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POEMA URBANO (para Lourival Júnior)

Abro a janela dos loucos (eu e meu quarto),

lentamente a manhã é concebida num parto

embora cotidiano, lindo, fazendo-me sorrir

e atinge ao silêncio estranha poluição sinfônica,

à janela debruçado olho a confusão arquitetônica,

mas olhos e cansaço me convidam pra dormir.

 

É tarde! Acordo! A ressaca e seus resquícios

causam asco e repugnância aos vícios,

que mais tarde, pela saudade do efeito,

levam-me à mesa bizarra e boêmia,

onde sempre encontro a alma gêmea

que embriaga-se também no mesmo peito.

 

O som que ouço no laser do pensamento

leva-me do quarto quieto ao raro momento

em que nem o gozo da alegria me engana,

conheço o homem, suar armas e projéteis,

entendo que são maus seus sonhos férteis

e que sou o homem ao sair do meu nirvana.

 

Da cidade, saudades do que não conheço

e ânsia de redescobrir o início, o começo,

frios inversos passados, longos verões secos...

onde está a força de outra terra vinda?

E os verdadeiros heróis do Recife e Olinda,

que são esquecidos nos nomes dos becos?

 

Sou semente que do chão não se apanha,

grão de areia componente da montanha,

a voz sublime transformadora dos gritos,

aqui nascido, criado e vívido por entre

as vias desconhecidas de teu ventre,

mãe pródiga do meu bairro dos Aflitos.

 

Vislumbro feliz a loucura dos insanos,

o som maravilhoso do vento-soprano

que traz do leste o sal do atlântico

e o eco confuso de vozes estrangeiras,

arquitetas das igrejas nas ladeiras

onde desfila a religiosidade em cântico.

 

Eu sou aquilo o que sempre quis,

o rascunho e original do que já fiz,

um átrio na robustez construtiva,

fração de fumaça quente dos cigarros

que poluem juntamente com os carros

minha antagônica consciência ativa.

 

E serei sempre, ante os falsos do mundo,

o notório e contundente aleijo oriundo

de um passado jovem e sem realeza,

erigindo a rigidez do esforço próprio,

sem a consistência insistente do ópio,

nunca abandonei a minha natureza.

 

Penso. Indiscriminadamente, penso.

Mundo pequeno, pensamento extenso.

Como pode comportar este meu mundo,

aparentemente, aos olhos, abstrato,

a lucidez misteriosa do incontestável fato

de ser mais quando mais me aprofundo?

 

Aqui, a madrugada odorosa das alamedas,

substitui o perfume bucólico das veredas,

sou um cão urbano, não sou um bicho...

e minha solidez como nunca, consiste,

em saber que pra saber que existe,

aproveitaria as sobras que restam no lixo.

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Atualizado em: Qui 24 Mar 2011

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