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ENQUANTOS
Enquanto for sangue, quero ser vários,
um a uns, uns a um de cada parte
dos atos em que subo personagens
da coxia aos toques do alarme.
Enquanto estou nuvem (e esparso),
colho de sua instabilidade,
a ânsia dos ventos afunilada
por entre os poros da tempestade,
para saber se chovo ou se passo
em desfile de cinza e de prata,
cobrindo lua ou dando no raio
do sobretudo cru da noite pálida.
Enquanto estou morto (e fantasma),
contorno o oceano de lápides,
pouso sobre o granito mais alto
e esvazio a sidra das taças
para sentir o bafo dos buracos,
ver o senhor Tranca Rua das Almas
e recobrir-me com a sua capa
preta de gola em V levantada.
Enquanto estou verso (e calado),
incluo um ruído ao contrário
e tento terras que possam imagens
vívidas de algum outro reinado,
para romper a ponte da linguagem,
verter a lágrima em estiagem
e receber o santo da palavra
lá na nuca vã da encruzilhada.