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Dobraduras
Dobraduras...
Tamires está sentada na beirada do píer. As pernas balançando desordenadamente, a cabeça vazia de ideais e de ideais. Tamires faz um barquinho de papel com uma folha de caderno rabiscada, são desenhos de uma época boa, de felicidade.
A mãe na cozinha sozinha. Tamires enrolando o cabelo entre os dedos. O olhar da maldade nos olhos da menina, o sorriso maquiavélico mostrando os dentes sujos de comida.
A menina se levanta. O barquinho de papel é deixado na beirada do píer. Tamires caminha em direção a casa, o olhar ainda mais assustador. A mãe, distraída, não percebe quando a filha entra. Tão pouco nota a filha se aproximando dela, de faca em punho, de sorriso medonho na cara.
Dez golpes. Mamãe está morta! Tamires arrasta o corpo da mãe para fora de casa. O sangue se espalhando pelo piso, pela madeira do deck, o corpo da mãe com os olhos ainda abertos, arregalados. O corpo jogado na água, o rosto virado para baixo, boiando.
Tamires coloca o barquinho de papel na água e dá um sopro bem forte e vê o barco e a mãe irem embora. Nenhuma lágrima cai, ela não sente nenhum tipo de remorso, Tamires é uma criança psicopata...
2
Um avião de papel voando pela sala da casa, batendo na parede e espatifando no chão. João Lucas faz sons de explosão com a boca, e ri quando fala das vítimas em mais um acidente aéreo imaginário.
Ninguém morreu ainda, mas com certeza vai morrer. O irmão mais novo dorme profundamente no quarto. O corpo deitado de lado, a cabeça repousada no travesseiro do homem aranha, o cobertor com a foto do mesmo personagem cobrindo-o.
Na sala de casa, João Lucas pega uma folha de papel de dentro de uma gaveta. Lentamente ele vai dobrando até formar mais um avião.
Ele e o irmão mais novo estão sozinhos em casa. A mãe trabalha como enfermeira e o pai, alcoólatra, não aparece em casa faz um tempo. O menino adentra ao quarto escuro. João Lucas se aproxima do irmão que dorme profundamente. Sorri! Passa os dedos de leve pelos cabelos do irmão, dá um beijo em sua testa e com uma almofada ele o sufoca.
João Lucas permanece no quarto por alguns minutos, arremessando o avião de papel pelo ar enquanto relata mais um acidente aéreo imaginário toda vez que a dobradura bate na parede, ou em um canto qualquer do quarto. O menino sai, fecha a porta.
Pela manhã quando a mãe chega em casa um silêncio assustador. Ela sobe as escadas e vai até ao quarto do filho mais velho. João Lucas finge dormir quando percebe a presença da mãe dentro do quarto e desperta ao notar que ela saiu.
A mãe então de encaminha para o outro quarto, do filho mais novo. Lentamente ela abre a porta, ao entrar tropeça em uma almofada jogada no chão, mas não chega a se estatelar no chão.
- Oi meu bebê. - Diz a mãe baixinho no ouvido do filho.
A criança não se mexe! A mãe coloca o ouvido no peito da criança, o coração não bate, ele não respira.
Desesperada ela pega o filho no colo e gritando pela casa chama pelo filho mais velho.
João aparece diante dela ainda de pijama e de pantufas nos pés, na mão direita o avião de papel, na esquerda, nas costas, uma faca de cozinha.
- Ele não está respirando! Chame uma ambulância. - Ela diz com sua voz desesperada.
E João Lucas na maior calma do mundo simplesmente diz:
- Não adianta mais, mamãe. Eu o matei!
Os olhos da mãe se arregalaram e depois de apertaram na eminência de um choro. E quando ela se ajoelhou veio o primeiro golpe, na barriga, em seguida vieram outros, para enfim tirá-la da vida.
João Lucas olhou e nada sentiu. Deixou a mãe ali no meio do corredor onde ficavam os quartos, deu uma última olhada no irmão também sem vida, colocou a mochila nas costas e foi embora
3
Tamires e João Lucas eram muito parecidos, ambos tinham doze anos e estudavam na mesma escola. Não se conheciam, apenas se cruzavam todos os dias no intervalo das aulas, mas nem olhar um para o outro eles olhavam.
Os dois não tinham amigos. Viviam isolados. O motivo? O comportamento deles diante dos outros. A distração a cada intervalo de aula eram as folhas de papel, que nas mãos pequenas de indefesas se transformavam em dobraduras.
Tamires adora fazer barquinhos, enquanto, João Lucas, adorava os aviões, principalmente quando eles caiam.
A mãe de Tamires foi encontrada boiando na margem do lago que cercava a casa onde ela morava com a mãe. Um cheiro ruim chamou a atenção dos vizinhos, e a mãe e irmão de João Lucas também foram encontrados.
O sinal toca. Em suas salas de aula, Tamires e João Lucas sorriem. Enquanto os colegas de escola vão embora eles ficam.
Tamires arranca uma folha rabiscada do caderno e com ele faz um barquinho de papel. João Lucas faz o mesmo, mas constrói um aviãozinho.
Eles brincam! Cada um no seu canto, cada qual em seu mundo. No corredor uma professora passa, vestindo avental rosa, com livros nos braços e bolsa pendurada nos ombros, os dois vão atrás dela ao mesmo tempo.
Professora cercada! Tamires de um lado e João Lucas do outro. As dobraduras nas mãos, as facas escondidas, esperando a primeira oportunidade.
Tamires se antecipa e dá o primeiro golpe, mas cai ao ser atingida no ombro por um policial que por ali passava. João Lucas, deixa a faca cair e abandona o avião de papel no meio do caminho. Ele corre, tenta fugir, mas é impedido pelo portão trancado no final do corredor.
Os crimes foram descobertos. Tamires foi internada em uma clínica para jovens com transtornos psicológicos; João Lucas foi apreendido, mas fugiu meses depois e até hoje, cinco anos após o ocorrido nunca foi encontrado.
4
Noite fria. Uma senhora de cabelos longos e negros anda sozinha pela rua, a bolsa pendurada nos ombros, o passo apressado, acelerado.
Por detrás de um muro uma sombra surge, grande, sorrindo. Ela se assusta! Um rapaz de barba rala, e cabelos sujos aparece. Ele sorri!
Com um avião de papel nas mãos ele abre os braços e diz:
- Olá! Querida professora!...
Fim...
Atualizado em: Ter 11 Jul 2023