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Funk sertanejo
É interessante observar como certas características parecem vir acompanhadas de outras, por vezes complementares, por vezes contraditórias. Se observarmos as populações de países escandinavos, por exemplo, veremos a “fine fleur” do pensamento coletivo, da organização e da retidão comportamental em vários aspectos e níveis. Paralelamente, encontramos nestas mesmas populações uma inflexibilidade enraizada, quase triste, limitante. Se nos trópicos vemos uma alegria incontida e por vezes desconectada da realidade, vemos também uma dificuldade gigantesca no respeito à autoridade e na priorização dos interesses da comunidade frente aos interesses pessoais. Salvo poucas exceções, parece ser uma regra tácita, quase sádica, do nosso bom mundo.
No lado individual, vale á pena discorrer sobre o caso do homem (entre tantas designações de sexo vigentes hoje em dia, escolhi esta como exemplo pelo simples fato de pertencer à categoria e portanto, sem alusão difamatória e demeritória a qualquer outras das respeitosas desinências [sugestão do meu advogado]). Ele deve ser forte, destemido e bravo, mas deve ter um lado sensível capaz de verter lágrimas pelo vaso que derrubou; deve ser metódico, eficiente e rápido mas deve ter um lado caótico, surpreendente e inesperado; deve ser trabalhador, concentrado e focado mas deve saber relaxar, divertir-se e mudar o foco do micro para o macro mais rápido que qualquer outro animal da floresta; asseado mas sem cheirar a sabonete, prestativo sem deixar de buscar o que quer. Enfim: nutella e raiz ao mesmo tempo.
No Brasil, entretanto, o caso é diferente: ao invés de juntar uma característica positiva com um complemento nem tão positivo, soldamos defeitos, amalgamamos deformidades, fundimos fraquezas. Leibniz, possivelmente plagiando Miley Cyrus, afirmava que vivemos no melhor dos mundos e eu não seria o primeiro a especular que há muita verdade no inverso desta afirmação, em especial no Brasil. Vivemos no pior dos mundos quando juntamos a nossa expectativa de qualidade (como a dos americanos) com a nossa incapacidade produtiva, quando almejamos um sistema educacional eficiente, amplo e útil mas não queremos fazer um trabalho para obter pontos adicionais, quando fingimos surpresa que o nosso sistema de saúde não tem padrão europeu e as pessoas morrem de tuberculose e dengue, quando culpamos exclusivamente nossos políticos pela situação do país e não nos damos conta que tudo começa no nosso micro-cosmos, com o estacionamento correto do carro, com o cachorro na guia em locais públicos, com o lixo devidamente selecionado. Alguns países aceitam com mais graça sua condição de pobreza (e acredito ser o primeiro passo para poder tomar providências para sair de lá) mas nós (sem ofensa) somos este pavão misterioso, de pés sujos e escamosos que tenta enganar a torcida com suas desgastadas plumas, internamente morrendo de medo que alguém repare em nossas unhas.
Deu para entender o título agora?
Atualizado em: Dom 29 Nov 2020