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O Machado Sangrento

Prólogo
Naquela noite de inverno, o velho Popé estava sentado na soleira de sua cabana, fumando cachimbo e olhando as estrelas. A tempos que seu povo tinha conquistado o direito de povoar um pequeno pedaço de sua própria terra como bem entendesse, então os indígenas tinham desistido de se mover pelo território de forma “desordenada” em busca de caça e fixado residências mais consistentes. Seus pensamentos voavam com a velocidade da grande águia, absorto por essas questões de justiça quando um rumor o faz se voltar. Um grupo de crianças, todas por volta de seus oito a dez anos, vinha correndo em sua direção e gritando seu nome. Resignado, o velho homem suspira, apaga seu cachimbo e se prepara para ter seu descanso e seus pensamentos interrompidos. Popé então se prepara para acolher os pequenos da melhor maneira possível. Por mais depressa que as coisas estivessem mudando, algumas o homem branco não podia alterar e essa era uma delas. Os pequenos índios ainda corriam aos mais velhos em busca de sabedoria. E ele era o mais velho ali, o xamã da tribo. Era natural que os mais jovens o procurassem. Isso o faz mover brevemente a boca, tornando seus velhos e secos lábios no que um dia já fora, a sombra de um sorriso...
- Popé, Popé – gritou-lhe já do portão de sua cabana o primeiro dos garotos – Por favor, queremos que nos conte uma história...
- Calma, pequeninos, calma... primeiro, sentem-se aqui, aos meus pés e se acomodem... Isso, muito bem, meus jovens – a voz calma e antiga do xamã parecia ter efeito quase que hipnótico sobre os pequenos. Aquela agitação própria da infância praticamente tinha desaparecido e todos agora seguiam as instruções do velho – Agora, me digam, que história gostariam que eu lhes contasse?
Um dos pequenos vinha com os olhos inchados e vermelhos, sinal de que havia chorado muito. Era um dos maiores meninos ali e o Popé já tinha visto algumas proezas de força e destreza do rapaz. Teria sido um grande guerreiro, se os tempos fossem outros. O velho olha para o garoto, mas nada diz. Sabia o quanto jovens meninos podem ser orgulhosos. Quem se manifesta é um pequeno menino ao lado deste um pouco envergonhado, mas muito resoluto da história que queria ouvir:
- Queremos que nos conte sobre o Machado Vermelho, Popé...
- Ah! -  Fez o velho – E por que querem ouvir isso, pequenos?
- Queremos saber como trazê-lo aqui, Popé – Disse finalmente o garoto que havia chorado – Os brancos pegaram minha mãe. Fizeram... coisas com ela. Me fizeram assistir tudo, me bateram e foram embora rindo. Ouvi minha mãe dizer soluçando que se o Machado Vermelho estivesse aqui eles seriam punidos. Quero que sejam punidos, Popé. O Xerife não vai fazer nada e nós não podemos ir a cidade cobrar isso dele. Por favor, xamã, conte-nos como chamar o Machado Vermelho...
O velho homem baixa a cabeça. Tinha ouvido falar desses casos de estupro das índias, mas como morava um pouco afastado do restante da aldeia esperava que fossem apenas boatos. Infelizmente, não era o caso. O mínimo que podia fazer por aquela criança agora era lhe conceder um pouco de esperança. Se não em justiça, na vingança que a lenda do Machado Vermelho representava. O velho então, limpou a garganta, reacendeu seu cachimbo e fitou novamente as estrelas, numa pausa que ao mesmo tempo aumentava a impaciência dos meninos e lhes tirava o folego ante a antecipação da história. Enquanto soltava uma última baforada que cobria de fumaça suas longas tranças cinzentas, o velho olha para os meninos e eles notam que, em seu rosto vincado de rugas, os olhos brilhavam tão vivos quanto os deles.
Finalmente, quando a tensão da espera era quase palpável, a voz rouca de Popé corta do silêncio da noite:
- Muito bem. Vou lhes contar sobre o que aconteceu aqui a mais de 80 anos. Meu pai estava para ser enforcado pelos brancos então sei como se sente, meu jovem. Minha velha mãe contou essa história assim, como conto a vocês agora...
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Atualizado em: Seg 17 Abr 2023

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