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Namoro em tempo virtual
Vivia num estado letárgico. Estivera enclausurada por anos dentro de si mesma.
As recordações de seu casamento de vinte e um anos povoavam sua mente. Aos quarenta e dois anos um enfarto fulminante arrebatara o esposo de seu convívio. Estava ele no limiar de sua maturidade. Ela não se conformara. A fatalidade a privara de vivenciar um grande amor. Permanecera durante seu casamento à margem do mundo. Criara à sua volta uma redoma de sentimentos nobres e de um relacionamento verdadeiro. De repente se deparou com a realidade. Estava só. Apenas lhe restara as lembranças de uma convivência que fora bruscamente interrompida.
Após longos oito anos amargando uma solidão que criara para si mesma, decidiu aventurar-se num site de relacionamentos. Não que durante esse tempo não tenha se relacionado com a figura masculina. Contudo, nenhum significara nada para ela. Não se entregara tanto como fizera com este que posteriormente viria a relatar.
Durante um mês trocaram correspondências. Ele, audacioso, se mostrara de todas as formas: através de vídeos, fotos, sites de amigos... Ela, tímida, se reservava em sua discrição e insegurança. Não queria se arriscar, principalmente porque era primária no mundo dos computadores. Trocaram telefonemas e ele insistia em conheçê-la pessoalmente. Relutava, preferia continuar trocando e-mails. Gostava de escrever.
Enfim, por insistência de amigas que também participaram deste mesmo site e da própria filha que pretendia mudar a história de vida de sua mãe, resolveu então conhecer o pretendente virtual.
Convencera a si mesma que teria uma relação repleta de franqueza, pois durante a correspondência eletrônica teve a oportunidade de se conhecerem e fora esta a condição que impusera ao parceiro. Estava convicta que encontrara alguém realmente sincero.
Foram dois meses de namoro _ se é que ele considerava desta forma.
Dedicara-lhe todo o tempo disponível e até mesmo indisponível. Participava de seus relatos sobre sua vida pretérita. Sentia-se parte de sua história. Dividia com ele seus anseios. Ele elogiava seus escritos. Dizia ser ela uma escritora nata. Havia cumplicidade, imaginava ela.
Pensou estar vivendo um romance leal e sobrecarregado de bons sentimentos. Enganou-se. No afã de ofertar todo afeto que acumulara durante anos, não percebera que não era correspondida.
Decepcionada, constatou que durante o relacionamento ele se encontrava sorrateiramente com outra. Quão grande foi seu desapontamento quando viu a foto dos dois em clima de romance num site público.
Como se enganara a respeito dele, por quanto pensara conheçê-lo profundamente. Jamais imaginara que na sua ingênua boa fé poderia ser moralmente traída.
Desmoronaria aí, a possibilidade de ter conhecido a pessoa que possivelmente a retiraria da clausura sentimental à qual impusera a si mesma.
Desacreditada, do namoro virtual, decidiu que ninguém mais iria iludi-la.
Teria outras prioridades em sua vida. Buscaria a concretização de um sonho que estava estagnado. Afinal, graças a "ele" redescobrira o prazer da escrita.
Renasceria, a partir dali, uma nova fênix, que alçaria grandes vôos e do alto olharia agradecida para aquele que um dia a desprezara.
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