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Assassinato de Picalho
NA DELEGACIAPassava das 8, quando ouvia-se ao longe o burburinho das faxineiras que conversavam, e Dona Leci, antiga conhecida de todas naquela delegacia de polícia, chegava para limpar a sala do chefe da repartição. Ao colocar a chave na porta, por ser de confiança do Dr. Picalho, era a única que tinha cópia, girou-a adentrando à sala. Alguns segundos depois ouve-se um grito assustado, todas faxineiras correram ao encontro de Leci, e ouviu-se outra salva de gritos.
Dr. Picalho, estendido no chão, com um leve tom roxeado nos lábios e olhos estatelados, com aquela expressão de espanto, de alguém que viu a morte.
Algumas horas depois, a polícia já havia preservado a cena, para que a investigação comprovasse as causas do passamento do temido Delegado.
Encosta diante da delegacia um fusca laranja, conhecido veículo do Investigador Chefe Praxedes, ele desce do carro, olha toda aquela agitação e pergunta a Deco, colega investigador, a razão.
Deco assustado responde-lhe com admiração:
_ Não soube ainda?
_ O quê?
_ Picalho já era, meu chapa.
_ Como assim?
_Estão todos aguardando você, para iniciar as investigações.
Antes mesmo de terminar a frase, Praxedes levanta os olhos, e vê seu maior desafeto descendo as escadas, que já começa a falar.
_ Um investigador chefe que não possui celular. O último a saber de tudo.
_ Bom dia, Diretor.
_ Boa tarde, meu caro. Vá fazer o seu trabalho o mais rápido possível, antes da chegada da imprensa.
_ Sim senhor.
Praxedes era perseguido pelo diretor, embora fosse o melhor investigador de toda região, não se adaptava bem com a tecnologia, e isso irritava o diretor, moço novo, extremamente influente, que alcançou rapidamente o cargo, por conhecer as pessoas certas, e isso desagradava Praxedes pois achava injusto.
O CORPO
Praxedes colocou as luvas, e após o trabalho dos peritos começou a colher suas impressões sobre o caso. Embora Picalho colecionasse inimigos, o relacionamento com Praxedes sempre foi bom. Com seu amigo estendido pelo chão, Praxedes encontrou um primeiro sinal que lhe chamou a atenção.
O cheiro comum, aos conhecidos da vítima, o famoso Vick Vaporub estava no ar, mas não encontrou o frasco. Procurou pela mesa e gaveta, mas nada. Olhou a lata de lixo, e nada da embalagem. Estranhou, anotou este fato, e continuou sua investigação.
O segundo e último fator que lhe causou estranheza, o sinal em meio a poeira da sala, aparentemente faltava um porta-retratos na estante, tirando isso, tudo permanecia normal.
Chamou o pessoal da polícia científica e perguntou sobre os dois itens, caso haviam recolhido, o que de pronto lhe responderam negativamente, solicitou então ao perito, colher material dos dedos do cadáver. O perito ficou nada satisfeito, não gostava que lhe ensinassem seu trabalho, mas acabou fazendo mesmo assim.
_ Morte natural. Falou o perito ao investigador.
_ Pode ser, afinal Picalho não era dado a cuidar da saúde.
_ Amanhã lhe entrego o laudo.
_ Hoje, o mais rápido possível. Precisamos dar uma satisfação a Imprensa.
_ Impossível, tenho outros…
Interrompido por um gesto do Investigador, colocando o dedo sobre a boca, indicando silêncio, e na sequência, outro gesto pedido celeridade.
Ele acenou com a cabeça contrariado e completou.
_ Verei o que posso fazer.
VAZA A NOTÍCIA
Alguns minutos depois da saída do perito, Praxedes estava em sua sala e foi bruscamente interpelado por um repórter que adentrou a sala, perguntando qual o posicionamento da investigação. Mal se levantou, havia uma "manada" de pessoas entrando, e pensou. Começou.
_ Vou responder as perguntas, desde que se organizem.
_ Quem matou o Dr Picalho. Perguntou um repórter.
_ Não há nenhum indício de assassinato. Estamos aguardando o laudo do perito, para identificarmos a causa da morte.
_ Ele sofreu ameaças? Foi tiro? Houve luta?
_ Não posso responder a estas questões ainda, mas assim que tiver um posicionamento vocês saberão. Agora por favor saiam da minha sala e me deixem trabalhar.
Homero, repórter e informante de longa data de nosso protagonista, entra na sala de Praxedes, espalha-se na cadeira a sua frente, e vai logo perguntando.
_ O que você acha?
_ Ele foi assassinado. Você sabe alguma “treta” que ele esteja envolvido.
_ Apenas a de sempre.
_ Sei, mas será que algo novo aconteceu?
_ Ah, vindo de Marisa, sempre haverá surpresas.
_ Eu cansei de avisá-lo que marido traído, qualquer hora pode dar “novidade”.
_ Não sei, este caso é antigo, se fosse para acontecer algo, já deveria ter acontecido.
_ É, mas me diga, porque acha que foi assassinato?
_ Ainda estou agindo pelo instinto, não tenho nada para afirmar minha tese. Assim que sair o laudo, poderei realmente dizer se estou certo.
_ Pô, Praxedes. Vai esconder de mim?
_ Não meu Caro, não tenho nada mesmo.
A LINHA DA INVESTIGAÇÃO
Praxedes olhava nervoso, o relógio da parede que marcavam 18:30, pensava o porque do perito ainda não ter lhe dado notícias.
Trimm, toca o telefone que é atendido de pronto.
_ Praxedes.
_ Não foi causa natural. Informa Perito Figueroa.
_ Havia veneno misturado ao Vick Vaporub?
_ Se você não cometeu o crime, você é um gênio. Exatamente.
_ Imaginei, porque não encontrei a embalagem.
_ Ele foi envenenado. Encontramos resíduos nos lábios. Estranho isso não?
_ Ele sempre teve o hábito de hidratar os lábios com Vick, nunca entendi, mas…
_ Então foi isso. Alguém envenenou o frasco, e ao passar nos lábios, acabou ingerindo.
_ Tem como saber, o tempo aproximado que ele possa ter ingerido?
_ Pela potência do veneno, creio que pouco tempo antes da morte.
_ A quanto tempo ele está morto.
_ Pela rigidez do corpo, acredito que ele morreu entre 18 e 19 horas de ontem.
_ Mais algum detalhe que possa me ajudar.
_ Creio que tenha tido um encontro, pois há marcas de batom no pescoço e o corpo cheira a perfume feminino.
_ Interessante. Nada mais.
_ Não.
_ Obrigado.
Agora que tinha certeza sobre sua tese, ele deveria arregaçar as mangas e partir para o trabalho.
Na manhã do dia seguinte, encontrou Dona Leci na cozinha, e a mesma ainda assustada com o acontecido.
_ Bom dia, Dona Leci.
_ Bom dia Seu Praxedes.
_ Preciso lhe fazer umas perguntas.
_ Claro, o que quer saber?
_ A senhora que encontrou o corpo do Dr Picalho?
A mulher desabou a chorar, e foi amparada por Praxedes.
_ Calma Dona Leci.
_ Ele me tratava tão bem. Apenas a mim, ele confiava a chave da sua sala, e agora ele se foi.
_ Todos sabemos da empatia que Picalho tinha para com a Senhora.
_ Sim. Como um homem tão bom, pode morrer assim?
_ Dona Leci, apenas a Senhora tinha a chave da sala, exceto ao Doutor?
_ Sim, ele só confiava em mim. Vivia falando a todos o quanto eu sou de confiança.
_ Quando a senhora chegou pela manhã, notou algo diferente?
_ Não, mas também, não tive nem tempo de perceber, tamanho o susto.
_ Entendo. A Senhora pode me acompanhar até a sala, por favor?
_ Ai, não queria entrar lá, mas se for preciso para ajudar.
_ Sim. Preciso sim.
Dentro da sala, Praxedes pergunta a Dona Leci, como todas as manhãs fazia a faxina, se sentia falta de algo. Ela passeou os olhos pela sala, e balançou a cabeça negativamente. Praxedes agradeceu e a dispensou em seguida.
Praxedes começou a juntar os detalhes, o sumiço do frasco, o porta-retratos, a marca de batom, o perfume. Não tinha jeito, teria que intimar Marisa e o seu marido.
Deco, entra afobado na sala e diz:
_ Praxedes, fiquei sabendo do laudo, e preciso lhe contar algo que ouvi no bar.
_ É sobre o caso? Se não for, não tenho tempo agora.
_É sim. Fiquei sabendo que o Dr Picalho foi ameaçado pelo Senhor Feitosa, diante de muita gente no domingo passado. Parece que tem mulher no meio.
_ Alguém confirma esta história?
_ Sim, muita gente viu.
_ Hum, este caso tá ficando cada vez maior.
SENHOR FEITOSA
Homem mais rico da cidade, fazendeiro, viúvo, muito conhecido em toda região, influencia política, nos tempos antigos diriam tratar-se de um Coronel. Dono do jornal da cidade, da Rádio, ou seja, não havia uma palavra publicada ou informada na cidade que não passasse pelo crivo dele.
Muito mulherengo, havia centenas de histórias envolvendo mulheres.
Após a conversa com Deco, Praxedes foi tirando tudo que poderia ser útil para a investigação, até que soube que Feitosa estava interessado em Marisa.
Ele coçou a cabeça, e imaginou que esta investigação seria um precipício.
Organizou sua agenda, e resolveu começar pelo Senhor Feitosa. Pediu que intimassem o “Sinhô Feitosa” como era conhecido em Queimada.
A secretaria pediu para confirmar o nome do intimado sabendo ser pessoa tão importante, e Praxedes com sua calma rotineira, ratificou o nome.
Para espanto de Praxedes, duas horas depois do pedido, a secretaria bate a porta e diz:
_ O homem tá ai.
_ Quem?
_ “Sinhô Feitosa”.
Praxedes estranha a rapidez e pede a moça para dizer-lhe para entrar.
_ Praxedes, o nome do Senhor, tô certo?
_ Sim Senhor Feitosa, por favor, sente-se?
_ Imaginei que o Senhor quereria falar comigo, devido ao “arranca-rabo” que tivemos no domingo, e com esta tragédia, quis adiantar o expediente. Não tenho nada com o acontecido. Nem tava aqui no dia do crime.
_ Sei. Mas o Senhor pode me dizer o motivo da ameaça?
_ Não é surpresa pra ninguém, que o Picalho saia com a Marisa, e eu mais ela, tínhamos tido uma conversa semana passada, e nós estávamos começando a nos entender. E no sábado, ela me ligou dizendo que o Picalho tava insistindo em querer se encontrar com ela, que não queria mais. Não tive dúvida, encontrei-o no bar, e avisei pra ele deixar ela em paz e ele me desrespeitou, foi quando disse, que estava se metendo com o cara errado.
_ Entendo.
_ Mas nem precisei fazer nada. Riu Senhor Feitosa.
_ O Senhor não precisa me mostrar, mas se quiser fazê-lo, eu agradeceria. O senhor tem o registro da ligação da Sra Marisa?
Feitosa olhou-o de cima abaixo, e com um sorriso maroto no rosto, enfiou a mão no bolso interno da jaqueta, retirou o celular e os óculos, procurou pela ligação e mostrou ao Investigador.
_ Posso anotar o número para confirmar?
_ Sim, meu rapaz. Fique à vontade.
_ Obrigado. Agradeço sua cooperação.
_ Por nada.
CERTEZAS INCERTAS
Já era passado da meia-noite, Praxedes não conseguia dormir, passando os rostos de todos que falou, e como era de costume, ele assemelhava uma investigação a um novelo de lã, enquanto não achasse o fio, ela não servia para nada. Relia suas anotações e alguns fatos não encaixavam, então precisava ficar mais atento, acreditava que todo criminoso, no fundo quer ser pego, então a razão de dar sinais, muitas vezes imperceptíveis para os leigos.
Na outra manhã, além da investigação, havia muitas rotinas do trabalho que um investigador Chefe deve cumprir, então saltou cedo da cama, tomou um café gelado do fundo da garrafa, e pensou de quando seria, visto que não havia feito no dia anterior. Engoliu com cara nada boa, e partiu para a Delegacia.
Depois de muito pensar, revirou na sua gaveta uma foto antiga que havia tirado com Dr Picalho, quando recebeu um prêmio do Prefeito pela solução de um caso ocorrido na Prefeitura. Nesta foto estava Picalho, o Prefeito e Praxedes, na sala da vítima.
Encontrou a foto, e procurou um detalhe na mesma, e encontrou. O porta-retratos desaparecido estava lá, em tamanho minúsculo, mas dava pra entender que era uma foto com muitas pessoas, e antiga. No envelope onde se encontrava a foto, estava o nome da loja confeccionadora da mesma, e partiu para lá no mesmo instante, na esperança de obter mais dados.
Lá chegando, encontro Zé Fotógrafo, amigo de longa data, colega de infância, e saudaram-se, falaram um pouco do passado até que Zé, lhe perguntou:
_ O que te traz aqui meu amigo?
_ Preciso saber se há como aumentar esta foto, ao ponto de reconhecer quem esta neste porta-retratos?
_ Me lembro deste dia, eu tirei esta foto.
_ Sim, mas há como?
_ Difícil dizer, que conseguiremos aumentar, sem problemas, quanto a reconhecer as pessoas, apenas quando estiver pronta.
_ Por favor, tente.
_ “Vamô lá”.
Passado alguns instantes, após procurar nos arquivos, Zé encontrou a foto. Abriu o arquivo e focou no porta-retratos e foi aumentando.
_ Este é o máximo.
_ Ótimo, são doze pessoas.
_ Reconheci quase todas, apenas este aqui, não sei quem é.
_ Verdade, também não reconheço.
_ Zé, me ajudou muito. Sexta tomamos uma por minha conta.
_ Opaaaaa, to dentro.
_ Um abraço.
A FOTO
Das doze pessoas, seis já eram falecidas, três há muito haviam se mudado da cidade e não haviam notícias, um era desconhecido, e dois brilhavam como fogo. O marido da Marisa, e o Senhor Feitosa. Era hora de falar com Bartolomeu, o enganado da história.
Praxedes tentava traçar perguntas, isentando o fato de saber do caso de Marisa e Picalho. Não seria nada fácil levar este depoimento, mas já se fazia necessário.
Pediu a secretária para intimar Bartolomeu.
Um detalhe sobre Bartolomeu, era uma pessoa fora dos padrões normais. Seu apelido era trator, devido a força e tamanho, media aproximadamente dois metros, e pesava em torno de 130 quilos. O homem era um monstro.
Em sua sala sentado, Praxedes suava frio, ao saber que aproximava a hora da conversa com Bartolomeu, sabido por todos na cidade, ter um ciúme doentio de Marisa. Como bom policial prevenido, deixou a pistola engatilhada na gaveta para o caso de algo sair do controle.
Bartolomeu chegou a Delegacia sem saber o porque de estar ali, foi conduzido a sala de Praxedes, sentou aguardando uma explicação.
Praxedes cumprimentou-o e foi logo perguntando:
_ Bom dia, pedi para que viesse, pois tenho algumas perguntas?
_ Sobre o que?
_ A morte de Picalho.
_ O que isso me diz respeito?
_ No dia do ocorrido, um porta-retratos da estante do Dr Picalho, desapareceu. Consegui levantar uma foto, onde aparecia o referido, e ao aumentarmos a mesma, reconheci sua presença na foto. Por isso você foi chamado.
_ Entendo, sou eu mesmo. Mas isso foi a tantos anos, ainda não entendo?
Praxedes pensou que não poderia de forma alguma dizer-lhe o verdadeiro motivo, pelos menos por enquanto.
_ Você tinha algum problema com Dr Picalho?
_ Nunca gostei dele, cara mulherengo, e tenho mulher bonita, sabe como é?
_ Entendo. Por acaso você o encontrou no dia do crime?
_ Não. Fazia tempo que não o via.
_ Certo. Era só isso. Você está dispensado.
Atualizado em: Sex 20 Jul 2018