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MISANTROPA DE ELITE
Dizem que quando Deus criou o mundo, concentrou as benesses em determinado pedaço do planeta. O Todo Poderoso resolveu privilegiar tal recanto, dotando-o com as mais belas paisagens, as florestas mais exuberantes e coloridas, os rios mais caudalosos e cristalinos, as praias mais deslumbrantes. Nesse cantinho abençoado de éden não haveria tufões, vulcões, terremotos, nem desertos inóspitos. Ao contrário, abundariam terras férteis nas quais, como já dizia Caminha, no primeiro relatório oficial sobre as virtudes do torrão, “em se plantando tudo dá”. Viria a se estabelecer ali um gigante país, que se afirmaria sem guerras sangrentas.
O comitê de anjos que assessorava a obra celestial inquietou-se com a aparente falta de equanimidade do Mestre que colocava em xeque o senso de justiça divina. Um deles aventurou-se em contestar o Rei dos Reis. “Oh, Senhor! Não estareis, porventura, Vossa Onipotência, cujas decisões sempre são cobertas de infinita sabedoria e isenção, sendo excessivamente generoso e magnânimo com aquela específica porção de terra, aquinhoada de atributos tão desproporcionalmente prodigiosos sem nada que lhe deprecie?” “Não vos aflijais, fiel querubim, com a excessiva bem-aventurança desse lugar sobre os demais”, retrucou o Altíssimo. “Aguardai só para ver o ‘povinho’ que vou lá colocar”
Essa história é um tanto cruel com nosso ‘povinho’. Ainda que o brasileiro não seja modelo de perfeição, tem lá suas virtudes: é cordial, alegre e tal. Não é certo creditar à “brava gente brasileira” a desgraça que se abateu sobre o local para anular as graças concedidas, convertendo o abençoado país em berço de miséria, desigualdade e violência que o transformaram de paraíso em inferno.
Hoje, quando vemos as pessoas apinhando-se nos aeroportos para abandonar a ‘pátria das bonanças’ e serem felizes em Portugal, Canadá ou Austrália, só podemos lamentar. Os mais capazes e habilidosos, cansados de esperar as coisas melhorarem, resolveram largar tudo para tentar a sorte em paragens mais promissoras onde possam construir uma vida, um futuro. Estão errados? Se vierem me consultar, digo sem pestanejar: “Boa viagem, irmão. Vá sim para um lugar decente onde seu diploma seja prestigiado, as ciências e as artes valorizadas, os recursos naturais protegidos e os povos originários respeitados. Onde valha a pena ser honesto e ninguém ganhe um salário aviltante. Onde os políticos não te façam de idiota, as leis sejam por todos acatadas e não mudem de ano em ano. Onde seja possível dirigir-se de um lado para o outro com a certeza de chegar com vida a seu destino, sem ser assaltado ou molestado.” É pedir muito?
Seja como for, a responsabilidade pelas mazelas que aqui se abateram não pode ser imputada ao “povinho” que veio a ocupar a terrinha de Cabral. A desgraça do lugar deve ser debitada àqueles que o lideraram. Ou melhor, que o manipularam para servir a seus interesses.
Nossas egocêntricas elites são uma vergonha. Jamais usaram sua posição de comando para construir um projeto digno de nação que a todos incluísse. Visavam apenas pilhar sem dó todo o sumo do país e seu povo para enriquecer, sem nada oferecer em troca. Para, quando nada mais for mais possível sugar, mandar-se com seus dólares para Miami.
Estão sempre do lado errado da história e da emancipação nacional, conspiraram contra a independência, opuseram-se à abolição, deram sustentação aos generalecos que nos mantiveram sob jugo por quase 20 anos numa ridícula republiqueta de bananas. E agora alçaram ao poder um regime miliciano-evangélico retrógrado e obscurantista comandado por um brucutu inculto que distribui armas, baixarias e ignorância.
Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. O Pai Eterno pode agora retomar o sono dos justos. Tem Ele agora a resposta certa ao questionamento dos anjos: “Aguardai para ver quem são as pessoas que vou colocar pra TOMAR CONTA desse lugar”.
Atualizado em: Seg 18 Jul 2022