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Carmen
Começamos no verão. Quando ainda se sentia o calor do sol no rosto, aquele calor que nos deixa corado, sabe? Agora é outono, está tudo num tom sépia e isso me encanta. Estou indo embora no meu carro, venho pensando em fazer isso a muito tempo, estou em busca de novas inspirações para os meus desenhos, e a vida aonde eu estava não me satisfazia mais, vou começar de novo, quero ver a primavera em outro lugar, quero respirar de novo...
Não notei a quanto tempo estou dirigindo, me perdi na beleza da estrada, tantas árvores em sua volta, ah, a natureza... é o que mais amo desenhar, principalmente com todas as suas cores. Percebi que estou chegando em uma cidadezinha, casinhas pequenas, de madeira, mas com um charme sem igual, ah o cheiro! O cheiro no ar de café recém coado, precisava parar ali, e então deixei o carro em uma vaga qualquer que encontrei e caminhei, até que encontrei o que procurava, uma pequena padaria que ficava de frente pra uma praça com laguinhos e patos e pequenas árvores, e o cheiro maravilhoso vinha de lá. Quero desenhar todas as paisagens desse lugar, quero conhecer toda a gente daqui, quero sentir mais cheiros e mais sabores, todos parecem tão acolhedores. Decido passar a noite aqui, tem um hotelzinho, ele tem cheiro de madeira úmida e consegue ser mais aconchegante do que se pode imaginar. Pela manhã vou caminhar, quero conhecer tudo. Será que alguém vai sentir minha falta? Me vem rápido na cabeça imaginar isso, mas eu já sei a resposta.
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Kate
Já estamos no inverno. O que vou fazer? Eu disse a ela que encontrasse pra si uma nova vida, mas eu fiquei, fiquei pra trás. Nunca fiz parte da nova vida que ela procurava. Vou atrás dela, ainda podemos tentar não é mesmo?
Lucy virou a cabecinha em sinal de dúvida, Lucy é nossa cachorrinha. Perguntei a Lucy o que deveria fazer e continuei aguardando resposta como se ela fosse me dizer algo. Já se passou muito tempo, não posso deixar que continue assim, preciso deixar tudo bem claro, sei que ela vai gostar, eu sei que vai dar certo.
Peguei o primeiro trem da manhã, não tinha dormido mesmo. A ultima mensagem que ela me mandara dizia que havia encontrado uma cidadezinha ao sul, que estava bem, que suas inspirações para desenhar haviam voltado. Será que posso encontrar esse lugar apenas com uma mensagem? A culpa era minha, disse a ela que não precisava me informar o que faria de sua nova vida. Lucy olha para mim como se me culpasse realmente “eu sei Lucy, eu sei” respondo a ela, mas ela apenas abaixa a cabecinha e volta a dormir, a viagem pode ser longa. Me informei sobre todas as cidades pequenas que tem ao sul no Google, e acho que já sei para onde estamos indo. Olho pela janela, já está nevando, quando ela se foi ainda via as folhas amareladas caindo das arvores e deixando o chão coberto. Deixei tempo de mais passar, tempo de mais... não estivemos juntas no natal, nem na virada de ano, espero que ainda possa fazer com que me aceite de volta.
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                                                   Carmen
Sabe, ainda não decidi se é aqui que quero ver a primavera, não decidi nada. Meus sentimentos se renovaram, meus desenhos ganharam um tom mais vivo, sinto que minha busca funcionou, mas ainda assim me falta algo... a muitos dias que não recebo uma mensagem, especificamente de alguém. As vezes acho que exagerei, mas aí eu ergo a cabeça e me lembro que eu não tinha o que queria ali, eu queria mais e ela nunca pôde me dar esse mais.
A chaleira apita, sirvo minha xícara de chá Earl grey e vou para a janela dar uma olhadinha na neve que acabara de começar a cair. Meus pensamentos voam, essa cidadezinha realmente me ganhou. Por um momento no meio daquela branquidão acho ter visto uma silhueta conhecida, mas talvez seja só uma desejo de que aquilo acontecesse, e eu sabia que não iria acontecer, tomo mais um gole do chá, deixo a xícara na janela e me volto para meu cavalete e meu quadro ainda em branco, começo a desenhar aquela silhueta no meio da neve e me distraio ali mesmo, imaginar não faz mal, não é mesmo?
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Kate
Eu não acredito que me perdi, sério? A coitadinha da Lucy está toda encolhida em meu casaco, o jeito é perguntar. A cidade é realmente linda, como imaginei, mas é mais um vilarejo, e eu só espero ter acertado, pois a neve estava caindo com mais força agora e aparentemente eu era a única a ter coragem de andar pela cidade no meio dessa neve toda. Começo a bater nas portas das casas, as pessoas são todas muito amigáveis e logo encontro um senhor que me convida a entrar, ele tem quatro gatos, grandes e gordos, e Lucy fica atenta os observando a cada movimento que fazem, eles não parecem se preocupar nem um pouco com ela.
- Então a jovenzinha perdeu alguém? – Pergunta o senhor me entregando uma xícara de chá.
- Eu espero não ter perdido, apenas nos separamos, eu acho... – dou uma soprada no chá e tomo um golinho, como é doce! Daqueles doces que ardem no fundo da garganta. Então começo a descrever Carmen para ele. – ela tem olhos da cor do mel, cabelo castanho e também é bem baixinha, gosta de desenhar... acredito que está aqui a uns dois meses... ele para um momento para pensar, um de seus gatos pula no seu colo e ele começa a acariciá-lo, de repente solta um –AH- bem alto e o gato pula do colo dele assustado.
- sim, uma mocinha muito agradável, ela gosta de ir até o bar e desenhar os rostos dos velhos dessa cidade, imagine só! Tanta coisa mais bonita para se desenhar. – ele solta uma risada gostosa e continua – ela mora logo ali. – ele se levanta e vai até a janela e aponta com seus dedos curtos e enrugados para uma cabana no fim da rua. Agradeço a ele, pego meu casaco e Lucy, que está completamente atenta aos gatos. – muito obrigada senhor! Ele balança a cabeça e grita: - boa sorte!
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Carmen
Estou desenhando ainda quando escuto alguém bater na porta. Quem será que teve coragem de sair com todo este frio lá fora? Limpo as mãos no meu avental, e vou até a porta. Antes de abri-la sinto algo estranho, como uma sensação nostálgica que sentimos ao ouvir uma musica da infância. E quando finalmente abro a porta não acredito no que vejo, Lucy! Minha cachorrinha! Ela pula em mim com o rabinho balançando, a pego no colo e ela me enche de lambidas gostosas. Mas espere, como? Não é possível, e cachorros não batem em portas. Olho para os lados e me deparo com ela... Kate. Ela veio, ela está aqui, volto meus olhos para meu quadro com a silhueta por terminar, era ela mesma. Mas seguro a emoção e escondo o sorriso, o sorriso que meu coração quer muito por pra fora, preciso ser firme. A única coisa que digo é oi e ela me responde o mesmo, ficamos em silêncio por uns segundos, mas Lucy o quebra com latidinhos de felicidade, então a ponho no chão.
- quer entrar também?- é o que tomo coragem para dizer, ela apenas assente com a cabeça.
- eu... bem, estava passando por aqui e...
- você estava passando por aqui? Por uma cidadezinha no meio do nada com uma tempestade de neve? – pergunto a ela com um leve sorriso de ironia no rosto, ela sorri também.
- sim... Digo, não! Eu vim ver você. Lucy estava com saudade e não para de choramingar e... – silencio. Lucy não estava mais por perto a um bom tempo, ela estava cheirando todos os móveis da casa curiosa e animada. Não sei o que dizer a Kate, não foi ela que quis que eu buscasse aquele mais que eu queria? Mas ela começa a falar novamente, agora séria e parece também determinada.
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Kate
Nossa, eu não acredito que falei que só vim por causa de Lucy. O que eu estou fazendo, eu vim me desculpar, eu vim pedir para que voltasse para mim. Vamos lá Kate! Foi você quem errou, você está arrependida, apenas seja sincera!
Carmen está me olhando com aquele olhar de dúvida, o olhar que eu causei quando a pedi que fosse embora, pois não deixarei mais nenhum espaço para duvidas. Sento direito na cadeira, respiro fundo e começo a falar, ah Deus, que sejam as palavras certas.
- Carmen, acho que o melhor a se fazer é falar de uma vez, então, Carmen – eu adorava dizer o nome dela, assim com todas as letras- me perdoa? Nossa eu não sei o que eu tinha na cabeça quando pedi para você ir embora, eu acho... Não, eu estava com medo, eu não queria sentir aquilo, eu estava realmente negando tudo que eu sentia enquanto você se entregou por completo, de corpo e alma, eu apenas guardei tudo e fingi que não sentia nada, sabe, eu sou muito fodida da minha cabeça, eu não me aceito e acho que ninguém mais deveria chegar perto de mim também. –respirei fundo, pois aquilo era algo que eu nunca havia dito pra ninguém, Carmen olhou para o lado e eu achei que estava perdendo, mas continuei. – eu senti sua falta. Eu sinto sua falta, todos os dias, eu sei que demorei um pouco pra perceber... eu sinto falta de acordar com você, do seu hálito quente depois do café, dos seus beijos por todo meu rosto antes de ir trabalhar, do seu cuidado em escolher o melhor morango pra sobremesa. Eu sinto falta do seu cheiro pela casa, Carmen, eu preciso de você, mais do que qualquer outra coisa, e a Lucy também. E se você puder me aceitar de volta eu te prometo, eu nunca mais vou esconder o que eu sinto, eu vou te dar o mais que você quer, e tudo o mais que você quiser, por favor, volta pra casa... – mais uma vez ficamos em silencio, ela ainda estava olhando para o lado, como se estivesse tomando coragem para me pedir que fosse embora ou... Será que consegui? Ela abaixa a cabeça e vejo uma lagrima correndo por sua bochecha, ela se vira para mim e vejo que mais lagrimas brotam de seus olhos, mas ela sorriu, ela sorriu! Ela vem na minha direção lentamente e segura minha mão.
- Kate, quanto tempo você esteve treinando para falar isso tudo? – ela solta uma risada e aperta minha mão com força, então eu a puxo para perto e a abraço, um abraço que foi retribuído prontamente. Eu consegui? Ela fala baixinho no meu ouvido: – sim, você conseguiu.
Pego seu rosto com as duas mãos e lhe dou um beijo, primeiro suave e delicado, ela retribui agora com mais desejo. Sinto o gosto salgado das lagrimas dela, mas não me importo, a abraço pela cintura trazendo ela o mais perto de mim que posso, e continuamos ali, eu sei aonde isso vai levar, e eu finalmente a tenho de volta, não vou mais te soltar Carmen.
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Carmen
É primavera! Todas as flores estão saindo gentilmente e eu estou desenhando agora tulipas amarelas. Um quadro bem grande, pois vou colocá-lo na sala, acima do sofá, as cores me deixam bem mais feliz. Vou fazer uma torta de morangos para sobremesa, Kate me pediu. Hoje fazemos um ano e meio juntas.
Ela chega do mercado e Lucy vem na frente, correndo e toda feliz, dando giros e pulando pela casa, ela sabe que hoje vai ganhar petiscos. Kate vem até mim com as mãos para trás, e quando as mostra está com um buque com as flores mais coloridas da estação, agora estamos indo bem. Ela me dá um beijo demorado, mas logo a afasto, pois estava amassando as flores.
- vamos ao parque hoje Carmen, ele está mais florido do que em todos os anos, e quero passear com você de mãos dadas.
Sorrio para ela enquanto coloco minhas flores em uma jarra com água. – é claro meu amor.
Agora estamos preparadas para qualquer situação, em qualquer estação do ano.
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Atualizado em: Ter 26 Nov 2019

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