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Você passeou no carro velho (Kontos do nem te conto)

Desta vez, te encontrei jogada no pára-brisa do meu carro às altas horas. Observava a chuva fina que tocava a superfície fria do vidro, e pela luz branca do salão ao lado, vi milhares de gotículas pequenas. Juntado a minha própria pequenez, aproximei-me de cada uma, e ajustei os novos óculos sobre o nariz, e percebi que nenhuma era igual a outra. Eureka! Como a chuva era muito fina e estava começando a se formar as gotículas que ainda não haviam se aglutinado umas com as outras, formando aquelas gotas que ficam cada vez maiores, até se tornarem grandes borrões, e disso, pequenos rios de gotas d'água a comerem e borrarem outras gotas, desmanchando a constelação de gotículas, apagando a pintura magistral, iniciei uma busca insólita.

Nesse efêmero micro universo percebi que a minha frente estava a digital divina, impressa no vidro translúcido, algo que marcaria segundos, minutos talvez, e depois se precipitaria em uma pintura grosseira de gotas grandes e traços d'água descendo e escorrendo aleatoriamente. Por isso, antes da transformação, procurei nessa tela fascinante algo como o seu semblante, seu sorriso, algo tão admirável quanto as outras assinaturas do Creador, supondo que as luzes e belezas fascinantes possuem características em comum a se espelhar entre si.

Se fosse músico, procuraria um padrão musical entre as gotículas espalhadas, como notas rápidas, mínimas e delicadas de uma sinfonia, até a menor representação na tela, a menor das menores gotas, única, bela, ilhada na sua existência irmanada de outras milhares existências, todas geometricamente semelhantes, porém distintas. Como isso?!

Então me aproximava mais e mais do vidro, depois me afastava. Não me lembro de tê-lo feito assim como agora, quando criança, porque naquela época, você engatinhava no meu céu, e só nos sonhos eu a aguardava, logo não a relacionava com nenhum fenômeno. Para ser sincero, até pensei que outros sorrisos poderiam habitar a mesma tela, foi aí que a chuva apertou, as gotas tornaram-se grossas, aglutinaram-se e precipitaram-se vidro abaixo, em disparada correria. Procurei por você aflito, pois não sabia certo onde estava você na pintura, e o universo tornou-se crítico e transformou-se em uma pintura borrada que não aprecio.

Bem, de fato, agora é esperar novo dia, para que se sequem todas gotas d'água e que esta tela, feita de pára-brisa de carro velho, possa ser acariciada com um sutil sopro de chuvisco. Não se preocupe! Estarei atento em reconhecer seus olhos, boca e sorriso, tão logo os veja nesse antigo pára-brisa, numa outra chuva. Enquanto isso, chovo por dentro e transbordo você aqui, por fora, meu amor.
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Atualizado em: Qua 29 Jul 2009

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