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Fênix - Parte V
Fernando estava casado e eu continuava a esperá-lo tolamente, até que decidi deixar aquele lugar, sumir do mapa e deixar para trás tudo o que eu havia vivido ali. E assim eu fiz.
Vendi a casa dos meus pais e utilizei o dinheiro para comprar uma casa em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Antes de partir, fiz questão de me despedir dos pais de Fernando, afinal eles eram muito próximos de minha família e eu devotava a eles um grande amor fraternal. Então, convenceram-me a deixar por escrito o meu novo endereço, para que pudessem me visitar e eu os fiz jurar que não o dariam a ninguém. A absolutamente, ninguém.
Meus primeiros anos no Rio Grande do Sul foram maravilhosos. Eu havia conseguido um emprego como professora de Língua Portuguesa em dois turnos, tinha um grande número de amigos e possuía uma condição financeira confortável.
Minha rotina era agitada. Eu trabalhava de manhã em uma universidade, à tarde em outra e à noite eu preparava as minhas aulas do dia seguinte. Podem até pensar que eu só trabalhava, mas isso não era verdade. Eu saía com meus amigos às sextas-feiras e aos sábados e os domingos eram os meus dias de descanso, eu aproveitava para ler, escrever algumas coisas e para assistir a filmes. Resumindo, eu estava alegre com a vida que levava, sem nem me lembrar do Rio de Janeiro.
Desde que parti de minha cidade natal, eu jamais me relacionara com alguém e, por conta disso, eu já havia passado por situações bem curiosas e desconfortáveis.
Num sábado de junho Carla – minha melhor amiga – e Matheus – seu namorado – me convidaram para ir comemorar o dia dos namorados com eles, eu ri da situação e aleguei que eu não podia comemorar algo que eu não tinha. Foi aí que eles me disseram que não era tarde para que eu arrumasse um e contaram-me que eles tinham chamado Daniel para ir conosco. Então, tudo se tornou muito claro. Dois casais saindo juntos para comemorar dia dos namorados. Não podia dar certo. Neguei-me veementemente, porém – como sempre – convenceram-me a fazer o que eu não queria.
Neste dia fatídico tudo saiu como eu planejava que não acontecesse. Carla e Matheus trocavam beijos e carícias, enquanto eu ficava cada vez mais desajeitada e Daniel aproveitava-se do clima para importunar-me com seus flertes que eu fingia não compreender. Podia haver coisa mais chata? É, parecia que sim. Pois, Daniel partiu do flerte à ação e tentava beijar-me todo o tempo. Eu esquivava-me, mas ele era insistente demais e eu rezava para que a noite acabasse.
Um pouco mais tarde, passei por algo similar, entretanto Antônio não era tão impertinente. Ele era até legal, mas sempre que eu tentava vê-lo com outros olhos eu acabava buscando Fernando nele, então desisti de tentar e o contei que amava outro. Penso que ele não gostou muito de saber disso, pois ele, simplesmente, desapareceu da minha vida.
Quase quinze anos se passaram desde que eu havia me mudado para cá e eu vivia só e em paz, está certo que eu não conseguia ser feliz quando o assunto era o coração, porém eu já estava apta a lidar com isso.
Eu estava com trinta e oito anos e havia me aposentado por causa de problemas nas cordas vocais. Passava o dia inteiro cuidando do jardim e dos meus animais, eles eram as coisas que eu mais amava e me proporcionavam a ótima sensação de ser amada e necessária.
Era uma tarde de verão. O ar cálido da estação soprava meu rosto e ofertava às flores uma dança leve e harmoniosa, dispersando um perfume inebriante que penetrava em minhas roupas e pele. Eu observava o canteiro das tulipas que eram as minhas flores preferidas, principalmente agora que eu havia plantado uma cebola da tulipa negra e eu aguardava ansiosa para ver a bela e rara flor.
Ainda contemplava o nascimento de mais uma habitante do meu jardim quando os latidos incessantes de meus cães interromperam os meus pensamentos. Levantei sem pressa e caminhei até ao portão, onde alguém chamava. Não consegui imaginar quem poderia ser, apenas, esperava que não fosse algo indesejado.
Abri o portão sem vontade, já pensando em uma desculpa para fechá-lo novamente e mandar o visitante embora.
— Oi, eu não quero comprar flores. — Eu disse ao ver a enorme quantidade de flores que o homem segurava, cobrindo-lhe a face.
Estava fechando o portão quando o homem interpôs-se no caminho.
— Desculpe-me senhor, mas já disse que não pretendo comprar flores. — Eu repeti forçando o portão contra o homem que, agora, irritava-me profundamente.
— Não acredito que já se esqueceu de seu velho amigo. — O homem disse retirando as flores da frente do seu rosto. — Eu não estou vendendo flores. Isso é para você. — Ele completou.
Foi, então, que compreendi quem era aquele homem, até o momento, inconveniente. Era Fernando e apesar de treze anos terem se passado ele não havia mudado. Todavia, desta vez, eu não tive impulso algum. Apenas olhava-o completamente em choque.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei sendo mais grosseira do que pretendia.
— O que há Úrsula? Pensei que ficaria feliz em me ver. — Ele disse incrédulo.
— Eu – Eu fiquei. — Eu disse desconsertada.
— Bem, se preferir posso ir embora. — Ele disse virando-me as costas.
— O que é isso?! Perdoe-me pela falta de jeito, mas é que eu não esperava te ver por aqui. Entre, por favor.
— Não precisa se desculpar. Eu sei que deveria ter avisado.
— Tudo bem. Como estão seus pais? — Troquei de assunto tentando parecer casual.
— Eles faleceram há alguns anos.
— Oh! Eu sinto muito.
— Não se preocupe, eu já me acostumei com a idéia de não tê-los mais por perto. — Ele suspirou fundo. — Faz tanto tempo que não a via... mas você não mudou nada, continua linda!
— Obrigada. — Agradeci sentindo uma quentura tomar conta de meu semblante. — Como você conseguiu o meu endereço? — Perguntei por fim.
— Logo após a morte de meus pais, eu decidi vender a casa e me desfazer das coisas deles e, na agenda de minha mãe, eu encontrei anotado o seu endereço... desculpe-me, mas não pude resistir, só é uma pena não ter podido vir antes. — Ele riu entregando-me as flores.