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O mudo só fala o necessário

Nasceu normal, de parto (logo na chegada?), sustentou o pescoço cedo dando a impressão já de que não seria um boi de presépio. Começou a falar aos nove meses, participando ativamente das conversas dos adultos. Isto é fácil para uma criança, pois um adulto amadurecido, o realmente amadurecido, só fala abobrinhas fora das horas em que deve ser sério. Nascera de apgardez, para quem não sabe, apgar é a nota que recebemos ao nascer de chego ao mundo assistido por médico. Se for chegado ao mundo por parteira pode dar confusão, pois ela gritará Roxo!, que tanto pode ser o corpo, risco de vida, quanto pode querer dizer é homem! Não, não meu amigo purista, não é risco de morte, e sim risco de vida! A parteira gritará roxo! se estando em nascimento, se estiver em morrimento não gritará, apenas sussurrará, quase de si para consigo, putamerda. Em todo caso, talvez eu devesse ter dito risco de não chegar à vida com o precípuo objetivo de não ser interrompido por quem estuda em gramática de banca de jornal. Então, como ieu dizendo, tudo ia muito bem, mas... Se me entendem, este mas tresponteados, no que deveria levar um acento, é uma advertência que significa vem-restos-de-alimentos-digeridos-e-eliminados-pela-retrovia por aí! Se não entendeu, entendesse, pois não vou escrever bosta só porque você não entendeu. O problema é que ao adolescer ele ficou mudo. Os pais, primeiro nem perceberam, os pais nunca percebem quando os filhos ficam adolescentes, tratam-nos como criancinhas até os 45 anos hoje em dia (ou os filhos nesta idade tratam os pais como babá, cás pra nós, não sei!). Ele não falava nada, nos horários principais, café da manhã, almoço, jantar e dormir. O silêncio acabou por incomodar a mãe, o pai custou a ficar incomodado. Segue o padrão, os pais não se incomodam, querem apenas não ser incomodados. A mãe, coitada, sempre zelosa com a saúde dos rebentos, primeiro se sentiu rejeitada com o silêncio do filho, que nada falava, mas era um astro no não verbal. Ela conseguia percebê-lo quando alegre e quando triste e sabia dar as respostas que ele necessitava. Sejamos honestos, se somos percebidos pelas pessoas que nos interessam as palavras pouca importância tem, têm, teêm, tehem ou heim?têm. Deixa pra lá. Acontece que ele não falava nada com ninguém. Era mímico. Era o chá das coleguinhas, e nunca precisou dizer palavras para cantá-las... e como as solfejava! Ele sentia e dava os não verbais necessários para se horizontalizar sem queda, quer dizer, sabia sempre fazer o jogo, nada abrupto, nada de chegar jogando no chão e pulando em cima. Não existe isto de onde rolar, rolou. É papo freudiano. Tudo na vida é um jogo de sinais e não de palavras. As palavras só servem para complicar. Ai! Ai! Hum! hum! Ai! hUm! Eu te amo! Pronto, a transa acabou neste momento, pois ele disse umas palavras e teve de as explicar. Mas como me ama? Nem nos conhecemos direito! Eu te amo o tanto que o tempo em que te conheço permite! Você é falso! Cala a boca, exchapeuzinho vermelho e presta atenção na transa! Como os pais dele com ele não transavam... Não, seu burro! Filhos não fazem sexo com os pais, mas transam. Quero dizer, não transavam direito nem nas relações cotidianas do oi pai, tô saindo, mempresta a chave do carro? Ôi mãe, me dá uns real pra cerveja? Como os pais dele com ele não transavam direito, acabou ficando mudo e transferiu para o mundo todo o ficar calado. Isto deu preocupações, hàfinal (justifico o a craseado, o mundo está ficando pequeno, temos de economizar espaço) casos de loucura na família. Levaram-no ao médico. As perguntas de rotina, sente isto? a mãe respondeu. Sente aquilo, a mãe respondeu. Dói onde? a mãe pai respondeu. O médico cansando de exercer a parte veterinária da consulta, vira para ele e pergunta:

- Por quê você não fala nada?

- Eu só falo só o necessário!


A imoralidade da história é que, se falarmos só o necessário, seremos mudos.
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Atualizado em: Ter 3 Mar 2009

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