person_outline



search

Um Estado Dominado

Dominado
Um Estado Dominado

Até Quando ?

Tendo chegado, com os 15 minutos solicitados de antecedência, estou sentado, na ante sala do dentista, Leonardo, pacientemente, corajosamente, e muito ansioso para ser atendido, na companhia de sua bela e não muito receptiva secretária, Rose, que após abrir a porta para que eu entrasse, me cumprimentou e voltou para suas importantes atividades no Facebook, não me dirigindo mais a palavras. Aproveito o tempo livre, sem ter com quem dialogar, para colocar também em dia minhas atividades solitárias no Candy Crush.

 

Destemido, e tomado por uma ansiedade, que me faz suar frio, ao lembrar que me consultarei com um renomado profissional, que em pleno século XXI, utiliza um ferramental que lembra muito armas medievais, ou instrumentos de tortura, espero chegar o horário exato que estava agendada minha consulta, ou seja, após 15 minutos de silêncio completo e forçado, faço duas perguntas relativamente simples a Rose, a bela secretária. –Rose, o doutor já chegou ? Tem paciente com ele ?

 

Ela me olha, por sobre o monitor e balbucia alguma coisa, que faz entender que sim, o doutor já chegou, quanto a ter paciente com ele, não entendi sua resposta, mas não quis incomodá-la novamente, pois, esta já estava novamente olhando para seu monitor em suas importantes e divertidas tarefas, depois de alguns minutos no silêncio profundo notei que ela sorria algumas vezes para a tela, pensei comigo que bom poder trabalhar com o que se gosta.

 

 A campainha toca, Rose contorna sua mesa, me expõe um belo sorriso, que leio como:Poxa, fui interrompida, em minhas importantes atividades, terei de abrir a porta e ser simpática.

 

Para minha surpresa momentânea, ela foi um pouco mais comunicativa desta vez, ao abrir a porta, falando:-Boa tarde, dona Marta, que bom que é a senhora, estava lhe mandando uma mensagem, para lhe informar que poderia vir hoje. O doutor Leonardo irá lhe atender.

 

Por alguns poucos segundos, pensei que bom terei companhia, diminuirei minha ansiedade, quem sabe conversando com dona Marta, uma senhora que aparentava seus 60 anos, mas infelizmente, meus planos não duraram, noto que dona Marta, deve ter algum problema de visão, audição ou mesmo um déficit de atenção, pois, sentou-se a poucas cadeiras de mim, sem ao menos me olhar, e conseqüentemente sem responder ao meu esperançoso,boa tarde.Coitada da dona Marta.

 

Rose, volta a sua mesa e suas atividades divertidas, eu volto a estourar doces no Candy Crush, dona Marta folheia uma revista antiga, coitadinha, será que esta enxergando?, e o temido silêncio impera novamente.

 

Poucos minutos se passam, e para minha surpresa e felicidade, dona Marta se manifesta, iniciando um diálogo com Rose, que bom ela não é muda, então por que não me respondeste anteriormente ? acredito, que em breve descobrirei.

 

-Dona Marta: Como você sabe, Rose, vendo no meu cadastro onde moro não tem este negócio de bandidos e de “miliça”.

 

Penso comigo, justificando ela não ter respondido meus cumprimentos, coitada, esta senhora vem de tão longe, provavelmente de fora do Rio de Janeiro, este dentista é bom mesmo, talvez tenha chegado cansada, não ter me visto e depois ter ficado sem graça de me cumprimentar, também suponho que “miliça” seja milícia.

 

Meu pensamento relativo a distancia da residência de dona Marta, esta baseado no estudo do Núcleo de Pesquisas das Violências da UERJ, que divulgou que aproximadamente:

            41,5% (1006) das comunidades estão dominadas pelas milícias,

            50,4% (1221) das comunidades estão dominadas pelo tráfico de drogas,

            08,1% (0196) das comunidades estão dominadas parcialmente pelas UPPs. (pelo estado)

 

-Rose: Eu sei dona Marta.

 

-Dona Marta: Mas onde a teimosa de minha filha mora, tem “miliça”, ela não quer sair de lá de maneira alguma, diz que é mais perto do serviço de meu genro, e que é muito seguro, que eu não devo me preocupar.

 

-Rose: Onde eu moro, tem é traficantes ‘mermo’, mas a gente escuta tanta coisa sobre a milícia, que fica até assustada, sem saber o que é pior ou melhor.

 

-Dona Marta: Não Rose, na “miliça” não tem bandidos não, eles são policias, ex-policiais, bombeiros, militares, tudo gente que se une para levar para a comunidade o que não tem por lá.

 

-Rose: Entendi, é que a gente escuta tanta coisa, que assusta ‘mermo’, mas se a senhora esta falando que eles levam serviços e segurança para as favelas, eu acredito.

 

-Dona Marta: Favela não Rose, não deixaria minha filha morar numa favela, ela mora numa comunidade, favela é outra coisa, eu estive lá é isso mesmo, eles cobram alguns trocadinhos de todo mundo, para não deixar ter tráfico de drogas, ou seja, eles dão muita segurança, eles distribuem gás, TV por assinatura bem mais barato, facilitam os moradores o pagamento de contas de luz mais baratas, dão transporte, eu mesmo andei de Kombi dentro da comunidade, e achei bem legal.

 

-Rose: Se é assim, acho que seria melhor ter milicianos do que traficantes onde moro.

 

Como eu estava invisível na sala, assim permaneci, sem dar nenhuma palavra, olhando apenas para a tela de meu smartphone,e aguardando ser chamado.

 

A porta do consultório se abre, agora já são passados 40 minutos, do horário previsto para a consulta, mas médicos e dentistas bons devem ser assim mesmo, todos hoje em dia lhe fazem esperar, neste momento tenho duas surpresas: a primeira o doutor não estava atendendo a nenhum paciente, o que ele estaria fazendo nestes 55 minutos que estou a sua espera na ante sala ? e a segunda já me ajeitando para levantar e ser consultado, o nome chamado é o de dona Marta.

 

Neste momento, para não ser indelicado com tal senhora, espero a mesma entrar no consultório, e me dirijo a mesa da bela Rose, informando que gostaria do estorno da consulta no plano de saúde, por que não mais esperaria pelo doutor Leonardo, esta mostrou-se surpresa, mas fez o procedimento que solicitei.

 

Saio do consultório, com a certeza que em breve, destemido como sou, estarei me enchendo de coragem e marcando nova consulta, agora em outro profissional e preferencialmente longe desta triste e hipócrita zona sul, onde pessoas, como a digníssima e arrogante dona Marta, nem ao menos se olham, e não sabem nem o motivo para tal atitude.

 

Não consegui a consulta, mas me alimentei de uma conversa, que me fez refletir bastante, escrevo este texto numa quarta-feira, dia 26 de novembro, dia onde os principais jornais do Rio de Janeiro, ilustram que em troca de tiros com traficantes e milicianos, curiosamente, a maioria na zona sul, sete, isso mesmo sete, policias foram feridos, dois vindo a falecer, até o presente momento. 

 

Até quando?, o estado vai permitir, que donas Martas, mintam a si mesmas, tentando disfarçar o indisfarçável – traficantes ou milicianos, são todos uma única raça, BANDIDOS, a única e notória diferença é o ramo de atividades, os primeiros traficam drogas, e os demais extorquem os moradores e impõe o medo nas favelas vendendo “benfeitorias”.

 

Até quando?, o estado vai permitir, que traficantes e milicianos dominem praticamente todos os territórios no Rio de Janeiro.

 

Até Quando ?

 

 

“Estupram de lá, esquartejam de cá, mas o pior crime que eu vi foi um pai de família se matando… todos os dias… indo trabalhar sem saber pelo quê.”
Hiago Rodrigues Reis de Queirós
Escritor

Pin It
Atualizado em: Sex 28 Nov 2014

Curtir no Facebook

Autores.com.br
Curitiba - PR

webmaster@number1.com.br