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Uma Princesinha na Favela

Os raios de sol me acordaram antes mesmo do meu despertador gritar. Sentei na minha cama King Size, coçando os olhos. A semana tinha sido muito desgastante (e põe desgastante nisso), mas eu estava disposta a esquecer todos os problemas e me "jogar" nesse fim de semana, resumindo, vou ficar em casa e assistir The Big Bang Theory. Eu sei, qualquer outra garota normal, com 16 anos sairia com os amigos para fazer qualquer coisa quu fosse ilegal ou não. Mas, o pequeno probleminha dessa história toda é: um, eu não tenho amigos (quer dizer, não mais) descobri que minha única melhor amiga, entre aspas, é uma verdadeira vadia. Dois, festa e barulho não são realmente a minha praia...

Agrh!

Só de pensar me dar uma dor de cabeça. Adolescentes, bebida alcoólica, música alta e, mais adolescentes bêbados. Com toda a certeza não é minha praia!

Rolei na cama, ficando de barriga para cima.

Eu ainda não consigo acreditar em tudo o que eu ouvi da vaca, cujo o nome é Ingrid e que se dizia "minha melhor amiga" devo ser cega demais para não enxerga uma coisa que se notava a quilômetros de distância.

            Flashback On

- Quer saber de uma coisa?! Não gosto mesmo! Nunca gostei de ti! -

Ingrid dizia, apontando o dedo para o meu rosto, com o nariz empinado. Enquanto a multidão ao nosso redor só observava, e uns até riam.

- Só aturei fingir ser tua amiguinha esse tempo todo, por causa da sua grana. Eu pensei que se andasse com você e ouvisse as besteiras que você dizia, ganharia algumas coisinhas e adivinha... Eu estava coberta de razão.

Gargalhou, claramente debochando da minha cara. Eu estava pasma, como ela pode fazer isso comigo? Eu a considerava um amiga!

- Mas eu... eu não entendo. A sua família também tem dinheiro. - Falei baixinho, querendo esconder o rosto em qualquer buraco, eu só queria sair dali.

- Não como os Castellari.

            Flashback off

Eu estou mesmo na pior. Nem amigos que gostam de mim pelo que eu sou e não pelo dinheiro eu tenho. Que saber, não me importo com isso. Eu sei viver muito bem sem essa gentinha.

               Flashback On

- Eu não sei, amiga. Acho que estou apaixonada pelo... - Ingrid tentava me imitar, afinando a voz e... pera! Eu não falo desse jeito!

- Para! Por favor, Ingrid. Não conta isso para ninguém. - Supliquei. Mas claro que ela não iria me dar atenção. Todos que estavam ali (meus colegas de faculdade, isso mesmo. Sou adiantada na escola) gritaram um "conta, conta!"

- ... Como eu ia dizendo, antes da patricinha feia me interromper. - Falou sarcástica e subiu em uma das mesas que tinha na festa, clareando a garganta. - apaixonada pelo... pelo hã, querem mesmo saber? - Todos voltaram a gritar pedindo para ela revelar o nome do garoto e sem esperar corri para a saida, mas dois garotos me seguraram antes de eu conseguir abrir a porta, me arrastando de novo para frente da Ingrid, que me olhava com deboche, e assim como eu ouvindo as risadas dos nosso colegas.

- Por que correu Lottie? Ta com vergonha de todo mundo saber quem é a sua paixão platônica? PRINCIPALMENTE porque ele está aqui e com a namorada! - Os alunos fizeram "Oh!" espantados com o que ela acabara dizer. Um nó estava formado na minha garganta, as lágrimas queriam sair, mas eu não iria chorar aqui na frente de todo mundo e pagar esse mico.

- Ingrid...

- Agora para de me interromper, sua coisa feia! Ahã, eu estava dizendo que... o garoto por quem essa coisa aqui do meu lado é apaixonado se chama... Rodrigo! Pronto, falei. - Cochichos preencheram o salão de festas e duas pessoas se aproximaram de mim. Reconheci, era o Rodrigo e Aline, a namorada, que estava me olhando como se quisesse arrancar minha cabeça.

- Então quer dizer que você ta de olho no meu gato, sua piranha! Eu não quero te ver perto ou no mesmo ambiente que ele ta me escutando?! - Gritou, cuspindo as palavras no meu rosto. Eu me encolhi e ela quis avançar em mim, mas o Rodrigo segurou, sussurrando algumas palavras no seu ouvindo, que fizeram com que ela parasse.

- Eu não.. - Tentei falar, mas fui interrompida.

- Eu nunca daria bola para essa aí, amor. Eu prefiro mil vezes você, só você... até porque você já viu o rostinho dela? É muito ridícula mesmo! - Dezenas de facas perfuraram o órgão que eu tinha do lado esquerdo do peito. Essa foi a sensação que tive quando Rodrigo, a pessoa que amei em segredo, durando dois anos, proferio tais palavras.
    
              Flashback off

As lágrimas já tomavam conta, banhando mais e mais meu rosto pálido. E quando me dei conta, soluços sacudiram meu peito e eu já chorava alto, agarrada ao meu travesseiro.

- Eu não preciso de deles, não preciso. - Falei alto para mim mesma em meio a um soluço.

Ninguém gosta de mim de verdade. Ninguém! Será que é porque sou feia demais?

- Meu Deus, eu só lhe peço isso. Pode ser qualquer pessoa, até mesmo a pior pessoa do mundo, mas que me ame.

Depois de alguns minutos, me acalmei, sequei as lágrimas que restavam no meu rosto e fiz um coque desajeitado no cabelo, levantando e indo para o banheiro que ficava dentro do meu quarto. Tirei o shortinho e a blusa do pijama, quem eram do ursinho poof. Virei para o espelho e me olhei, analisando cada traço do meu rosto. Olhos azuis, branca feito papel, cabelo e sobrancelhas vermelhas, boca pequena, nariz proporcional para o meu rosto. Mas se todos me acham tão feia assim é porque deve ser verdade. Liguei o chuveiro e tomei banho com água gelada, na esperança de que tirasse todos os pensamentos ruins de minha mente.

Sequei os cabelos e coloquei um macacão short (com um ladinho caído, e que mostrava a estampa de cupcakes coloridos), sapatilhas rosa e fiz um coque, que ficou enorme, meu cabelo já estava batendo um pouco abaixo do quadril. Desfiz o coque e fiz uma trança de um lado só, indo até a minha coleção de tiarinhas, pelas quais sou apaixonada, escolhi uma com uma flor. Passei perfume e desci as escadas.

Cheguei perto da sala do jantar e pude ouvir a voz do meu pai, falando alto.

- Nós não podemos arriscar, Márcia! Nós não podemos, isso está sendo difícil para mim também, mas é o jeito, não tem outra saida.

- Arriscar o que? - Cheguei falando e os dois me olharam surpresos e se entreolham. Nenhum dos dois disse nada e voltei a perguntar.

- Hein, arriscar o que? - Arqueei uma sobrancelha.

- Senta aqui, minha filha. - Papai me indicou a cadeira na frente da sua.

- Pode falar. - O incentivei e ele olhou para mamãe, que tinha os olhos lacrimejados e depois suspirou.

- Charlotte, você sabe que eu e sua mãe te amamos, não sabe? - Perguntou e eu comecei a estranhar tudo aquilo.

- É claro, mas porq... - Eu ia perguntar o porque daquilo, mas mamãe me cortou.

- E também sabe faríamos tudo, tudo mesmo, por ti não é?

- Aonde é que vocês estão querendo chegar? - Perguntei, morrendo de curiosidades por conta daquele suspense todo.

- Você terá que passar um tempo com a sua tia Rita, meu bem. - Meu pai disse e, eu suspirei de alívio, já estava pesando em besteiras.

- Ah, só isso e vocês fazendo esse suspense todo! - Ri e eles continuaram sérios. - Quando a gente vai para casa da titia? - Já fazia mais de oito anos que eu não via minha tia Rita, já estava doida para dar um abraço nela.

- Lottie, você vai, mais eu e seu pai não. - Eu olhei para ela franzindo a testa em confusão.

- Não estou entendedo.

- Nós estamos com alguns problemas sérios, filha. E zelar pela sua segurança agora é o mais importante para mim e sua mãe.

- Vocês vão me abandonar? É isso mesmo? - Levantei da cadeira de uma vez, fazendo a mesma cair, preenchendo a sala de jantar com um "Taa"

- Não, eu não disse isso. Apenas falei que agora você terá que ir para outro lugar, e se proteger. - Meus pais também levantaram e vieram onde eu estava.

- Me proteger do que? Onde ela mora? - Perguntei com a voz embargada.

- Estamos sendo... ameaçados, minha filha. Você sabe muito bem que a profissão minha e de sua mãe requer alguns cuidados. A sua tia mora na... Er... na Rocinha. - Falou olhando-me com expectativa e eu automaticamente abri a boca e o fitei, esperando ele falar que era tudo uma grande piada, mas ninguém disse nada.

- Eu. Não. Vou. Pisar. Numa. Favela - Falei furiosa, deixando bem claro cada palavra. Onde já se viu! Eu, Charlotte Castellari, morando numa favelazinha e rodeada de favelados! Aghr! Isso sem contar o funk e os palavrões, meu Deus e aquela linguagem de pobre!
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Atualizado em: Qui 21 Jan 2016

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