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RUPTURA (versos do impuro) - dueto Freya / AJO
Na longa estrada que a vista sinuosa alcança,
privo-me dos festejos, da ressaca e sua lança,
meu desejo, em espera ainda não carcomida,
derrama alucinações no caminho da ermida,
vou assim conduzido entre estacas aramadas,
são sentinelas sustentadas por linhas farpadas
e me fazem seguir, numa sina sem sina, ignoto,
caçando o amor no perfume de páginas antigas,
aquele que não há de tolher-me com intrigas...
enquanto almas pobres se recolhem ao esgoto.
E por assim andar nesse inverno tão rigoroso
e por sentir anseio latente, pulsante, vigoroso,
como padre cadeado por São João da Cruz,
devo transformar o atril num facistol de luz,
devo ampliar e sustentar a regra na escura via,
mas a noite em novilúnio entretanto se anuncia,
eis o entardecer despertando, devo cruzar o rio...
adernou a coragem e um espectro, tênue imagem,
da canoa que soçobrou recolheu-me à sua paragem...
enquanto as almas pobres se encolhiam no frio.
Alarmado, me pergunto: Que alma essa alma é,
nem alva nem densa, o que pensa de minha fé?
E essa mão que me salva também me conforta
uma estranha situação me acolhe, me comporta,
sinto-me absorto, com alas de ferro em ferrugem...
e esse ser, que me acaricia com sua penugem?
Como a sombra para a forma, o ato para o efeito,
o que tenho ao teu desejo, eu, homem puro,
o que posso ofertar-lhe estando tão inseguro,
enquanto minh’alma se inquiri nesse estreito?
"Vim na tempestade que teu barco naufraga
Minhas emoções contidas no céu foram percebidas
Quando uma lágrima rolou e caiu neste rio
Do céu fui banida por apaixonar-me
Anjo não se apaixona, tem ágape amor...
Minha missão era guardar-te, proteger-te em sua labuta
E essa tempestade que agora lhe assusta
É tão somente a vida de um anjo que se desmistifica...
Mas como pode um anjo amar uma vida?
Um homem feito de ossos, carne e sentimento...
Sim, eu era única contigo em tua solidão
Velava teu sono, guiava teus passos,
Envolvia-o com minhas asas quando em pranto,
E quando procuravas nos livros o amor dessa vida
Eu estava escrita naquelas páginas,
Minhas mãos que te salvam agora
Sempre te ampararam, sempre te sentiram
E agora que me sentes, consentes o que sinto.
Aquela brisa suave que trazia alívio
ao calor de teu ofício, era o ruflar de minhas asas
Ao redor do seu corpo, tua aquecida casa
Nas noites frias de solidão, teu aconchego,
Meu olhar sobre ti sempre dormiu teu sono,
Guardava-te do medo que trazia bons sonhos,
Tua crença, tua fé, teus clamores ao altíssimo
Fizeram-me vir do céu e ser um ser na terra,
Um anjo que há de sempre ser anjo por teu amor."
O que me concede a exposição das intempéries,
se não as dúvidas dantes vindas hoje em séries?
Outrora e até agora entre animais e carbúnculo,
sou alquimia de retorta que gera-me homúnculo,
tão ávida pequenez corta a realidade de meu cio
e a experiente vontade na cumplicidade desse rio,
estranho o presente como criança em novo berço,
eu que por tantas noites brancas vivi do costume
e busquei em imagens santas a beleza do lume...
enquanto almas tantas inda se agarram ao terço.
Lânguida Dama, que tanto em tantos dias quis,
meus desejos de cama pela promessa que fiz,
invocam teu ato, aquele que irrompa e não meça
cada palavra insana onde a tortura se confessa,
dá-me as mais simples e majestosas sensações,
recebe-me no espetáculo de jorros e pulsações,
ensina-me a realizar tudo o que não aprendemos
e minha calma na exatidão de sua rígida pressa
esvai-se por rupturas e ao infinito se arremessa,
enquanto almas tantas já sabem o que faremos.
Agora, quando o gosto do sal se faz ao olfato,
na doçura do rosto, descubro em cena e ato
a armadilha do prazer ofegando suas presas,
músculos, pele e pêlos afloram n’almas tesas,
percebo-te Anjo e te sinto Mulher sob o véu,
sem razão ou pelo engano mostra-me o céu
na potência diluída em maiúsculos espasmos
e envolvido por sensitiva e estranha abdução,
sei que almas estão presas na própria opção,
enquanto compomos canções nos orgasmos.