- Ensaios
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Manicômio
Beelitz-Alemanha-1898
A insanidade,o desespero,a fúria incontrolável,a loucura violenta que deteriora a mente,a deformação da criatura.O fogo que lacera a carne,a lama que congela os pés,a fuga sem rumo.
O abandono absoluto da realidade,os trapos encardidos que cobrem as minúsculas janelas,a angustia,a agonia incontida da alma.A luz precária,a chama trêmula,o ruído amedrontador das correntes,o odor ferruginoso das grades.
Deus chora por nós,pelos desequilibrados,pelos alienistas,por onde o cavaleiro das sombras cavalga,onde a espada do inferno nos ataca barbaramente.O maligno infiltrando-se em nossa alma,e a constante inconsciência que nos atormenta.Transborda o cálice do diabo,escorrendo seu néctar de terror pelas fétidas paredes de pedras.
O caos do espírito,a degradação humana,a razão refém da bestialidade,a alienação devastadora da alma.
A revelar-se o animal adormecido dentro de cada ser humano,delirante,enfurecido,bizarro.A cruz que não alimenta a fé,a luz que não dissipa as trevas,a crença que desmorona como as pilastras de um templo em ruínas.
E o mal se propaga,promiscuo e voraz,a dominar as almas que a debilidade recrutou.
Convulsões,histeria,gritos,tudo para ser anotado em uma caderneta,experimentos,e o choque elétrico libertara o espírito do sofrimento.Amarre-se o demônio,deixe debater-se,vamos estudá-lo.Tudo pela evolução da ciência,tudo pelo bem da sociedade.
Na sombra tirânica da cruz a violência esta a brotar pelos escuros e sujos corredores,pelas celas úmidas,nos colchões esfarrapados,onde ficam aqueles que a irmandade chama de escória.E o cheiro de éter se espalha pelo mórbido ambiente.
Cabeça...parede...cabeça...parede...a bater...a bater...nenhum contratempo,é normal...é apenas mais um delirante.Sangue,morfina,e lá vem o sono.
O lunático,o olhar estático,como se pudesse atravessar paredes,ver o infinito,as mãos trêmulas,os pulsos esqueléticos,as cicatrizes,a fuga da vida,em vão,sem propósito.As freiras,o hábito,o rosário,o chicote,o ferro em brasa a transpor a carne.
O tilintar dos cascos,o carroção fechado,o cadeado a bater na grossa porta de ferro,alguém a espreitar pela ventana.Mais uma remessa de miseráveis indesejados pela confraria mesquinha.
Somente Deus pode lançar uma praga como punição por nossos possíveis pecados,mas nem toda praga é obra de Deus,existem homens que acreditam terem o imenso poder de Deus.
Pelos sujos e pequenos vidros da minha janela,a luz da lua invade o acanhado cômodo.realçando a precariedade do mobiliário,ouço gritos,gemidos,vindos das imensas alas do manicômio.Guardo minhas anotações,cobrirei meu rosto com as mãos,chorarei pelo remorso de ver no que me transformei,e então farei como faço todas as noites,uma dose de ópiun,e adormecer até o próximo dia.
Atualizado em: Ter 27 Ago 2019