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Doe Ouro para o Bem do Brasil

Somente quando fui licenciado do Corpo de Fuzileiros Navais em 1980, e passei a ser funcionário da Companhia Siderúrgica Paulista - Cosipa, que entendi o medo que minha mãe tinha do governador da Guanabara na década de 60.

Carlos Lacerda, conhecido como corvo, (Grande pássaro negro, de bico forte e longas asas) um dos mais ferrenhos opositores do governo federal em 1939, passou de fervoroso comunista a um inimigo implacável das esquerdas e das causas populares. Conhecido como corvo conspirador, conspirou contra Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart.

Nos tempos idos da década de sessenta, a minha mãe trabalhava como doméstica. Eu estava com oito/nove anos de idade e hora ficava com ela nas casas dos seus patrões ou quando  desempregada era acolhido pela minha  madrinha no morro de São Carlos no bairro do Estácio.

Iniciou- se nessa década na cidade do Rio de Janeiro, então estado da Guanabara, um processo de decadência e miséria.  O desemprego nas camadas populares cresceu assustadoramente. Minha mãe trabalhava em “casa de família” e hoje entendo as inúmeras vezes que mudara de emprego.

Naquela época, ficar a toa durante o dia, sem carteira assinada, era motivo para detenção policial, tipificada como vadiagem. Doméstica não tinha carteira assinada e minha mãe morria de medo dos rumores sobre os mendigos, cães nas ruas e desocupados que sumiam das ruas da cidade.

Eu alheio aos acontecimentos me juntava as outras crianças que rodopiavam e cantavam canções que tinham temas pra lá de variados. Girava com elas pra lá e pra cá e até pulava com uma perna só:

A carrocinha pegou
Três cachorros de uma vez.
A carrocinha pegou
Três cachorros de uma vez.
Tralalá,
Que gente é esta.
Tralalá,
Que gente má! 

Tralalá,
Que gente é esta.
Tralalá,
Que gente má! 

As duas rodas giravam em sentidos opostos cantando a música. Quando
chegava em "Que gente é esta", cada um dos que estavam na roda menor escolhia um colega da maior e, de braços dados, rodopiavam. Depois, trocávamos de lugar com as que estavam na roda menor.

Quando, em 31 de março de 1964, a tropa de Minas Gerais comandada pelo general Olímpio Mourão Filho, marchou rumo ao Rio de Janeiro para depor o então presidente do Brasil, João Goulart, minha mãe prestava serviços a uma família do bairro Grajaú. Muitas vezes encontrei-a aflita e chorando. Quando lhe perguntava por que estava chorando me respondia evasivamente e me deixava brincar na rua com os meus amigos.

A maior parte da sociedade brasileira apoiou os militares. Olímpio Mourão Filho e a sua tropa foram recebidos como heróis na capital da Guanabara. Estava consolidado o golpe militar, que implantaria a ditadura que se estenderia de 1964 a 1985.
Os pilares dessa ditadura foram construídos pela ambição de três governadores de estados brasileiros: Adhemar de Barros, governador de São Paulo, Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, governador do então estado da Guanabara (incorporado ao estado do Rio de Janeiro em 1974). Ambicionando a presidência da República, estes três homens apoiaram o golpe, desencadeando um clima político no país para que ele fosse executado.

Ambicionando serem presidentes da república, os governadores Adhemar de Barros, de São Paulo; Magalhães Pinto, de Minas Gerais; e Carlos Lacerda, do estado da Guanabara foram o alicerce para a consolidação do golpe.

Recordo-me na rua brincando de disputar figurinhas de jogadores de futebol no bafo-bafo. Minha mãe se aproximou muito preocupada e me levou para casa. Rasgou as figurinhas a pensando ser de política:

_ Meu filho... Me promete nunca se meter em política?

Eu sem entender direito o que estava acontecendo, o porquê dela rasgar minhas figurinhas e do que estava falando, balancei afirmativamente a cabeça. Mais tarde a patroa da minha mãe soube do acontecimento e explicou-a que aquelas figurinhas não se tratavam de políticos.

“Dias “após o golpe militar, se bem me recordo em mais um 13 de maio, iniciou-se a campanha,” Doe Ouro para o Bem do Brasil”. Há registros de que mais de 100 mil pessoas desde as mais modestas fizeram doações. Operários doaram o pouco que havia: anéis, pulseiras e pequenas fortunas.

Quem fazia a doação, recebia uma aliança de latão com a inscrição "Doei ouro para o bem do Brasil". Hoje sei que o valor arrecadado jamais foi revelado, e tampouco o destino que as jóias tiveram.

Perguntei a minha mãe se ela não tinha ouro para me dar, pois eu queria receber uma aliança de latão e dar de presente para ela. Não me lembro o que me disse. Dias depois estávamos pela noite caminhando por um bom tempo por uma rua larga do bairro da Tijuca. Não compreendia o porquê de tanto caminhar a pé se passava vários ônibus por nós indo ao mesmo sentido. Pareceu-me que se passaram horas até chegarmos a uma casa. Fomos recebidos por uma senhora que me deu um prato de sopa. Devo ter dormido sobre a mesa. No dia seguinte a minha mãe subira o morro de São Carlos e me deixara com a minha madrinha.

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Atualizado em: Qua 11 Jan 2012

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