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Os passos de meu pai

O meu pai sempre foi uma pessoa pragmática e rígida, acho que servir no exercito te ensina a ser uma pessoa disciplinada e a principalmente a aplicar o conceito de hierarquia. Existe hierarquia em tudo na vida e para que uma hierarquia funcione corretamente é extremamente necessário que haja a obediência dos subordinados. Minha família sempre foi um pequeno batalhão, sofremos baixas na guerra que é a vida e novos membros foram recrutados. Eu cresci sendo obediente ao meu pai mesmo ele sendo bem rígido, ele sempre estabeleceu normas, como nada de fazer amizades com os colegas na escola porque eles são má influência, namorar apenas com o propósito de se casar e quando estiver trabalhando, escolher bem seus amigos, se possível com pessoas mais velhas que podem te influenciar de uma forma positiva, seja sempre honesta e verdadeira. Eu segui estritamente essas regras até o ano de 2013 quando influenciada pelos hormônios da adolescência e amizades questionáveis eu comecei a encarar a redoma de proteção ao meu redor como opressão.
   Hoje eu dou risada quando vejo os jovens falando de opressão na internet porque eu sou inundada de lembranças de quando eu achava que em meus 16 anos havia adquirido o total conhecimento pela vida e tinha condições de ditar o meu próprio caminho, eu fui de pequeno potro a “Spirit - O corcel indomável” em poucos meses e por mais que meu cérebro de 16 anos achasse que essas eram mudanças naturais, eu peguei o meu pai de completa e total surpresa quando comuniquei que tinha um namorado e queria abandonar a religião que seguia desde pequena. Imagine um pai que criou sua filha vê-la querer renegar tudo aquilo que ele havia ensinado, uma vida inteira de “Sim, senhor” se tonar um grande NÃO, eu acho que é assim que crimes passionais ocorrem, mas dos males ocorreu o menor, depois de uma série de acontecimentos eu fui expulsa de casa na véspera de fazer 17 anos, eu poderia florear esses acontecimentos dizendo que eu logo depois me arrependi ou coisas do gênero, eu era uma grande bola de hormônios e emoções a flor da pele, então não houve redenção pra mim, não naquela época.
  Eu senti de inicio muita raiva que depois se desfez em uma poça de tristeza, eu me lembro que um dia eu briguei com o meu então namorado e fui para o terraço da minha avó pensar e a briga despertou os meus sentimentos e eu me vi pensando em tudo que tinha acontecido, a minha avó preocupada pela minha demora me chamou e quando eu desci estava chorando, e quando ela perguntou o por quê e eu respondi que era porque eu tinha medo de nunca mais poder abraçar o meu pai.
   A terra continuou girando entorno do sol, as estações mudaram e o momento da minha redenção chegou e eu gostaria de dizer que eu consegui deixar tudo para trás, mas a vida não é tão simples assim. Muitas pessoas podem achar que eu guardo mágoas do meu pai por causa de tudo que aconteceu, mas a única pessoa de quem eu tenho mágoas, sou eu mesma. Porque o meu pai estava certo, aqueles amigos não eram confiáveis e tão rápido como eu os fiz, eu os perdi, com 16 anos eu realmente não tinha condições de ditar o meu próprio destino e as consequências podiam ser bem piores do que foram.
   Hoje eu acumulo receituários de anti depressivos e ansiolíticos e me pego vez por outra pensando no que aconteceu, choro e me sinto triste quando penso no sofrimento que eu inflingi nas pessoas que eu amo num ato egoísta de auto afirmação. Eu choro todas as vezes que eu escuto uma certa melodia porque eu sei que ele também chorou, ele não sabe disso mas eu sei que pouco depois que eu sai de casa tocou essa música e ele chorou e eu sei que foi por mim, eu sempre soube e não há dor maior do que infligir a dor nas pessoas que você ama mesmo que não intencionalmente e acho que o tipo mais difícil de perdão é aprender a perdoar a si mesmo.
   Minha mãe me disse uma vez que eu tinha sangue de barata, porque eu logo esquecia o que as pessoas me faziam sem guardar rancor. Eu não tenho sangue de barata, eu só tenho a capacidade de sempre tentar entender as pessoas que eu amo e é irônico que eu nunca consiga me entender e aplicar as minhas próprias convicções a mim mesma. Eu não tenho medo do meu pai, eu tenho medo da dor e decepção que as minhas ações podem causar porque não importa quantos anos eu tenha, toda vez que eu estou perto do meu pai eu volto a ser aquela pequeno bebê perdido.
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Atualizado em: Dom 10 Maio 2020

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