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Diários de caça - Capítulo 8 - Filhote

Felipe era um caçador mais astuto e paciente do que eu poderia supor. Pois ele não fez absolutamente nada imediatamente depois do flagra. Os cultos seguiam sua normalidade e eu esperava o momento em que ele iria me abordar para me propor o que quer que fosse, mas esse momento nunca chegava.
Cheguei até mesmo a imaginar que ele havia desistido, que talvez julgasse o desafio grande demais ou que tivesse encontrado um alvo mais apropriado. Pensamento esse que me deu tanto alivio quanto decepção.
Todas essas crenças, contudo, foram quebradas em uma tarde de quarta, em que por acidente, esbarramos, eu e minha mãe, com ele no mercado. Eu o vi primeiro, estava acompanhando minha mãe, que escolhia o peixe para o jantar. Esbarrei com ele no corredor das conservas, onde fui buscar o molho.
- Fábio, que prazer ver aqui - e me deu uma boa olhada de cima a baixo.
Ou Felipe estava menos cuidadoso, eu, uma vez que tinha visto sua real natureza, estivesse identificando os sinais com mais clareza.
Mas o fato é que ele definitivamente me dissecou com o olhar, parecendo imaginar o que tinha por debaixo dos tecidos que me cobriam. O olhar foi rápido, cirúrgico, um raio x completo em poucos segundos. Aproveitei o tempo para fazer o mesmo.
Felipe era um homem de meia idade, de cabelos e olhos num castanho claro. Tinha um rosto fino e simétrico, e aparentava ter menos idade que de fato tinha. O corpo era atlético, tinha os ombros largos dos anos de natação, e um peitoral volumoso, mas no geral era magro. Devia ser apenas uns 2 cm mais baixo que eu.
- Olá, pastor - o saudei, após eu também fazer minha avaliação.
- Foi providencial nos esbarrarmos hoje, pois tive uma boa ideia do que podemos fazer para remediar aquela situação.
Ele não continuou, pois minha mãe apareceu logo
- Pastor, Felipe. Que surpresa agradável.
Cumprimentaram-se e ele continuou:
- Foi bom ter chegado, Maria. Estava justamente conversando com seu filho e ele me contou que nunca foi batizado.
A maneira como ele entrou naquele assunto fictício me impressionou. Eu sempre me considerei um bom mentiroso, mas Felipe era quase teatral. A naturalidade com que saia de um assunto para outro, uma cena para outra. Decidi observar
- Eu mesmo falei com o senhor uma vez, pastor. Meu marido não é muito dessas coisas e decidimos que Fábio faria depois que tivesse idade para escolher. - minha mãe não conseguia esconder a discordância com tal ideia.
- Pois então ele já deve ter te contado que me solicitou tem alguns dias.
O sorriso no rosto de minha mãe me deixou desarmado. Sabia o quanto aquilo poderia significar pra ela
- Verdade, filho? Mas por que não me contou?
- Eu.. ainda estava indeciso, na verdade - ponderei
- Fábio, apesar do que parece, é tímido para estes assuntos. Por isso mesmo me pediu que o ritual fosse feito de forma privada. Somente eu e ele - continuou, falando com a serenidade que poucos são capazes de dissimular.
- Mas... Nem eu poderia ir? - e me olhou como se eu a tivesse privado de um prazer real.
- Sabe como são os adolescentes, Maria - ele não me deixou falar - É uma idade em que querem fazer tudo independente dos pais. Querem se mostrar capazes de cuidar de si. Por isso ele veio me pedir. Desculpe, Fábio, imaginei que tivesse contado a ela
- Não. Tudo bem. Eu não iria guardar segredo. Estava apenas tomando a decisão - entrei na mentira, vendo até onde aquilo iria.
- Bem, fico feliz que queira se batizar, meu filho. É algo lindo. E se quiser manter segredo, tudo bem. Embora diga que isso não é nenhuma vergonha. Nunca é tarde para se abraçar a fé.
- De fato - Felipe deu corda - por isso Maria, gostaria de lhe pedir. Pensei em pegar o Fábio emprestado esse sábado, para fazermos. Mas como domingo tem a festa das crianças, precisaria, mais que nunca, de você para tomar conta dos preparativos. Uma vez que estarei ocupado.
- Claro, pastor. Conte comigo.
- Não sei o que faria sem ti - e lhe beijou o rosto.
O elogio e o próprio carisma do pastor foram o bastante para ludibriar minha mãe, que cega em sua fé e nos homens que a regem, não via o chacal que estava diante dela. Felipe se despediu e ficamos só eu e minha mãe, que parecia não se conter em si, tamanho orgulho.
Aquilo começou a me fazer sentir culpa
- Mãe, gostaria de pedir que a senhora não comente o caso com meu papai, por favor
- Mas por que? Fábio, seu pai, mesmo agnóstico, nunca se impôs contra você e sua irmã terem uma fé.
- Sim, eu sei. Apenas... Não sei ainda. O que eu quero
Ela me olhou com carinho e assentiu
- Tudo bem. Você conta quando estiver pronto.
Comecei a ficar ansioso com a chegada do fim de semana, como nunca estive antes. O que fez apenas o tempo brincar de se arrastar mais vagarosamente.
Na manhã daquele sábado, meu pai veio me perguntar o que acontecia. Pois notava que eu estava aéreo.
- Nada demais. Apenas pensando nas provas finais - menti.
Se ele acreditou, não saberia dizer.
Na manhã de sábado, apareci cedo na igreja. Felipe já estava pronto e sem ensaios, me deu uma carona até a fronteira da cidade. Não falamos nada, mas Felipe parecia muito relaxado.
Ao chegarmos na área da mata, saímos e seguimos por uma trilha fechada.
- Tem um riacho ótimo, logo a frente. Conhece?
- Não - menti, pois preferia que ele pensasse que eu estava indefeso - não costumo vir por esses lados
Aquela de fato não era uma total mentira, pois aquela área não apresentava muita caça e o riacho do qual Felipe se gabara era bastante calmo, quase parado. Parecia mais um pequeno lago, sem grandes atrativos.
O caminho foi relativamente longo, e eu fiz questão de ir devagar, ainda simulando desconhecer aqueles lados.
Chegamos enfim a parte que ele queria. Felipe, animado, pegou a mochila e me estendeu uma peça de roupa que assemelhava uma camisola.
- Vista. Vamos aproveitar o tempo bom.
Felipe pareceu se entreter com as coisas que trazia, mas bastou eu começar a me despir para sentir o seu olhar recair sobre meu corpo. Fingi não notar e continuei, ficando nu antes de me vestir com a camisola.
Ele fez o mesmo, vestindo uma batina branca. Felipe tinha um corpo bem feito para a idade. Percebi que seu órgão estava inchado, apresentando um fluxo anormal de irrigação.
Entrei na água gelada e senti a mão do pastor em minhas costas, guiando-me. Chegamos a uma parte onde a água dava na altura de meu peito e paramos. Ele pegou um punhado com o cálice que trazia e despejou sobre minha testa, orando baixinho
Esperei dócil, deixando-o conduzir seu rito.
Sua mão passou pelo meu peito e a outra apoiou meu pescoço por trás. Foi me descendo até eu ir adentrando a água. Tampei o nariz e fiquei submerso por alguns segundos. Ele continuava orando, passando a mão pela minha cabeça e fazendo caricias descendo pelo pescoço.
Eu não conseguia entender exatamente suas palavras, não sabia que tipo de oração era. Em alguns instantes eu conseguia identificar palavras como "pureza", mas sem significado algum. Sua mão, aos poucos, descia o corpo, passava pelo meu peito, costas.
Mais de uma vez ele me fazia submergir, e nesse instante, sentia sua mão deslizar rapidamente de meu peito, descendo e alisando minha barriga e meu órgão.
Eu o olhava fixamente, mas ele não retribuía em nenhum momento. Minha mão colidiu com o volume em sua batina, que já estava inconfundivelmente duro.
-Felipe pegou mais água e despejou sob minha cabeça, espalhando a mesma e descendo a mão. Uma na frente e outra por trás. Desta vez, alisando forte toda minha carne. Quando ela desceu, acariciando-me as nádegas, foi a hora de eu agarrar seu pulso em um movimento rápido e preciso.
No mesmo instante, seus olhos se alarmaram, surpresos pela reação.
Com calma, peguei a mão que estava em minha bunda e a pus em meu pau.
- Não pense que sou um dos bobos do seu rebanho, pastor. Se quer tirar uma casquinha, vai ter de me agradar.
Minha conversão estava completa. Era a hora do lobo tirar a pele de cordeiro e mostrar os dentes. Ele tentou sorrir em desdém.
- Mas do que você está falando?
- Vou te mostrar.
Então, num movimento firme, entortei seu braço, subjugando-o.
- Vem comigo - e o fui conduzindo para fora da água.
- Fábio, pare. Você vai me machucar assim. - protestou.
- Não se o senhor cooperar.
Sem conseguir oferecer muita resistência, saímos da água e eu o lancei de joelhos ao chão. Tirei aquela camisola ridícula e o empurrei com o pé, fazendo-o cair então rolar até ficar de barriga pra cima.
Montei por cima dele, sentando em seu peito e prendendo seus braços com as pernas.
- Vamos. Chupa - mandei
- Melhor pararmos .
Mas calou a boca quando o golpeei com meu órgão duro em seus lábios.
Mais uma vez ele se assustou, me encarando sem parecer acreditar em minha transformação. Era esse o olhar que eu queria ver
- Anda - e bati de novo, dessa vez no rosto. Meu órgão pesado parecia um cassetete.
Ainda parecendo confuso, abriu a boca e chupou a cabeça, de forma dócil e temerosa.
- Bom. Agora engole tudo
E me posicionei, erguendo o quadril e me colocando em posição de prancha, acima de sua cabeça. De forma ao órgão ter total penetração. Fui introduzindo, enquanto Felipe segurava minha cintura e tentava, em vão, me empurrar.
Com calma, fui iniciando o movimento, vendo meu pau deslizar por dentro de sua boca. Uma lágrima escorreu quando toquei o fundo da garganta. E ao tirar, ele tossiu copiosamente.
Divertindo-me, levantei e andei em torno dele, como um leão circundando sua presa antes de atacar.
- Acho que já brincou o bastante - limpou a boca, tentando manter a dignidade.
- Eu acho que não - e rapidamente, avancei e puxei sua batina. Deixando-o nu num segundo. O órgão duro sacudia. - e vejo que está aproveitando.
- Exijo respeito - tentou vociferar
Mas eu o peguei pela nuca e aproximei bem o meu rosto do dele
- Todo o predador respeita sua presa, padre. Da apenas àquilo que ela pode suportar.
Se ele entendeu algo do que eu disse, não saberia dizer. Mas continuei mesmo assim. O pus de quatro no chão terroso e me preparei para encaixar
- Por favor... Não - falou naquela voz tremida de quem sabia que não tinha escapatória.
Apesar da negativa, se manteve de quatro a minha frente, com aquele buraquinho bem adiante, pronto para me receber
Ignorei seu pedido e encaixei. Ele tremeu, mas não fugiu. Enfiei e, mais fácil do que supus, comecei a devorar.
Felipe se manteve o tempo todo de cabeça baixa, segurando qualquer tipo de reação. Recebeu as estocadas sem demonstrar nada. Como quem recebe uma penitência que sabe merecedor.
Seu pau, por outro lado, não amolecia, balançando conforme colidia contra ele. Gozei a primeira vez, mas isso não diminuiu em nada meu ímpeto. E continuei. Fodi não só com tesão, mas também com um pouco de raiva.
O som das batidas se misturavam com o chacoalhar do gozo remexido em seu interior. Uma densa espuma branca começava a se formar em meu órgão, saindo de seu orifício. E eu não parei
Pois aquilo não era uma caçada comum, não era uma relação predatória. Não. Éramos dois predadores, competindo o mesmo território de caça. Assim como uma hiena não entrava no território dos leões sem sofrer as consequências, eu não podia deixar a sua afronta de dias atrás passar impunemente.
Então o fodi, para além de gozar, para lhe dar uma lição. O silêncio de Felipe era toda a reação que eu queria. Pois eu o tinha exatamente como e onde desejava. De quatro, submisso, e ainda mais: o tinha excitado. Pois seu pau duro, balançando a cada golpe proferido denunciava todo aquele êxtase que ele tentava ocultar. Aquele êxtase inconfessável que devia estar sentindo de finalmente ser domado por um superpredador.
Não falei nada enquanto o deflorava, me entregando por completo a tarefa. Sequer senti o êxtase de ejacular pela segunda vez, tão entregue que estava naquele momento. Apenas percebi meu órgão amolecer em seu interior, enquanto desferia golpes sem piedade. Quando, enfim exausto, terminei, sentei no chão arenoso deixando seu corpo cair.
Fiquei em silêncio, recuperando o fôlego enquanto o via, derrotado, tatear o chão atrás das roupas. Esperei, vendo seu pau ainda inchado, pingando.
Se vestiu e fez menção de sair.
- Pode esperando aí - me levantei, olhando sério - Ainda vai me levar em casa. Ou se esqueceu que estou a seus cuidados? - ri em ironia.
Felipe esperou em silêncio, de cabeça baixa, enquanto eu me vestia. Fingi não perceber que seus olhos, vez ou outra, escaneavam meu corpo novamente. Era claro que havia gostado da experiência, mas não iria admitir uma vez que saíram totalmente do seu planejamento.
Andamos a trilha que levava a seu carro, sentei no carona e, quando ele estava pronto para ligar o motor, o segurei pela nuca e o fiz me encarar.
Gostei de sentir seu susto. Estávamos cara a cara agora. Era capaz até de sentir o cheiro do seu hálito.
- Obrigado pelo batismo, pastor. Me sinto agora, mais do que nunca, alguém do seu rebanho.
E o beijei. Não como um gesto de carinho, mas de poder.
- Te vejo atrás da igreja após a missa de terça. É um dia mais monótono e creio que não chamaremos atenção.
- Mas...
- Shiiii - o calei com o dedo em riste - Vamos embora.
E me recostei, vendo ele se calar e dirigir. Estufei o peito, me sentindo vitorioso.
Quando desci do carro, a casa estava quase vazia. Com exceção de minha irmã, que lia no sofá.
- Mas que cara é essa, Fábio? Vi você saindo do carro do pastor Felipe.
Eu tentei disfarçar o sorriso de triunfo.
- Nada, não. Apenas estou bem. - expliquei.
- O pastor é um homem muito bom, não é mesmo? Mamãe quem diz.
Nesse momento, um alerta se acendeu dentro de mim e eu falei quase sem pensar.
- Não, não é.
- O que houve? - ela se surpreendeu com minha atitude. Percebi que meu semblante mudou imediatamente.
Amélia tinha apenas 12 anos na época. Muito jovem para determinados assuntos
- Nada, só... Amélia, você confia em mim?
- Claro, irmão.
- Então me prometa uma coisa: jamais fique sozinha com o Pastor Felipe. Sempre que tal ocasião surgir, saia de perto, invente uma desculpa. Procure mamãe, eu ou alguém de confiança na igreja. Me promete
Ela não entendeu, mas tão pouco questionou.
- Tudo bem.
Eu me precipitei e a abracei. Senti ela se assustar e então sorri e disse que a amava. De repente, uma urgência começou a me atacar o coração. O senti palpitar e por mais que tentasse entender o que era, simplesmente não conseguia justificar o medo que estava sentindo.
No dia seguinte, na festa da igreja, a aflição havia enfim me deixado. Ajudei minha mãe carregando as coisas necessárias durante aquela manhã e de tarde, aproveitei a festa, beliscando alguns quitutes.
Quando Bianca veio falar comigo, parecia um tanto quanto preocupada.
- Fábio, posso falar com você?
Concordei com um aceno e ela se aproximou.
- Soube que você e o pastor foram ao riacho, apenas vocês. Aconteceu alguma coisa?
- Não se preocupe - terminei de engolir o sanduíche - A situação está sob controle.
Creio que minha segurança a tranquilizou. Pelo menos a princípio. Porém, o que eu ouvi ao lado me chamou a atenção, ao mesmo tempo em que me fez acelerar novamente os batimentos.
- ...meu filho, por exemplo, tem andado muito mais quieto, muito mais comportado, após o batismo. Nada como abraçar a fé para expulsar todos os males.
Era Márcia, uma vizinha. Seu filho, Otávio, eu conhecia. Era um dos colegas de escola de minha irmã.
- Minha filha já foi batizada quando completou meses, mas começo a pensar que deveria fazer novamente. Como uma dose de reforço. Ela anda muito respondona ultimamente.
Sua interlocutora era Teresa, mãe de Joice, que devia ter uns 10 anos
- Eu recomendo. O pastor Felipe usa o método antigo, sabe. No rio, onde a purificação e mais forte...
- E a senhora estava lá? - interrompi, antes mesmo de me dar conta.
Ambas as mulheres se assustaram, pois não imaginavam estarem sendo ouvidas.
- Oi Fábio...
- Responda! - insisti. Sem perceber, estava falando alto
- Fábio, o que foi? - Bianca me chamou.
Olhei para ela e vi que estava assustada com minha atitude. Notei o mesmo medo nos olhos das duas senhoras
Respirei fundo e saí dali.
Andei como um desvairado, caçando entre a multidão de pessoas até enfim achar quem eu queria. E a imagem terminou de derrubar-me o ânimo.
Na parte descampada, haviam muitas crianças brincando com uma bola. E dentre eles, parecendo a única que não estava em total sintonia com a cena, Otávio.
Ele brincava com as demais. Mas de uma certa forma, não parecia ter o mesmo brilho no olhar. Não corria como as outras, não se entregava ao jogo. Pegava a bola e arremessava como se apenas seguisse comandos, como se não estivesse totalmente ali. Distraído como estava, se assustava fácil quando alguém lhe gritava o nome. O rosto sem emoções me deixou ainda mais comovido, que se o tivesse vendo chorar.
Uma parte de mim lutada desesperadamente para não acreditar nas formulações que minha cabeça produzia
Quando a bola rolou para longe e Otávio foi buscar, eu o segui.
- Oi, Otávio - falei com cautela, sentindo intensa dificuldade em formular palavras. Até andar até ele me parecia sofrido, minhas pernas pesavam. Eu nunca na minha vida senti um medo tão imobilizador.
- Oi. - e me olhou com pouca curiosidade. Como se não ligasse para minha presença, tal como não parecia ligar para nada ao redor.
- Eh... Otávio. Eu posso te perguntar uma coisa?
Ele não entendeu e eu segui diante o seu silêncio.
- Quando você e o pastor, Felipe...
Mas não precisei continuar. O simples nome do pastor o fez segurar a bola com maior firmeza. Num espasmo.
- Eu tenho de voltar a jogar - e foi se desvencilhando.
- Otávio. Você pode me contar
O garoto chegou a parar, mas então seguiu, sem olhar para trás.
O que aconteceu depois, nem eu mesmo sou capaz de explicar. Simplesmente, senti a presença do pastor ao meu lado, falando daquele jeito calmo e diplomata.
- O que está fazendo, Fábio?
Minha mão simplesmente se fechou em punho e o atingiu em cheio no rosto. A queda foi imediata, mas antes que pudesse continuar, escuto as vozes alarmadas me pedindo para parar.
Seriam vozes facilmente ignoradas, se dentre elas eu não reconhecesse a de minha mãe
- Fábio, meu filho, o que houve?
Os olhares de recriminação vieram diretamente até mim. Eu não soube o que dizer. E essa foi a deixa para Felipe.
Demonstrando uma calma quase sobre-humana diante da situação, ele se ergueu, limpou o sangue da boca, e bateu na roupa para tirar a terra
- Não se preocupem. - acalmou a multidão - eu devia ter esperado essa reação. Infelizmente, eu acabei de expulsar o Fábio, por conduta irregular.
Começaram os murmúrios. Minha mãe, sem acreditar, insistiu que se explicasse.
Eu mesmo não sabia o que dizer, pois não consegui acompanhar imediatamente seu raciocínio. Ainda me encontrava perplexo com a calma de Felipe. Mas precisava me manter calmo, ou passaria ainda mais a imagem errada naquele contexto.
- Infelizmente não posso dar detalhes, uma vez que suas ações envolveram outros dos nossos membros, que não têm culpa. Foram ludibriados por Fábio e expor nessas circunstâncias não traria nenhum bem a ninguém. Todos já estão sendo devidamente acompanhados.
Nesse instante, meu olhar encontra do de Bianca e eu entendi que havia sido pego. Ele já me tinha na mão muito antes, quando sabia que eu protegeria minha amiga. Eu pensei, inutilmente, que havia conseguido dar a volta por cima. Como um filhote, adentrei inocentemente a jaula dos adultos, acreditando que era capaz de brincar com eles
Meus ouvidos conseguiam detectar alguns sussurros da multidão. Partes de uma conversa, de um julgamentoEu sabia que não devíamos deixar ele entrarDado o pai descrente, quem pode esperar diferenteEu o vi agora pouco, parecia transtornado. Acho que se droga. Não seria surpresa...
Vários trechos, acompanhados dos olhares que me sentenciavam antes de eu sequer conseguir abrir a boca. Olhei para Otávio e ele estava escondido atrás da cintura da mãe. Sabia que dele não conseguiria ajuda e tão pouco seria justo o força a se expor.
Estava sozinho. Minha mãe que apesar de ser a única posicionada ao meu lado, que não tinha o olhar de condenação direcionado a mim, não podia fazer nada. Percebia em suas expressões corporais que, apesar de querer proteger sua cria, ainda não estava disposta a descrer do homem que até então julgava santo.
Aquilo me sufocou, eu me sentia como um animal que acabava de ser preso na cilada. Nesse contexto, apenas pedi licença e saí, tentando manter pelo menos um pouco da dignidade e da aparência de sanidade. Tudo o que minha mãe não precisava naquele momento era de um show de minha parte.
Caminhei o que para mim pareceram horas no curto trajeto até minha casa
Fui para o quintal e encontrei nosso velho balanço, que meu pai tinha montado para minha irmã ano passado e ela nunca usava.
Sentei e fiquei ali, enfim desfrutando de algum silêncio.
Minha mãe chegou e me perguntou o que havia acontecido. Eu respirei fundo e me abri para ela. Precisava daquilo, precisava desabafar. Eu estava sentindo muitas coisas pra suportar sozinho. Medo, arrependimento, vergonha ,culpa.
Eram demais. Quando minha mãe escutou sobre o pastor ter passado a mão e mim e sobre o que acredito ter acontecido com Otávio, ela, alarmada, responde:
- Meu filho, não pode ser. Você não deve ter entendido direito.
Tive de me segurar muito para não estourar, pois sabia que ela não era culpada de nada daquilo. Sua única culpa era ter depositado sua fé na pessoa errada. Eu fechei os olhos e respirei fundo.
- Mãe, por favor, me deixa sozinho.
- Mas filho...
- Mãe, por favor - elevei o tom, minha voz tremendo e eu odiaria desabar na frente dela naquele instante, tamanha a raiva que sentia.
Mas ela obedeceu. Quando entrou em casa e eu tive certeza que estava só, chorei. Chorei como há anos não lembrava.
Mesmo após ter acabado, ainda permaneci ali, refém de meus próprios pensamentos. Dilacerado pela minha própria culpa. Tão cego que estava com meu jogo, de ser o superpredador, não me dei conta de que na verdade eu ainda era um filhote, que mais pródigo que fosse, ainda tinha limitações. Achei ter vencido Felipe em seu jogo, mas aquela era apenas uma batalha sem importância de uma guerra épica, onde as maiores vitimas eu ignorava.
Nunca me senti tão impotente em toda minha vida. Incapaz de saber como agir. Era óbvio que Felipe tinha aquela comunidade em suas mãos. Que diante dele, eu não passava credibilidade alguma. Como esperar diferente daqueles crentes, se minha própria mãe teve dificuldades em acreditar em mim?
Foi já de noite, que meu pai veio pra casa. Ainda vestia o uniforme quando, antes de entrar, me viu no balanço. Sem nada dizer, caminhou até mim e sentou do lado e ficou quieto
Não falamos nada, por incontáveis minutos, apenas apreciando a companhia silenciosa um do outro. Quando finalmente falei, o fiz sem ele pedir ou sequer demonstrar interesse. Narrei tudo de novo, todos os acontecimentos. Já era um testemunho diferente do que falei para minha mãe, pois minha própria mente já havia processado outras variantes para o mesmo acontecimento. Admito que meu novo discurso foi muito mais racional e coeso, pois o tempo havia me dado a capacidade de enredar melhor aquela história, dando a ele um relato digno de fé, e não a avalanche de acusações que joguei sobre minha mãe.
Meu pai ouviu tudo, sério, fitando o carro estacionado. Quando acabei, ele apenas me encarou e pôs a mão no meu ombro. Lembro até hoje daquele olhar, pois só o tinha visto uma vez antes, em um episódio em que um tio avó meu havia desrespeitado minha mãe, em uma festa de família.
Naquele dia, meu pai nada falou. Apenas se aproximou sem expressar reação e acertou um soco em meu tio que o deixou desacordado o resto da noite. Foi tudo feito com uma frieza que deixou a todos impressionados. E vendo aquele olhar de meu pai de novo, pude ver a força de um verdadeiro leão. Daqueles que não precisam rugir para saber se impor. Então me dei ainda mais conta do quão filhote eu de fato era.
- Peço que venha pra casa, filho. Está serenando. Sei que é difícil, mas gostaria de pedir que esquecesse esta história.
Não entendi o que aquilo significava, mas tão pouco tive coragem nem forças pra contradizer ou sequer questionar.
Obedeci, e pelas semanas que se passaram, mantive minha promessa. Até mesmo quando ele nos deu a notícia na mesa do café da manhã e abraçou minha mãe que chorava copiosamente.
Na noite anterior, haviam encontrado um corpo no rio. Era do pastor. Tudo indicava que, quando Felipe tinha ido tomar banho no rio, houve um acidente. O pastor escorregou em uma das pedras traiçoeiras da margem e havia batido com a cabeça. Ele faria o batizado da filha de Tereza naquela manhã, e provavelmente fora averiguar de véspera as condições da água e do lugar. Todos na comunidade conheciam esse seu hábito. Todos...
- Ele tinha marcado naquela manhã o batismo da Isadora, filha da Tereza. - minha mãe contou, entre lágrimas -Mas pelo que ela contou, o pastor não foi buscar. Acreditamos que ele tinha ido primeiro no rio preparar o lugar para o ritual, mas jamais imaginamos que isso podia acontecer.
Enquanto minha mãe chorava, eu apenas olhei em direção ao meu pai, que a segurava em seus braços. Sua expressão impassível, sem vida. Não me atrevi a esboçar qualquer coisa.
Eu e meu pai tínhamos um defeito incurável: éramos incapazes de nos abrir, mesmo um para o outro. O evento no balanço foi um dos momentos raros que desfrutamos apenas duas vezes na vida. A primeira, diante de minha incapacidade de lidar com um criminoso como Felipe sozinho. A segunda, no leito de morte de meu pai. Anos mais tarde.
*
Sem sabermos, mas intuindo, aquela seria a última noite de meu pai na terra. Eu tinha ficado para passar aquela noite com ele em seu quarto. Meu pai vinha lutando contra um câncer no esôfago havia um ano, resultado dos maços de cigarro que fumou desde que se atreveu a por o primeiro na boca, aos 15 anos.
Naquela semana, ele havia apresentado um quadro de dores agudas. O qual já esperávamos. O medico havia me confidenciado que quando ocorresse, ele teria de ser internado, e muito provavelmente não sairia mais vivo dessa internação. Meu pai ficou uma semana internado em estado crítico, apresentando uma milagrosa melhora naquela tarde.
Minha mãe e minha irmã atribuíram aquele estado ao resultado de suas orações, mas eu, como conhecedor da natureza, sabia o que realmente significava: era o corpo usando as últimas energias que tinha, uma vez que iria deixar aquele mundo para sempre. As criaturas usam esse último estimulo para que possam deixar resolvidas algumas últimas coisas que tenham a fazer na terra. Seja levar os filhotes a um local seguro em meio a catástrofe, seja para conseguir algum lugar com comida ou água, ou apenas para arranjar um leito mais reservado e confortável para morrer. Naquela noite, meu pai usou suas últimas energias para ter aquela conversa comigo. Há muitos anos atrasada.
- Fábio - ele falava com dificuldades. Não devia fazer isso, mas se tinha uma coisa que meu pai era, era tinhoso.
Eu, naquela altura, estava em meu último ano de faculdade, já morava longe de casa, em um apartamento que dividia com outros três amigos.
Meu pai me ajudava as vezes, mas eu até conseguia me virar bem com os trabalhos temporários que arranjava.
- Fábio. Eu... eu queria te falar... Na verdade, confessar.. pois imagino que sempre teve em mim um modelo... Mas... Eu fiz coisas, Fábio. Coisas que...
Eu segurei a sua mão e apertei.
- Eu sei o que o senhor fez... E digo: o senhor sempre foi e sempre será um modelo para mim. Pois por mais que o senhor possa acreditar que suas ações foram ruins, eu sei que sua motivação foi a melhor. E qualquer que tenha sido o resultado. Ele trouxe mais bem do que mal.
Vi a lágrima escorrer de seu olho, que ele segurou com toda a sua fibra. Não respondeu nada, pois sabia que se o fizesse, desabaria.
Do contrário, resolveu contornar o assunto:
- Tem outra coisa... Algo, que eu não me orgulho de ter tido tanta vergonha de conversar contigo antes...
Esperei. Pois essa eu não imaginava o que seria.
- Eu... Eu sei que você tem um estilo de vida... Diferente. Acho que você comeu mais da metade de nossa cidade - e riu, com certo orgulho - e que você não tinha... Digamos... - tossiu - certas limitações. Seu apetite é voraz e sua opção de cardápio bem extenso - e riu.
Apesar de surpreso, pois podia jurar que ele nem minha mãe jamais tocariam em tal assunto comigo, não tive como não achar graça de sua pouca maneira de tratar de tal tema. Lá estava ele, usando metáforas naturalistas, pois era um terreno onde se sentia mais seguro.
- Só queria perguntar uma coisa... - tossiu - com os garotos... você dava ou comia?
Foi como se de repente alguém tivesse puxado a tomada do fundo musical emotivo que tocava a nossa volta
- O que? - soltei, segurando a gargalhada. Vendo que ele me olhava sério, resolvi responder - Comia. Só como, na verdade.
- Graças a Deus!
Desta vez, fui incapaz de resistir. Gargalhei tão alto que até a enfermeira que passava no corredor levou um susto .
- Ah, pelos céus. Sou velho, nasci e cresci naquela cidade esquecida por Deus. Me deixe no meu leito de morte ser um pouco preconceituoso.
E tossiu muito. Parei de rir e peguei água.
Quando terminou de beber, voltou a falar, empregando toda a sua força naquilo. Mesmo sendo recomendável que ele repousasse, sabia que ele precisaria daquilo. E pra ser honesto, eu também.
- Não interessa com quem tu deita - e pegou no meu rosto, algo que meu pai nunca fez - tenho orgulho do homem que se tornou. Se eu partir dessa terra hoje, parto feliz, pois sei que sempre haverá um homem forte que cuidará de sua mãe e irmã sempre que precisarem. O único homem a quem eu deixaria algo tão valioso em minha vida.
Foi minha vez de segurar o choro. Meus olhos arderam de imediato. Mas em respeito a ele, segurei firme.
Por sorte, meu pai estava empenhado em não deixar o momento ficar emotivo demais.
- Mas diz aí, o filho do Amaral, sabe, o açougueiro metido a procriador.
- O Breno - e ri – o que tem ele?
Embora seu olhar maroto já me antecipasse seus pensamos. Naquele momento, meu pai, um policial aposentado, chefe de família e pai de dois filhos havia se convertido em um garoto da quinta série.
- Você traçava ele, não é?
Não respondi, mas não precisou.
Dessa vez foi meu pai quem gargalhou. Tal esforço o fez chorar, dessa vez de dor, mas não parou mesmo após a enfermeira lhe dar uma bronca. Ele só cessou mesmo quando ela ameaçou me expulsar, dizendo que eu estava atrapalhando o seu repouso.
Obedecemos, como duas crianças que acabaram de tomar esporro da mãe. Quando ela saiu, ele voltou a falar
- Aí meu Deus, como eu queria ver a cara do Amaral, após se eu mesmo lhe contasse isso. Aí, morreria mais que feliz. - e então assumiu um semblante preocupado - mas ele mataria o filho se descobrisse. Do jeito que aquele homem era.
- Breno está bem. Já mora em Recife agora, onde conseguiu fazer faculdade. Soube que se apaixonou por um marinheiro. Devem até casar. Está longe das garras daquele velho agora
- Que bom. - suspirou - Que bom mesmo.
E dali em diante, a conversa assumiu aquele tom animado, como ocorria sempre que caminhávamos juntos na mata, caçando, pescando ou apenas nos exercitando. Mesmo na faculdade, morando longe, eu fazia questão de ir quase todo mês para minha cidade, apenas para ter aqueles momentos com ele.
Após sua morte, continuei visitando e cuidando, de minha mãe e irmã, como prometi, embora elas não precisassem. A pensão de meu pai era gorda e lhes proporcionava a vida confortável e, além disso, minha mãe praticamente assumiu todo o trabalho na igreja, que após três substitutos ao pastor Felipe não terem dado conta, tiveram de engolir o machismo e deixar uma mulher assumir a liderança do templo e da vida religiosa do lugar
Mas apesar de ainda ir constantemente a minha cidade, nunca mais entrei naquelas matas. Pois sentia que aquele lugar, por maiores prazeres que tenha me proporcionado, não era mais meu, devendo apenas viver nas minhas boas memórias e nas lições que tirei de lá.
Eu não era mais um filhote àquela altura e sabia que a caça não era apenas uma prática, mas um modo de estar no mundo, que perpetua em todos os ambientes da vida.
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Atualizado em: Qui 1 Dez 2022

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