com as ideias de um estado provedor, omnipresente e paquidérmico e exatamente por isto me debatia com a pergunta: “porque o estado não pode ser eficiente, nesta área, pelo menos?”. A causa única do problema, para mim, era clara: incompetência e corrupção dos altos escalões da CRT - não a perspectiva de que o governo não deveria atuar naquele segmento. Todo esforço seria válido no sentido de aperfeiçoar a empresa, despi-la do seu aspecto corrupto e burocrático e torná-la um paladino de eficiência e transparência em um mundo novo e justo. Hum...
              Quatro anos depois, a linha já estava lá, com seu aparelho de disco e seu número de 6 dígitos e confesso que era tentador aderir à ideia de que ‘funciona!’ e que todo processo não teria sido um absurdo em qualquer país do mundo não comunista. Obviamente, os problemas que tornaram a compra um suplício não foram resolvidos e continuaram a ser repetir até que a flecha da privatização atingiu as bolorentas entranhas administrativas da organização. O mesmo aconteceria com várias outras empresas, em setor até mesmo considerados estratégicos (Eletropaulo, Companhia Vale do Rio Doce, Siderúrgica Nacional, ferrovias, etc), consolidando a visão de que desfazer-se do negócio era muito mais eficiente do que tentar consertá-lo (sem falar no fato de que o governo não deveria ter entrado naquele mercado em primeiro lugar). É o custo do aprendizado: algumas décadas e alguns bilhões e aqui estamos, discutindo se privatizações são boas e se pedras são comestíveis. Seria um exercício interessante imaginar como seria a compra de um celular se o mercado fosse exclusivamente explorado pela “MolecuBrás” - embora no momento em que você conseguisse o aparelho, a atualização do sistema operacional não funcionaria mais naquele modelo.
              Até onde esta solução pode funcionar? Até qual extremo pode ser levado e ainda garantir seu objetivo maior: acesso facilitado a preço de mercado a produtos e serviços de interesse de um mercado consumidor. Muitos dizem que pagar uma obscenidade para transporte e entrega de objetos, sujeitos à greves e perdas, em um mercado monopolizado, pode até não ser uma delícia mas é necessário, pois o segmento é prioritário e importante demais para ser deixado nas gananciosas mãos de empresas privadas (args!) que não farão do negócio a sua missão de vida. A falácia é tão óbvia que não vale a pena ser detalhada: o governo não presta um bom serviço, não pratica um bom preço, não estimula a economia e nem tem (na prática) os interesses e conveniência do público consumidor em seu radar. Então, porque não substituir o próprio governo, blasonante e fanfarrão, por uma empresa, em um mercado com vários players, com mecanismos de avaliação constante, recursos para revogação de contratos (possivelmente menos sangrentos que um coup d´etat), coleta de avaliações, modelos globais de funcionalidade? Imagino um contrato no qual a empresa recebe uma verba mensal e precisa entregar um serviço altamente eficiente, transparente, abrangente e com SLA definido (se quiser contratar 1.000 ou 10.000 pessoas para isto, é uma decisão de negócio da própria empresa). Problemas, desafios, conflitos de interesse? Possivelmente milhares mas ainda assim, um problema mais fácil de resolver do que tornar o governo uma entidade eficiente, transparente e que opera visando os interesses da sociedade.
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Atualizado em: Qui 10 Jun 2021

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