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O Clã do Paralelo 30 - Capítulo Sete – Plano de Contingência

- Me larga, sua louca! – gritou Alexandra tentando se livrar da mão da mulher que segurava, muito forte, o seu braço.

- Cala a boca e vem comigo – ordenou secamente ela.

- Me larga. – Gritou novamente Alexandra. – Não vou a parte alguma contigo e com ninguém. Me solta que eu quero sair daqui.

- Tu vem comigo – afirmou a mulher que segurava Alexandra pelo braço. – Rápido.

Ela começou a puxar Alexandra até um Opala preto que estava estacionado na rua. Alexandra se debatia, tentava, em vão, se soltar da mão forte que a agarrava.

Ela parou, visivelmente sem paciência, se aproximou do rosto de Alexandra:               - Se tu continuar com isso, uma de nós vai se machucar, e não vai ser eu. Agora, entra no carro. Vamos. Mas não tenta fugir, entendeu bem?

Aquelas palavras firmes bateram como um soco no cérebro de Alexandra. Ela parou de se debater e caminhou até a porta do Opala.

- Alexandra. – Juliano gritou ao vê-la.

A porta do Opala foi aberta com a mulher, no volante, ordenando que ela entrasse o mais rápido possível. Alexandra seguiu as ordens sem contestar.

Assim que ela sentou no banco do passageiro, alguma coisa pesada caiu sobre o carro. A mulher ao volante ligou o carro, mas antes que ele partisse, uma pedra entrou carro adentro, estilhaçando o vidro traseiro do veículo. Alexandra começou a gritar, apavorada.

O Opala arrancou cantando os pneus. Pelo espelho retrovisor, a mulher ao volante, pode ver que elas estavam sendo seguidas por Juliano, que as perseguia como um animal correndo atrás de sua presa. Ao virar uma curva, o perdeu de vista.

Andaram algumas quadras em silêncio. Até que Alexandra resolveu falar.

- O que tu estava fazendo lá?

A mulher ao volante olhou para ela com uma expressão que demonstrava desprezo e nem uma vontade de falar. Continuou olhando para frente.

- Vai me responder? – insistiu Alexandra. – Eu quero saber o que está acontecendo. O que foi aquilo lá no Gasômetro. E não vem me dizer que tu não sabe por que, eu acho, que tu estava me seguindo, ou nos seguindo. Tu viu tudo.

Novamente, a mulher ao lado dela, a encarou em silêncio. Empurrou um CD que estava para fora da entrada do rádio e aumentou um volume. Tocava RPM, Olhar 43.

- Muito conveniente – falou Alexandra se arrumando no banco para que se sentisse mais confortável.

Começou a olhar para as ruas iluminadas pelos postes. Observava as

pessoas que circulavam àquela hora da noite. Ainda estava sob o impacto daquela noite. A maneira como Juliano tinha conduzido tudo, como ele tinha se transformado, não saia da sua cabeça. Era como se fosse um filme que se repetia continuamente. A cada reflexo das lâmpadas que iluminava o interior do carro, as cenas se repetiam em flashes, como fotos perdidas.

- Me leva pra casa – pediu Alexandra perdida nos seus pensamentos.

A outra, olhou sem expressão alguma, para o lado. Aumentou o volume novamente, mais alto. A musica “Metamorfose Ambulante”, de Raul Seixas, explodia nas orelhas de Alexandra.

O Opala estacionou na rua sobre a Avenida Borges de Medeiros. A rua estava quase deserta, a não ser por um carro parado, exatamente, sobre a parte que está localizada sobre a avenida abaixo.

- Sai – ordenou a mulher ao volante.

- O quê? – perguntou Alexandra. – Sair? Aqui? Só se eu for louca. Eu pedi para que tu me levasse para casa. Tu não pode me fazer esse, e único, favor?

Visivelmente contrariada, a mulher se inclinou sobre Alexandra e abriu a porta do Opala.

- Desce – ordenou. – E não me faz repetir ou vou te empurrar porta á fora.

Alexandra desceu. A sua cabeça estava confusa. De repente, um medo tomou conta da sua razão. Qual era a intenção daquela mulher insana?  A deixar ali, perto da praça da frente da Igreja Matriz, sabendo que ali era um lugar cheio de assaltantes e drogados. Ao menos, poderia correr para casa. Nem táxi ela podia pegar por que a sua carteira, com todos os documentos e o pouco dinheiro que tinha, estava num daqueles cadáveres no Gasômetro.

O carro que estava estacionado mais adiante acendeu os faróis e sinalizou com duas piscadas de luz. O Opala respondeu. Desceram dois homens de dentro. Inicialmente, Alexandra não pode reconhecer, mas, à medida que se aproximavam, ela distinguiu a silhueta de Jéferson. O outro, mais magro e mais velho, ela não conhecia.

Assim que Jéferson foi pego pela iluminação do poste, a mulher que a havia seqüestrado saiu do carro, furiosa, ao encontro dele.

- Olha só o estado do meu carro. Olha só. Eu fiquei sem o meu parabrisas traseiro.

- Isso não era pra ter acontecido – respondeu ele, sem olhar para ela.

- Ah, legal. Não era mesmo. E agora? – perguntou ela se colocando na frente dele.

- A gente fala com o Rodrigo e ele conserta.

- E eu vou ficar sem carro até lá? Como eu vou me movimentar? Voando? – insistiu ela parando bem na frente dele.

- A gente conversa sobre isso depois, Sabrina – interveio o homem ao lado de Jéferson.

- Depois? – gritou Sabrina parando na frente do homem que usava um casaco de terno e uma calça de tergal xadrez, uma camisa social cor creme.

- Depois. – Falou ele a segurando pelo braço e a aproximando do rosto dele.

Alexandra observou como Sabrina, agora ela sabia quem era aquela “coisinha estranha”, se afastou quieta.

- Como tu está? – perguntou Jéferson conferindo com o olhar a integridade física de Alexandra.

- Eu estou bem. Um pouco, na verdade, muito, assustada. – Respondeu ela arrumando a roupa amassada no corpo. – Tu pode me contar o que está acontecendo?

- Acho melhor você nem saber. – Respondeu ele virando-se e caminhando até onde Sabrina e o homem conversavam.

- Como assim “e melhor eu nem saber”? – Alexandra perguntou e começou a seguir ele.

Assim que Jéferson se aproximou dos dois que discutiam acaloradamente, perguntou:

- Como é que ele está?

- A loucura tomou conta – respondeu Sabrina olhando por cima do ombro de Jéferson e encarando Alexandra. – Ele matou três assaltantes. Isso não foi o pior. O pior é que tinha testemunhas. Um casal que estava como refém e ela, ali.

- Vocês estão falando do Juliano? – perguntou Alexandra se metendo na conversa. – Então, tu viu? Tu estava me seguindo?

Sabrina olhou para ela, mas não respondeu. Continuou a conversar com os dois:

- O casal viu quando ele comendo a cabeça de um dos bandidos, correu. – Ela disse com uma expressão de riso no rosto. – E tem ela. Ela viu ele matando os caras. E, não sei se não mais o que ela viu.

O homem de terno olhou para Jéferson com um ar de repreensão.

- Eu acho que a gente está com dois problemas bem graves agora – falou ele. – Ele era tua responsabilidade, Jéferson. E, agora tem mais gente envolvida.

- Ah, Thomas, nem vem. Tu sabe muito bem que esse tipo de situação é totalmente imprevisível. Eu tinha combinado que a gente ia ficar de olho nele até que a loucura tomasse conta. Só que a gente não tinha certeza como ou quando isso ia acontecer.

- A gente? – Alexandra interrompeu. – Que “a gente” é essa que tu está falando?

Não houve resposta para a pergunta dela. Eles olharam e continuaram a falar entre si.

- O pessoal da limpeza já está lá? – perguntou Thomas a Sabrina.

- Acho que já devem ter feito tudo. Tirado os corpos e tirado o pirado de circulação. Até mesmo, acho eu, devem ter dado um jeito naqueles dois que viram tudo. – Respondeu calmamente Sabrina.

- Ao menos isso. – Suspirou Thomas. – E agora? A gente tem que pegar o tal de Juliano. Esse cara, desse jeito, pode fazer muito estrago. Pode colocar tudo a perder. Além, de começar a deixar rastro por onde passa e despertar atenção de quem não deve.

- Temos que bolar alguma coisa. Uma maneira de pegar ele sem que isso levante qualquer suspeita. A melhor coisa a fazer é entrar em contato com pessoal que está no trabalho dele. Mexe os pauzinhos para que surja uma viagem ou transferência para um lugar qualquer. Assim, a gente pega ele e o sumiço passa despercebido.

- Isso é o de menos, Jéferson. O maior problema é se ele começar a atacar as pessoas mais próximas. Família, amigos, colegas de trabalho. A gente não sabe o que pode acontecer quando ele fizer isso – Thomas falou, pensativo, olhando para os carros passando sob a ponte.

- Então, temos que correr contra o tempo. – Respondeu Jéferson olhando para a alvorada que começa a mudar a cor do céu sobre Porto Alegre.

- E ela? – perguntou Sabrina apontando para Alexandra com a cabeça. – Ele pode ir atrás dela. Sabe onde ela mora. E ela é presa fácil.

Jéferson olhou para Alexandra pensativo.

- Vamos fazer o seguinte: Sabrina, você toma conta dela. Fica de tocaia. Caso ele apareça, manda um sinal para a gente.

- Opa, opa, opa – interrompeu Alexandra. – Ela vai ficar de tocaia? Eu vou ficar sendo seguida por essa aí? Vocês já ouviram falar em privacidade? Olha aqui, eu tenho uma vida, ou vocês não desconfiam disso.

- Concordo com ela – disse Sabrina.

A resposta surpreendeu Alexandra. Pela primeira vez, naquela noite, Sabrina tinha dito alguma coisa favorável a ela.

- Eu não quero ficar perto dela. Essa mulher é histérica. E é um porre também. – Sabrina olhou para Alexandra com uma expressão de condescendência. – Não é nada pessoal, mas acho que a gente não se cruza. Não gosto de você.

- Saiba que o sentimento é recíproco – respondeu ironicamente Alexandra.

- Deixem, as duas, de picuinhas. – Thomas falou levantando a voz. – Olha, Sabrina, você é a única que pode ficar de olho nela. E sobre privacidade, acho que nada melhor que uma mulher dividir o espaço com outra.

- Nem morta, eu divido o meu espaço com essa “coisa esquisita” – interrompeu Alexandra.

- Se você quiser, posso ajudar quanto ao “morta” – Sabrina disse para Alexandra em tom de deboche.

- Parem. As duas – gritou Jéferson. – Está decidido. Sabrina, você fica a cargo da segurança da Alexandra. E você, Alexandra, pára de ser infantil. Ao menos, dessa vez. Não quero mais saber de discussão. As duas entenderam?

As duas se olharam se analisando. Afirmaram com a cabeça que haviam entendido.

- Enquanto isso, colocamos um pessoal para seguir o Juliano – comentou Thomas. – Ele não pode fugir da nossa vista. Sempre que ele chegar em algum lugar, o nosso pessoal entra, discretamente, e arruma o que tem que ser arrumado.

- A gente vai começar a caçada ainda hoje. Mas sem levantar as lebres. – Falou Jéferson com o olhar perdido nos primeiros raios de sol que banhavam, timidamente, os prédios da Avenida Borges de Medeiros.

Juliano estava trabalhando á horas. Aquela sensação de ressaca não o abandonava. Não tinha conseguido comer nada o dia inteiro. Não lembrava como tinha chegado em casa, ou como ele tinha vestido aquelas roupas e nem de quem eram. A carteira estava no lugar, sem um centavo a menos. Acordou na sua cama, vestido com roupas maiores que o seu número. Procurou por Alexandra o dia inteiro, mas o celular estava desligado. Quem sabe, havia bebido mais que a conta. Ela o havia trazido para casa. O que não tinha explicação, ainda, era de quem eram aquelas roupas.

Assim que saiu do trabalho, resolveu visitar o irmão Jean, que há alguns meses não via. Chegando no apartamento, ele foi recebido pela cunhada, Letícia, sempre muito doce e atenciosa. Para variar, ela estava saindo para dar aula de teatro. Raramente se encontravam por que ela trabalhava sempre mais do que era necessário.

O irmão, Jean, estava tomando banho. Juliano esperou na sala de estar, olhando televisão.

Ele e Jean eram muito amigos. De todos os irmãos, era com quem Juliano mais tinha afinidade. Apesar de ser muito explosivo, Jean sabia como ser compreensivo quando era necessário. Ambos tinham personalidade forte, mas nunca atravessavam o limite imposto pelos dois do que era respeito e do que era aceitável.

Outra característica marcante no irmão era o amor que ele nutria por gatos. No seu apartamento de um quarto, além dele e da esposa, dividiam espaço seis gatos. Acho que ele se identificava com os felinos. Havia sido modelo, tinha um porte bonito, e olhos verdes claros que se destacavam no rosto anguloso e de pele morena. Era alegre e expansivo. Agitado. E tremendamente cativante. E tinha uma peculiaridade que aproximava os dois: adoravam usar kilts.

O irmão saiu do banheiro passando uma toalha no rosto. Tinha feito a barba durante o banho. Foram para a sacada e conversaram sobre as histórias do cotidiano dos dois. Jean, como fotógrafo e, Juliano, como trabalhador assalariado.

Durante a conversa, um dos gatos pulou no colo de Juliano e o arranhou. E, para a surpresa dos dois, os seis gatos atacaram Juliano, como se atacassem um inimigo.

Juliano se levantou assustado e começou a bater nos gatos os jogando pela parede ou na direção da tela de proteção da sacada.

Jean procurava tirar os animais de cima do irmão. Eles nunca tinham feito isso com ninguém. Aquela atitude era muito estranha. Ainda mais para gatos domésticos.

Nesse momento, Jean percebeu que Juliano estava fora de si. Segurava os gatos pelo pescoço e os arremessava contra a parede da sacada. Dois animais caíram mortos no chão. Ele correu para impedir que o irmão matasse mais um felino. Quando segurou Juliano pelo braço esquerdo, foi empurrado para o fundo do cômodo, violentamente, e bateu com a cabeça na parede mordendo o lábio. Levantou furioso e foi ao encontro de Juliano que apertava o pescoço de um dos bichanos já morto por asfixia.

- Fica aí, mano! – gritou Juliano voltando o rosto para o irmão com a face totalmente desfigurada e olhos injetados de um vermelho sangue. Dos cantos da boca, escorria uma saliva amarela com partes vermelhas.

Jean recuou. Os músculos do rosto do irmão pareciam estar se contorcendo sozinhos. Como se tivessem vida própria, elas se mexia sob a pele. E a boca estava puxada para trás, com os dentes, quase todos, a mostra. Ele, horrorizado, viu Juliano morder o pescoço do pobre animal nas suas mãos, expondo músculos e tendões numa enorme ferida que jorrava sangue. Ele correu para chutar o agressor, mas Juliano segurou o pé dele no ar.

- Eu disse que era pra ficar lá – falou Juliano amassando os dedos dos pés de Jean, que sentia os ossos estalarem. – Eu não ia fazer nada contra você, mano – ele largo o pé do irmão e este caiu sentindo muita dor no chão da sacada. – Não ia.

Juliano se levantou e atirou para dentro do quarto do casal o pequeno varal de roupa que ocupava um canto. Segurou uma cadeira de madeira com as mãos e a destroçou. Ficou com uma das pernas numa das mãos. Era um pedaço com várias lascas pontiagudas. Começou a andar na direção do irmão batendo com o pedaço de madeira no porta da sacada.

- Lembra, mano, quando a gente era menor? Lembra que tu adorava brincar de luta comigo? Que tu sempre me batia e me fazia sangrar a boca por causa dos seus socos? – disse Juliano se aproximando do irmão e se abaixando até ficar perto dele – Agora, quem quer brincar de luta sou eu.

Levantou o pedaço de madeira e baixou com a maior força possível na perna direita, a mesma que ele tinha torcido os dedos, do irmão.

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Atualizado em: Ter 22 Dez 2009

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