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Viva e deixe viver

Viva e deixe viver: análise da obra, por Leoni Feingold – RS, 05/02/2023.
Esse conto segue o conto Lua de mel e traz Rafael e Henrique, o jornalista J, o professor P e o reverendo R. O conto é o último da série de autoria de RH Götz-Licht. Está disponível no site Recanto das Letras ou no site do escritor [https://renegotzlicht.prosaeverso.net/], sob e-books, rolar a tela, procurar pelo título e baixá-lo sem custo.
O primeiro capítulo narra o retorno de Henrique de uma viagem em que deixou Rafael ainda atarefado, trabalhando por mais alguns dias. Duda, a “vira-latas” dos dois ficou sob os cuidados do casal de amigos, o jornalista J e de seu marido, o professor P, o ex-padre.
Um capítulo é dedicado às reflexões de Henrique sobre o significado de Rafael em sua vida. O autor deixa a voz do amor maduro manifestar-se: “... qualquer lugar é bom se estiver com Rafael. E o melhor lugar do mundo fica sem graça, sem Rafael.” E para mostrar que esse amor maduro tem de ser de mão-dupla, o autor escreve: “... Henrique sabe que Rafael pensa exatamente do mesmo jeito, embora jamais tenham tocado nesse assunto: nunca foi preciso”.
O “nunca foi preciso” chamou minha atenção. Desde o princípio, Rafael e Henrique comunicam-se por outros modos que não por palavras. Palavras vão-se com o vento; ações mostram-se e permanecem: um sentimento está certo acerca do sentimento do outro. Veja, leitor, a frase que destaco, em que Henrique pensa sobre Rafael: “... seu marido é um homem bom! Não, Rafael não é bonzinho; é bom!” Tão oportuna a distinção que o autor entre ser “bonzinho” e ser “bom”.
J e P decidem-se por adotar um cão SRD (sem raça definida) também. Aqui, vale a exposição de motivos para favorecer adoção de cães abandonados em detrimento da compra de animais de raça, com pedigree. Adotar os abandonados combina com o perfil dos quatro personagens.
Na viagem de Rafael e Henrique, acabam conhecendo quatro personagens e pela dinâmica que o autor emprega para inseri-los na trama, vejo possibilidades concretas para novos contos. Se no conto anterior a gastronomia ficou voltada aos pratos austro-húngaros, agora chegou a vez de apresentar a culinária indiana como pretexto para diálogos que mais tarde podem ser retomados.
Em um outro capítulo, Rafael retorna de sua viagem, reencontra-se com os seus amigos e enfrenta um caso de agressão homofóbica no trabalho. Confesso que cheguei a sentir falta de uma situação que polarizasse atenções, como a geração de um conflito dessa natureza.
Convém relembrar que Rafael ainda é relativamente novo na empresa para a qual decidira mudar-se e que se está firmando em seu território. É natural que seja desafiado pessoal e profissionalmente; as forças se estavam polarizando favoravelmente a Rafael.
A agressão homofóbica é tratada de forma crua pelo autor para dar credibilidade ao ato. A inteireza de Rafael, seu prestígio pessoal e profissional desempenham um papel importante na solução dada ao caso.  A reação do superior imediato de Rafael e do agressor ganham desenvolvimento que faz o caso repercutir na instituição financeira. Então, surge a mão do escritor que privilegia soluções que requeiram superação: elevar-se para além de si mesmo.
Em um capítulo mais à frente, o autor decide confrontar seu leitor com uma ocorrência de traição: um dos quatro personagens será flagrado em uma traição, dessas bem convencionais. Eu poderia apostar que ao leitor sucederá o mesmo que houve comigo: total surpresa. Paro por aqui para não denunciar coisa alguma. Só ao próprio leitor caberá manifestar-se e surpreender-se.
Em um novo capítulo, o professor Henrique encontra-se com o professor P; trabalham juntos em um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP. Os dois são amigos, frequentam-se mutuamente e P confia na avaliação isenta de Henrique. Consulta-o sobre sua intenção de cursar um programa de doutorado o que permite a Henrique discorrer longamente sobre sua visão da educação como um todo, em especial da pós-graduação estrito senso.
Há um conto do mesmo autor intitulado O mal-estar de ser professor, disponível lá no site do escritor, em que o jornalista J entrevista o professor-doutor Henrique e produz uma matéria exposta no conto. A entrevista desconstrói a imagem idílica da educação, sobretudo da educação em nível superior: retrata a educação como business, junto com a saúde e o entretenimento, e as universidades como fabricantes e entregadoras de diplomas de graduação, de mestrado e doutorado. A leitura é de abismar, mas não tenho um único argumento para discordar do que li.
Para alternar os ânimos do leitor, o autor nos mostra Rafael ajudando seu marido Henrique nos seus hobbies: plantas, pássaros e aquários. Rafael que participar mais desses hobbies, mas não só como ouvinte, a distância: quer participar ativamente, trabalhando como Henrique o orientou. Rafael nota que Henrique queria, ou melhor, precisava implantar algumas mudanças, mas nunca houve a oportunidade para isso e Rafael decide surpreender seu marido.
O pano de fundo para essa surpresa é o zelo, o cuidado e a dedicação que um tem pelo outro. Se Henrique muito fez para cuidar e mimar seu marido, agora Rafael vê como retribuir: estrutura seu plano, sai em busca de tudo do que precisará, sempre respeitando exatamente os padrões de Henrique e finaliza a surpresa. Henrique, ainda com alguns resquícios de rejeição lá da infância, encanta-se novamente ao constatar o quanto é amado por seu marido. É uma página de entrega, de doação, de cumprir o mais prazeroso dos deveres: cuidar de quem se ama.
Dou-me conta de que temos tratado de dois casais – Rafael & Henrique e J & P - oficialmente casados, felizes e harmoniosos, mas que não moram juntos, embora estejam sempre juntos. Cada um decidiu permanecer em seu apartamento; ora dormem juntos, ora dormem separados.
O autor destaca a necessidade de cada um dos quatro de reenergizar-se estando consigo mesmo; não se pode estar bem para o outro se, antes, não se estiver bem consigo. Penso que o autor quer atribuir a harmonia e a felicidade dos dois casais  a essa forma, ainda heterodoxa, de convivência matrimonial.
No último capítulo, o autor apresenta um balanço da vida de Rafael e Henrique promove uma confraternização dos quatro com o reverendo anglicano. Há uma verdadeira experiência culinária perpetrada por P, o ex-padre, quando fala das pizzas que servirá aos convidados, mas o encontro é uma oportunidade de catarse para todos os males que sofreram na igreja, com destaque para comentários de bastidores da igreja: “se tiver jeito de hominho, passa”.
É o “parecer” tentando aniquilar o “ser”; é a brutal e esmagadora hipocrisia da igreja tentando fazer sucumbir o “Viva e deixe viver!”. O amor, o mais forte de todos, irá sobreviver.
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Atualizado em: Seg 6 Fev 2023

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