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O amor não existe mas governa o mundo

              “Yo no creo em bruxas pero que las hay las hay”, diz o velho ditado da credulidade claudicante. É interessante perceber como nossa complexa sociedade atual aceita, fomenta e reforça a adoção de ideias sem fundamento real, por razões úteis em determinado tempo. Ninguém enxerga as linhas que separam um país de outro mas você pode tomar um tiro se cruzá-las sem respeitar um certo protocolo. Aliás, países? Imagino um extraterrestre ouvindo uma explicação dolorosamente longa sobre porque inventamos esta ideia de países e por que acreditamos que as pessoas que nascem em um são diferentes das que nascem no país ao lado. E já que falamos nisto, empresas tem status e representação que originariamente eram exclusivamente destinadas a pessoas, com a diferença que PESSOAS EXISTEM, falam, respiram, riem, choram e amam. Bem ...
              Parece difícil e desnecessário tentar rebater a assertiva que viver ao lado da pessoa escolhida é, dito de forma simples, muito melhor que viver sozinho (para a maioria das pessoas). A partir desta constatação, começamos a buscar as causas deste fenômeno tão interessante e ubíquo, pois afinal, somos humanos e encontrar padrões é das nossas capacidades cognitivas preferidas. Foi então que um poeta bêbado, desolado com a perda da sua companheira, inventa a explicação para a dor física que ele está sentindo: “é o amooor ...”. Toda a complexidade do funcionamento social humano, os milhares de anos de evolução que moldaram nosso comportamento, que privilegiou as unidades mais estáveis (que davam mais chance de sobrevivência à prole), tudo isto fica escondido e subordinado a este nome, singelo, direto, robusto, frágil e ao mesmo tempo potente: amor. É ele (e nenhuma outra coisa) que faz as pessoas se aproximarem, coabitarem, viajaram para a Ilha do Mel e ele (o amor) tem razões que a própria razão desconhece. Ou seja: não mexa com ele pois ele é mais forte, mais inteligente e mais astuto que você, cujo único movimento cabível é a incondicional rendição. É aí que a fantasia das convenções começa a ser problemática: não há problema nenhum em esperar que Papai Noel traga uma bicicleta no Natal mas é preocupante esperar que ele pague o boleto que deixei junto à lareira (acreditem, eu já tentei). Chamar todo aquele ciclo de paixão, desequilíbrio de hormônios, sofisticação do sentimento, deleite, etc, de amor é inocente, até útil por vezes. Imaginar, entretanto, que este conceito arbitrário tem pés, mãos, vontades, objetivos, personalidade e representação jurídica, é um passo demasiado poético e até ingênuo. Pior do que isto, atrapalha a tomada sadia de decisões pois dilui o poder que você tem dar destino a sua vida e compartilha este recurso com este ente imaginário, produto da habilidade literária, invenção do século XII que, no fundo, é tão inerte quanto um espelho.
              “Nossa, nunca mais leio nada deste cara. Que deprimente!”. Com certeza, não estou em posição de perder qualquer dos meus três leitores e por isto, saliento isto: por mais arbitrário, irreal e por vezes inexato que seja, o “amor” na forma de relações entre as pessoas possivelmente é o bem mais valioso que temos, não só porque hoje somos o que somos, em parte devido a esta colaboração multifacetada que estas uniões proporcionam mas porque, além da produtividade, elas trazem bem-estar e felicidade para nossas vidas. E vejo aqui que caí vítima da minha própria semântica, ao afirma que o amor ‘traz’ bem-estar e felicidade, como se ele fosse um ator ativo e independente. O correto seria: as relações onde vicejam sentimentos de enaltecimento não parental agregam estímulos positivos que cumulativamente incrementam a qualidade de vida. Mas francamente, quem fala ‘vicejam’ hoje em dia? Mais fácil dizer que “é o amooorr ...”
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Atualizado em: Seg 7 Dez 2020

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