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OBSESSÃO - Capítulo III

“Amor desesperançado”

Joaquim, ao lado de Ernestina, não tinha coragem de encarar o patrão. Temia ser demitido, ir para longe e deixar para trás a essência que hoje o mantém vivo. Perder Catharine era como perder a vida. Então, para que viver? Viver para sofrer? Não! Se fosse embora, iria para sempre... Não somente daquele casarão, mas desse mundo. Mil vezes as chamas do inferno, à pena de não poder mais venerar um sorriso dela.

 _ Ernestina, sua velha encruada, fale! O que esse molambento, cheirando a suor, faz perto de minha esposa?

 _ Ele...- balbucia. Ele...ele estava aqui...

 _O que queria com minha mulher, seu traste? – volta-se ao chofer, com ira.

 _Senhor...

 _...ele estava cuidando de Dona Catharine, enquanto eu fui ao canteiro buscar umas ervas – entrecorta-o a mucama, já recomposta do susto, ao perceber que ele se entregaria.

 _ Cuidando? Como assim?

 _Como o senhor anda com a memória curta, senhor George – debocha.  Só faltou matá-la e ainda tem a desfaçatez de fingir que nada aconteceu. O senhor não merece o amor dessa mulher.

 _ COM QUEM PENSA ESTAR FALANDO, CRIADA? – pega-a pelo braço e a sacode por duas ou três vezes. MERECE UMA SOVA!

 _ Bata, se tiver coragem! – desafia a mulher, com a tez franzida e a saliva descendo pelos cantos da boca. Bata! Eu não sou Dona Catharine, que apanha calada, como se fosse um bichinho de estimação, daqueles bem desprezados. Sou uma mulher de fibra e o denunciarei se me tocar um dedo. Conhece a lei Maria da Penha, excelentíssimo vereador? – afronta-o com desdém. Se não a conhece na teoria, há de conhecê-la na prática!

 Surpreendido pela agressividade da empregada, George mastiga as palavras.

 _ Já chega, Ernestina! – determina o motorista, escondendo os olhos marejados com as mãos. Vamos!

 _ Se estava mesmo cuidando de minha mulher, como disse Ernestina, então por que chora?

 _ E quem não choraria ao vir uma mulher estirada a uma poltrona, após levar uns tabefes do marido, ainda mais no dia em que acabara de enterrar a única filha? – responde a empregada no lugar dele, tentando contornar a situação. Pensa que são todos assim...  assim como o senhor?

 _Assim...? Assim como?

 _ Um homem desalmado, podre até o último fio de cabelo, incapaz de amar e de se deixar ser amado... Perceba, ao invés de um coração, o senhor carrega um iceberg no peito.

 _ ATREVIDA! – regurgita o vereador ao repuxá-la uma vez mais. DEVERIA LHE DAR UMA SURRA...

 _ Então venha! Bata nessa cara se for homem! – apalpa a própria face.  Bata! Queria mesmo que fizesse isso, não teria como negar a agressão, quando os flashes dos jornais fossem disparados e ilustrassem as manchetes do dia seguinte com o meu rosto deformado pelo seu ódio. Todos os que votaram no senhor se perguntariam: “O honrado vereador George Dumont não é o santo que se apregoa nos palanques principienses? Teria mesmo agredido sua serviçal, uma pobre mulher da vila, com todos aqueles cabelos brancos”? Até que as últimas dúvidas se dissipassem, suas pretensões ao cargo de prefeito já teriam caídas por terra.

 _ Solte-a, senhor George! – implora o motorista, tentando separá-los. Por favor!

 _ Até hoje eu não entendo o porquê dessa família nunca tê-la demitido... Talvez esteja nessa sua boca a resposta para muitas de minhas dúvidas – diz ao soltá-la. Essa história não acaba aqui, ERNESTINA!

 _ Com certeza, doutor! – confirma, fitando-o com deboche.

 _ Agora me dê licença, quero levar minha esposa aos nossos aposentos. Posso, criada?

 _ Claro, patrão! – rebate.

 Ele sobe as escadarias com ela nos braços, acompanhado pelos olhares revoltosos da empregada e decepcionados do chofer.

 _ Dessa vez eu o salvei, Joaquim! Pense melhor antes de agir... O amor não é tudo na vida, como pregam os poetas em suas obras. Bem antes do amor há a inveja e o ódio, sentimentos capazes de enterrar uma pessoa viva.

 _ O que quer dizer com isso, Dona Ernestina? – se faz de desentendido.

 _ Que a única coisa que não nos podem furtar é o sentimento que nutrimos pelo próximo... Então, guarde o seu apenas para você! – aconselha.

 Joaquim entendera o recado. Melindrado, despede-se da criada com um sorriso quase despercebido.

 _Coitado! – sussurra a mulher, mordicando os lábios, tamanho o nervosismo. Que um dia seus sonhos possam ser realidade...

 No dia seguinte...

O sol está no centro de si, quando o telefone toca. A ligação é para o vereador. O prefeito o convocava para uma reunião extraordinária, em que seriam acertados os últimos detalhes da coligação partidária que elegeria George Dumont o novo prefeito de Vila dos Princípios.

Antes de partir, diz à mucama:

_ Peça a Catharine que vista aquele Valentino rosa que lhe dei na última primavera, encha duas taças de vinho do Porto e me espere na sala de jantar assim que o sol se puser – entra na limusine. Quero vê-la mais deslumbrante e atraente do que nunca! Se ela, por algum motivo ou instigada por alguém, resolver me desacatar, certamente, para ela, o amanhã poderá não existir – continua com ar de ameaça. Agora vamos, matuto! – ordena ao motorista. 

O vidro se fecha e o carro parte. Ernestina acompanha-os até sumirem de vista.

_Tenho dó desse ser... – confidencia-se a empregada, inconformada.

_ Pare o carro! – manda o patrão, a algumas quadras da mansão. E assim Joaquim o faz. Agora que está longe de seu “cão de guarda de saia”, você me contará toda a verdade, matuto. O que estava, de fato, fazendo ao lado de minha mulher?

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Atualizado em: Qua 23 Jun 2010

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