- Dezabafos
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Autoanálise afetiva
Antes do começo: um sonho
Não lembro a data precisa de quando tive o primeiro contato com o rascunho dessa história. Foi em um sonho desorganizado que o avistei sentado nas escadas em frente a um bazar, era um dia nublado, Ele vestia uma blusa azul, calça jeans e tinha os longos cabelos sobre o rosto.
Sonhos nem sempre seguem um tempo cronológico linear. Nos sonhos, passado, presente, futuro, dia e noite se atravessam como balas atravessam um corpo no campo de guerra. O sentido dos sonhos se encontra justamente em não fazer sentido e aos poucos o sentido vai se compondo na busca desse sentido.
Essa narrativa é como um sonho, não tem um tempo linear, os acontecimentos se atravessam organizadamente desordenados e aos poucos vão tecendo essa complexa rede em que me prendi.
Estou vomitando essas palavras sobre o papel na tentativa de corroer essa rede com o ácido do meu suco gástrico e me libertar dessas emoções.
Querido (a) leitor (a), peço apenas que não busque o sentido, deixe que aos poucos ele se construa através da digestão de minhas palavras e se no final lhe restar apenas uma indigestão, lembre-se de que não precisa fazer sentido, só precisa ser bonito e causar alguma emoção nova.
Voltemos ao sonho.
Era um dia nublado, Ele vestia uma blusa azul, calça jeans e tinha os longos cabelos sobre o rosto, sua aparência em nada me chamou atenção, pelo contrário, existia em mim um sentimento de apreensão beirando ao medo. No bazar em que Ele estava sentado em frente, eu entrei. Um lugar apertado cheio de tralhas, prateleiras com objetos amontoados, flores de plástico, pessoas estranhas, sufocante, o ar quente e pesado. Não recordo se comprei algo, mas lembro que havia um homem gordo e mau encarado no caixa. Agora, penso que saí da bagunça e da confusão da loja do sonho para entrar na real confusão Dele.
Saí da loja e fui em direção ao Homem sendo na escada, Ele jogado no chão – parecia muito triste - e eu o fitando, eu via e não via seu rosto. Ele me olhou e me entregou um lindo e pequeno carrossel azul, vermelho e branco, me senti feliz. Deste momento em diante passamos a caminhar por ruas de pedra, húmidas e escuras trocando muitos carinhos. Não sei explicar o quanto me senti feliz neste momento, tudo que sempre sonhei estava acontecendo, porém, em um sonho.
Nosso carinho era real e estávamos felizes, mas a escuridão da rua que percorríamos deixava no fundo uma sensação de medo. Adiante entramos em uma igreja no estilo gótico medieval, muito escura, iluminada apenas pela luz da lua. Caminhamos em direção a uma escada que parecia ir para um porão. Nesse momento soltamos nossas mãos e comecei a descer, me lembro que eu sorria e olhava para Ele, eu o chamei, mas Ele não vinha.
Na minha frente havia uma porta com uma luz tão forte que cegava, eu o chamei e ele não descia. Uma grande tristeza substituiu meu sorriso, meu coração doía, mas eu segui em frente e o deixei, entrei na porta e acordei do sonho.
Me emociono ao recordar deste sonho, pois ele diz muito sobre tudo que se seguirá nesta história. O carrossel representa a instabilidade de sentimentos que envolveram essa relação e minha descida em direção a luz, me diz que foi preciso que eu descesse no mais fundo do meu ser para encontrar a luz.
Foi preciso que eu enfrentasse todos os meus medos para que finalmente eu tivesse coragem para reconhecer os meus erros e modificá-los, precisei iluminar o que eu mais temia dentro de mim para enxergar a verdadeira luz, o autoconhecimento.
Essa descida às profundezas do meu ser envolveram muitas dores e a quebra de antigos conceitos, mas Ele não quis me acompanhar nesse trajeto, preferiu se manter na conhecida, solitária e confortável escuridão.
É isso que este sonho representa para mim no dia 25 de setembro de 2017, às 01:15 da madrugada, mas esta história está sendo escrita na vida ao mesmo tempo que escrevo estas palavras no papel, o final é impreciso.
Capítulo II
"Esquecer você é ruim porque eu gosto mesmo é da fantasia"
- Maglore, Se você fosse minha
Pintei a cena perfeita de nós dois, fruto da minha imaginação, carregada dos meus sentimentos. A nossa história nunca existiu, o nós só existiu na minha cabeça. O nós era eu o tempo todo, era ego, o meu ego.
Meu ego frágil e mal desenhado encontrou em você uma ancora para não afundar na desilusão que é a vida, encontrei em você a combinação de cores perfeita para pintar o meu mundo desbotado, desgastado e vazio.
A sua presença preencheu um espaço dentro de mim que eu não sabia que existia, não sabia que queria alguém dentro dele. Foi como se uma onda de água fresca tocasse pela primeira vez o solo ressecado, rachado e sem vida do deserto. A água ferveu, evaporou e aos poucos foi virando rio, foi enchendo cada espaço. A água tornou-se violenta, comecei a me afogar e estou me debatendo, tentando sobreviver até agora.
Quantas ilusões somos capazes de criar a partir de uma simples palavra quando nosso interior está sedento por ela? Palavras malditas e não ditas que ecoam em silêncio dentro de nós. A nossa própria voz nos diz o que queremos ouvir dentro da nossa cabeça, narramos infinitas vezes a história que desejamos viver e assim como um delírio se cria nossa imaginação.
Vivendo em delírio imaginário seguimos nossas vidas tolas, sem muita pretensão de realizar os espetáculos da imaginação, o problema acontece quando aparece alguém. O problema é quando esse alguém se encaixa perfeitamente nas fantasias utilizadas para o espetáculo da vida imaginária e a partir do momento que nós, pobres imaginadores, colocamos nossos olhos sobre esse alguém e Ele passa a ser protagonista da nossa história.
Atualizado em: Sáb 5 Maio 2018