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A primeira comunhão
Era ali que morava com sua mãe em um dos quartos nos fundos da casa. Foi com o patrão dela que soubera sobre a história do bairro. Aquele foi uma sesmaria doada aos padres jesuítas no século XVI, destinada para o cultivo de cana-de-açúcar. Toda a região era conhecida pelo nome de Andaraí Grande. A professora já havia falado na aula sobre aquela tal sesmaria: ... “Sesmaria era uma grande quantidade de terra que o rei de Portugal dava a quem quisesse explorar”... Aprendera também que Grajaú significa na língua dos índios “água do senhor do pássaro”. E com tantas árvores, passarinhos não faltavam.Quando se cansava de disputar figurinhas no bafo-bafo pedia sua mãe para ir jogar bolas de gude com os amigos. Na volta para casa costumava pegar as frutas de tamarinos pelo chão da rua. Sua mãe preparava um suco e dava para ele e os filhos dos seus patrões.
Olhava a mãe com amor e orgulho, mas não entendia o porquê de ela receber santo! Vestia-se de branco, acendia uma vela ao lado de um copo d’água. A patroa dela escondida do marido ia para o quarto nos fundos e lá ficava ouvindo os conselhos da vovó Maria Conga.
Quando o menino completou oito anos de idade fora chamado pela mãe. Dissera-lhe que estava na hora fazer o catecismo. Argumentou que ele deveria ser católico como a maioria das pessoas: ... “Se não fizer a primeira comunhão não poderá nem casar na igreja”.
Aprendera nas aulas de catequismo aos domingos a nomear os Dez Mandamentos, os mandamentos da Madre Igreja, as principais orações, e os Sete sacramentos.
Faltando uma semana para a sua primeira comunhão sua mãe lhe orientou sobre a importância daquele momento. Mostrou-lhe a roupa branca que havia comprado e lhe advertiu para que não cometesse pecado: “- Se fizer coisas erradas, quando chegar na hora de você tomar a hóstia, ela vai se transformar em uma pomba branca e todos lá na igreja vão saber que você cometeu pecado”
Saiu pelas ruas do bairro: Gurupi, Mearim, Itabaiana, Uberaba, Araxá e Juiz de Fora... Contou as tamarineiras da Avenida Engenheiro Richard até se perder diante no meio de tantos números. Já no sopé do morro pegou peixinhos coloridos no pequeno poço. Parou para observar a vista do Pico do Papagaio e imaginou que lá morava o Jim das Selvas... Enfim resolveu voltar para casa.
Ao se aproximar de casa pode ver sua mãe no portal com ar de zangada! Perguntou-lhe onde estava todo aquele tempo e sem aguardar a resposta deu-lhe as primeiras chineladas nas nádegas pretas:
_ Puta merda!
_ Aprendeu a falar palavrão com quem?
_ Com ninguém...
_ Então esse seu ninguém não vai lhe salvar de outras chineladas e do castigo. E sabe de uma coisa? A hóstia vai se transformar em uma pomba...
Naquele domingo, dia da sua primeira comunhão fingiu estar dormindo e mãe teve que lhe dar umas sacudidas. A mãe ajudou-o a vestir aquela roupa branca, passou alguma “coisa” nas carapinhas e no rosto deixando-o brilhoso.
A caminho da igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro lembrava-se do palavrão que falara para a sua mãe e das palavras do padre:
_ Quem comunga em pecado mortal comete um grave pecado chamado sacrilégio. Quem deseja comungar e encontra-se em pecado mortal não pode receber a Comunhão sem recorrer antes ao sacramento da Penitência.
O caminho lhe pareceu bem mais curto e quando deu por si lá estava ele reunido as outras crianças para fazer a primeira comunhão.
Enquanto o padre celebrava a Santa Missa, ele estava acometido de dúvidas: O que fazer? Mastigar a hóstia antes que ela se transformasse em pomba?
O desespero comungou com ele quando foi formada a fila de crianças para receberem a hóstia da primeira comunhão.
Chegou a sua vez! Olhou para as mãos do sacerdote, e viu a hóstia que estava entre seus dedos:
- O corpo de Cristo!
Disse amém e mais do que depressa tentou engolir a hóstia antes que ela se transformasse em uma pomba! O castigo em forma de medo deixou-o apavorado quando sentiu a hóstia seca se instalar em sua garganta. Não havia mais jeito, a hóstia que era branca transformou-se em uma pomba branca!
O Padre Alberto sem entender olhou para ele profundamente. Ele desesperado e em passos rápidos gritou sufocadamente:
- A pomba! A pomba! A pomba!