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Aldeia claudicante

A luz que me ilumina me encandeia
Quando quero mostrar o que não se mostra na aldeia.
Preciso pintar um quadro convincente,
Mas que não mostre o papel de certas gentes.

Tenho que fazer vista grossa
Para a gente fina
Que sempre endossa
O que vem de cima.
Tenho que viver em uma casa sem botão,
De peito aberto e sem alma na mão.

A minha alma é livre para navegar,
Desde que eu consiga negar:
Que os sentidos estão no sentido que interessa
Aos que mandam na conversa,
Que a luz da casa grande chega à senzala
Para indicar uma direção, não para iluminá-la.

Tenho que vender como autênticos os falsos Picassos
E me emporcalhar na lama do riacho.
Tenho que dizer que o “penso, logo existo”
É uma ofensa a Jesus Cristo.

Não posso mostrar que a escravidão mudou de roupa,
Mas está aí de vento em popa.
O excesso de exploração é uma marca marcante,
É um traço que mancha a aldeia claudicante,
É um dos fios que perpassa toda a teia
E quem tentar quebrá-lo será o peixe da ceia.

O que há por trás das cortinas de fumaça não pode aparecer
E a minha pintura tem que parecer
Uma representação verdadeira.
Tenho que vender uma parte como inteira.
Manipular e dissimular para se apropriar.
Preciso ser cínico, preciso apodrecer,
Preciso mostrar para esconder,
Preciso me esquivar das manobras
Dos que veem o povo como mera mão de obra.
A pintura desse quadro,
Em minha alma, faz estrago.
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Atualizado em: Dom 1 Dez 2024

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