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CASOS E DESCASOS
CRUEL SENHORIO
O casal dormia profundamente.
O sol, que já ia alto, aquecia fortemente a telha de cimento amianto do teto do pequeno barraco da rua Um, número 530, na favela do Jardim DS, Zona Leste de São Paulo.
Maria dos Santos Roberto Guedes, de 26 anos, e seu companheiro, Chico Boió, de 40 anos, pedreiro de profissão, ainda estavam entorpecidos pela cachaça barata ingerida até a madrugada e mal tiveram tempo de levantar-se, da malcheirosa cama.
Foram surpreendidos pelo operário Donato Pereira Gomes, de 55 anos, que empunhava uma faca de 15 centímetros.
Vários golpes, tudo muito rápido.
A perícia técnica não precisou ainda quantos, nos dois corpos que caíram no chão de terra batida, umedecendo-a.
A mulher recebeu mais facadas, sem piedade do criminoso.
Donato Pereira Gomes se vingava assim, do casal que não queria desocupar seu barraco, apesar dos insistentes pedidos.
O assassino não suportava mais as brigas dos amásios em sua casa, quando se embriagavam.
Ele, Donato, também costumava beber com Maria e Chico Boió, nos bares da favela e no próprio barraco, quando se recolhiam para dormir, sempre acompanhados da garrafa de pinga mais ralé encontrada nas biroscas da favela do Jardim DS.
O convívio do trio começou há mais ou menos dois meses, quando Donato conheceu o casal bebericando, num animado e barulhento forró.
Fizeram amizade rapidamente e o pernambucano, ao saber que Maria e Boió não tinham onde dormir convidou-os para seu barraco até que arrumassem uma acomodação.
No começo, Donato Pereira Gomes se deu bem com os novos inquilinos.
Ele ia para o trabalho em uma fábrica de plásticos, enquanto o casal permanecia em casa, dormindo.
À volta do operário, já no começo da noite, os três iam para os bares tomar seus aperitivos preferidos.
Pelo menos uma garrafa da "mardita branquinha” era consumida de várias maneiras e, embriagados, se dirigiam para o barraco.
Ali, tomavam mais aguardente barato, até que o sono pesado chegasse.
A bebida foi influenciando negativamente na amizade entre o casal e Donato, dia após dia.
Eles brigavam muito e o operário perdoava muitas coisas, até que resolveu pedir que desocupassem seu barraco.
Dos pedidos, Donato passou a exigir que Maria e Boió se mudassem com o que o casal não concordava.
As discussões foram sucedendo-se, até que o pernambucano tomou uma decisão.
- Não suporto mais vocês aqui! Ou mudam, ou jogo os dois na rua!
De nada adiantou a advertência, ela entrou por suas orelhas e saiu sem nenhuma atenção, do casal.
Eles continuaram no barraco, não se importando com Donato, que começou a se torturar raivosamente.
- Se eu sou o dono disto, tenho de pôr ordem na casa! Vou agir!
Chegou a comentar, com os vizinhos.
A favela estava em silêncio na manhã do dia 27 passado, José Bentão retornava das compras em uma venda da Vila Rica, principal bairro da região da favela do Jardim DS, quando encontrou o amigo Donato com uma mala na mão.
- Bentão, matei aqueles dois que moravam comigo e por isso vou viajar!
Disse o operário a Bentão, que não acreditou muito nas palavras do amigo, mas resolveu ir até o barraco.
Ali, o quadro de terror, Maria estava com a barriga toda retalhada.
Boió também estava repetidamente esfaqueado.
Os dois mortos e totalmente cobertos de sangue já começando sua coagulação.
José Bentão saiu do barraco desesperado e saiu à procura de Donato, que já desaparecera pelas estreitas ruas da favela, encoberto pelos latidos dos cães.
- "Não me disse para onde ia! Deve ter ido para sua terra! Era um homem bom, o Boió, um grande amigo”.
Disse José Bentão ao escrivão interessado Peixoto, da Delegacia em Vila Rica, quando era interrogado.
José Bentão foi quem avisou a polícia sobre o duplo assassinato e é a principal testemunha do inquérito; ainda aberto, sem solução, como milhares de outros.
O CAMINHONEIRO E O TRAVESTI
Válber da Silva Teixeira, 30 anos, caminhoneiro, tinha se instalado no bairro do Bixiga, em São Paulo, nos anos 70, passando a frequentar o bar e café Grappa de Lucio Montanari, de 28 anos, localizado no centro do bairro.
Com a compra do local, Lucio chamou seu irmão, Pietro, de 25 anos, para que também viesse tentar a sorte em São Paulo, deixando a localidade de Casella (Gênova), onde ambos eram cozinheiros.
Pietro dormia no bar e cuidava da casa, nos horários em que o irmão estava fora, fazendo pagamentos.
No domingo à tarde, Lucio estava de folga e o rapaz ficou responsável pelo estabelecimento.
Para defender-se de possíveis assaltantes, sob o balcão, guardava um revólver calibre .38, carregado.
O bar e café, contendo um balcão, mesas com banquinhos e uma mesa de bilhar, foi comprado pelos dois irmãos há menos de dois meses.
Nem Lucio e nem Pietro conheciam Válber, apesar do mesmo, frequentar o estabelecimento antigo, já há algum tempo.
No entanto, desde que haviam adquirido o negócio, o caminhoneiro nunca havia ido lá.
Dez ou doze pessoas estavam no bar e café Grappa, naquela tarde ensolarada e abafada.
Pietro, irmão do proprietário, se encontrava atrás do balcão e alguns fregueses em torno da mesa de bilhar.
O delegado Tanaka e o escrivão Jair, do Distrito Policial da região, só sabem o que aconteceu através de testemunhas.
Entre elas, Pasquale de Santis, antigo morador da redondeza.
Válber chegou por volta das 18:00hs.
Embriagado, agressivo.
Pietro Montanari, embora não o conhecesse, já sabia de sua fama de desordeiro.
Preveniu-se e deixou o revólver à mão.
Válber, que quando ficava embriagado, se apresentava como Matilde e, nos "inferninhos" frequentados por travestis, se vestia como mulher, ruiva e sedutora, e já estava bastante alcoolizado.
Queria beber mais e participar do jogo de sinuca, mas, como estivesse incomodando os demais fregueses, com seus palavrões, acabou sendo advertido por Pietro e intimidado a se retirar.
O caminhoneiro travesti não se conformou, franzindo sua feição, horrendamente.
Forte e completamente embriagado, Válber já estava fora de si.
Inconformado quando foi intimado a sair do Grappa, simplesmente começou a quebrar tudo.
Primeiramente, jogou no chão copos e garrafas e, em seguida, agarrando uma das mesas com os braços fortes, avisou que iria tombá-la.
Pietro pediu que se acalmasse.
Válber não escutou e cumpriu a ameaça.
Sem esforço algum, tombou a mesa e ameaçou continuar o quebra-quebra geral.
Pietro não pretendia atirar.
Intimidado com a fúria do desordeiro, ele primeiro dá um tiro em direção do chão, acertando a coluna que separa duas das três portas do local.
Nem assim Válber se intimida e tenta avançar contra o comerciante, gritando, completamente alucinado.
Sem opção, o rapaz italiano agora trêmulo, aponta o revólver para o agressor e aperta o gatilho, mais duas vezes.
Válber esboça uma reação de surpresa, observa abismado os dois tiros em seu peito, cospe muito sangue e cambaleia, como um boneco de pano.
Tenta desesperadamente, agarrar-se ao balcão e cai.
Está agonizando, praticamente morto.
Ainda vivo, é socorrido pela guarnição de radiopatrulha que foi chamada para verificar, o que havia acontecido ali, mas morre, ao chegar ao hospital.
O inquérito segue os trâmites legais.
O SACO PLÁSTICO
O motorista do ônibus, que faz a linha Santo Amaro-Taipas (São Paulo), virou-se para a mulher idosa que acabara de descer e disse-lhe.
- "Minha senhora, esse saco é seu?!"
Viviane Rocha soltou um grito e entrou desesperada, no coletivo.
No afã de tirar o saco plástico decorado, que já estava na mão do cobrador, ela deixou o seu conteúdo cair no chão, bruscamente.
Pedro Silveira, o motorista ficou visivelmente boquiaberto; enquanto Jacinto dos Santos, o cobrador, quase desmaiou: na frente dos dois, a seus pés, havia dois crânios humanos, e algumas peças de roupa, que haviam caído do saco, que pertencia àquela simpática velhinha.
O condutor do veículo, então, fechou as portas do coletivo e seguiu para o Distrito Policial mais próximo, apesar dos protestos ininterruptos de Viviane, e o espanto de outros dois passageiros.
Na delegacia, interrogada pelo delegado Tavares, a idosa passageira, deu mostras de teimosia.
Ela garantiu que estava vindo de Andradina e se dirigia, para casa de um filho.
Teria pernoitado de 5 para 6 de janeiro no terminal rodoviário Tietê.
Nervosa, gesticulando muito, ela somente não sabia explicar, a origem dos crânios, que ainda possuíam um grotesco resto de cabelos grudados.
O mais estranho, eles estavam enfeitados com penas coloridas de galinhas.
Os peritos do Instituto de Criminalística foram prontamente chamados.
Examinaram detalhadamente o macabro encontro, mas não conseguiram chegar a nenhuma resposta plausível.
Somente no dia seguinte, 6 de janeiro, é que os legistas do IML chegaram a uma conclusão definitiva, eram dois crânios pertencentes a pessoas do sexo masculino.
Dona Viviane Rocha continuou detida, por não conseguir explicar a procedência dos crânios.
Os policiais divagaram em teorias, mas descartaram a hipótese de que os crânios fossem de vítimas de homicídios.
Realmente nem Agatha Christie, a renomada escritora britânica, teria uma imaginação tão grande, apesar da versatilidade incrível mostradas nos seus inúmeros romances policiais.
Matar alguém (no caso duas pessoas), esperar a decomposição e carregar seus crânios decepados por dias seguidos, até mesmo dentro do coletivo é algo imaginável até mesmo para o mais fantasioso dos mortais.
O que acabou também descartando a possibilidade do homicídio foi o fato de que não houve, por aqueles dias, nenhum crime em que fossem encontrados cadáveres sem cabeça, não identificados, após minuciosa busca.
Afastada a possibilidade de assassinato, restava aos investigadores checar a história bizarra da velhinha.
Logo, descobriu-se que ela não morava em Andradina, mas sim, aqui mesmo na capital.
Em seguida, uma informação anônima, confirmada mais tarde, falava a respeito do envolvimento daquela inocente senhora em cultos de magia negra.
Os policiais passaram a acreditar então, que os dois crânios foram retirados de algum cemitério da cidade para servir em trabalhos de despacho.
A certeza é praticamente consolidada, pelo fato de os dois crânios estarem adornados, com penas.
Dona Viviane, contudo, não confirmou a versão aventada pelos policiais.
Ela, inclusive, chegou a negar que o saco plástico fosse seu, apesar do testemunho apavorado do motorista, do cobrador e de dois passageiros traumatizados, que se encontravam dentro do coletivo.
Quando foi "apertada" durante o interrogatório, a velhinha repentinamente ajoelhou-se e passou a rezar, gritando.
- "Vocês querem comprometer-me! Deus é justo e vai provar que sou inocente! Isso é demais para uma mulher da minha idade! Eu não posso acreditar, ingratos, isso é pecado, sabiam?!"
Depois dona Viviane, fingiu um suposto “desmaio”.
Os investigadores, pacientemente, esperaram que ela "recobrasse" os tais sentidos, jamais perdidos.
Continuaram as insistentes perguntas, mas ela também continuou insistindo em negativas.
Finalmente, ela foi dispensada na tarde do dia 7.
Mas, foi indiciada e iria responder a inquérito por violação de sepultura e profanação, seguida de roubo de cadáveres e afins.
Um caso estranho, curioso e mórbido.
Um fato até mesmo incrível, pelo seu inusitado, dois crânios adornados, roubados de um cemitério qualquer, para serem usados em trabalho de magia negra.
Um acontecimento até mesmo engraçado, não fosse trágico, dentro da violência da capital.
Em tempo, a estranha e simpática "vovozinha" não conseguiu responder ao inquérito, desapareceu, uma semana após o acontecido; assim como surgira, do nada.
Domicílio ignorado, dizem os policiais; o caso foi arquivado.
A MORTE É BONITA E USA BATOM
Aquele local do Guaraú, próximo ao Grêmio dos Reservistas do Forte Itaipu, em Peruíbe, litoral sul de São Paulo, convenhamos, é bastante deserto.
A rua Sete é apenas uma pequena cicatriz rasgada no ventre da mata virgem.
Pouquíssimas casas por perto.
Por isso, quase ninguém viu quando o táxi Lada vermelho placa ZZ-1530 estacionou ali, naquela noite de sexta-feira, 13 de agosto.
Quase ninguém viu, também, uma pequena fogueira que insistia em arder durante muito tempo.
Uma fogueira macabra, que as árvores e arbustos em volta mal disfarçariam se houvesse espectadores.
No dia 17 de agosto, um domingo, os poucos moradores da localidade, descobriram o que alimentava as chamas, dessa fogueira.
Era o cadáver carbonizado de um homem jovem.
Pouco restara daquele corpo, além de um pequeno tufo de cabelos, parte do rosto e tórax, dos braços e das pernas.
O trágico encontro abalou os humildes moradores, caminho obrigatório a quem se dirige à Barra do Una.
O corpo (mais ossos torrados, do que carne) estava semienterrado à margem da rua.
Sobre ele, alguns galhos queimados.
Nas proximidades, as sobras de um saco plástico contendo as roupas e documentos do infeliz.
Ao ser avisada do achado, a polícia da região viu-se de mãos amarradas.
Não sabia quem era e praticamente, não tinha meios para identificar a vítima.
O chefe dos investigadores, Clodoaldo Leite Pereira, passou dias percorrendo as redondezas onde foi encontrado o corpo.
Até que obteve a primeira pista concreta: às 19h30 daquela sexta-feira; um táxi Lada cinza havia sido visto nas imediações do Grêmio dos Reservistas.
Dentro dele, nada mais, nada menos do que integrantes da turma do Fiapo, um dos mais conhecidos grileiros de terra de Peruíbe, envolvido em homicídios e chefe de uma quadrilha, cuja extensão de atividades, nem a polícia local conhecem.
Dessa informação, à detenção dos cinco ocupantes do taxi e daí à elucidação do crime, foram passos curtos.
O cadáver quase que totalmente carbonizado, era o de Francisco Coelho Filho, 20 anos.
Ele havia sido assassinado, com dois tiros na cabeça, por sua amante, Paula Pontes Silva, 34 anos, loura oxigenada e muito bela, anos atrás, proprietária de uma barraca de bebidas e petiscos na praia de Peruíbe, a famosa "PPP".
Francisco teria sido morto por vingança; Paula não suportava mais as agressões e ameaças, que o amante fazia a ela e ao seu filho menor.
Os cinco membros da turma do Fiapo (incluindo o próprio), entraram na história, apenas para desovar e dar sumiço ao corpo.
- "Eu conhecia a Paula há dez anos. Nós éramos muito apegados. Quando ela me pediu para desaparecer com o corpo, eu não pude recusar. Se fizemos coisa errada, está feito".
Disse Porfírio Costa Machado, 30 anos, o Fiapo.
Dono de um ferro velho por lá, Fiapo é mais conhecido na região e fora dela, do que a desvalorizada nota de R$1,00 real.
E temido também.
Já foi processado por homicídios, lesões corporais e furto de energia elétrica, inclusive sua fiação.
Mas anda calmamente pela cidade, bebendo de graça onde quer e sempre cercado de muita gente estranha.
Uma espécie de "Don Corleone brazuca", se isso possa existir realmente, claro.
De uma de suas últimas aventuras, Fiapo ostenta no alto da testa a cicatriz chamativa de bala.
Foi num tiroteio travado com agentes da Polícia Federal.
Simplesmente porque ele estava grilando a área de terra, onde deverá ser construída a futura usina nuclear de Peruíbe.
Fiapo não é flor que se cheire não, comenta-se na cidade.
Nem a própria Paula pode confiar nele.
- "Ela disse que assumiria toda a responsabilidade pelo que aconteceu. Se não assumir, vai ser a próxima da lista. Sabe como é eu também tenho as minhas fontes, dotô", ameaça.
Paula conheceu o Francisco no Carnaval deste ano, quando ele foi trabalhar para ela na barraca de bebidas.
Passado o Carnaval, ambos começaram a viver juntos.
Mas era uma convivência bastante difícil, eles desentendiam-se bastante.
Qualquer coisinha, ele quebrava-lhe a cara, dava-lhe surras homéricas.
Teve um dia aqui na minha frente, ele ameaçou matar ela e o menino, explicou o delegado.
Fui obrigado a atuar-lhe em flagrante, por ameaça.
Ele passou dez dias preso, mas quando saiu os dois voltaram a viver juntos.
Acho que ela fez isso por desespero, raciocina o delegado Waldomiro Passos, titular do DP.
No dia 6 de agosto, Paula procurou o Fiapo, contou-lhe que iria matar o amante, por não suportar mais, e pediu-lhe uma arma.
Fiapo recusou-se.
Não se sabe onde, depois, ela conseguiu uma pistola automática calibre 7.65.
Na noite de 10 de agosto, ela matou Francisco, filho de um comerciante, Dario Coelho.
Não tendo como desfazer-se do corpo, colocou-o dentro de um saco plástico e enrolou o volume, num cobertor.
Tirou o colchão da cama de casal e colocou o cadáver, sobre o estrado.
Dois dias depois, Paula procurou o Fiapo.
- "Fiz a história. Matei o cara".
Disse muito calma.
Prometeu R$1.500,00 reais para que ele desse um fim ao corpo.
Fiapo não pensou duas vezes.
Chamou seu empregado BGHI, 14 anos, o Filé, e Jacinto Gomes, 35 anos, o Xuxão.
Chamou também o amigo Pedro Silva dos Anjos, 30 anos, o Pato.
Às 18h de um dia chuvoso, os quatro chegavam a uma padaria (A Mirante das Praias), nas proximidades da estação da FEPASA de Peruíbe, para um lanche regado obviamente a cerveja, muita cerveja gelada.
Só então Fiapo explicou a eles o trabalho que seria feito.
Fiapo ainda procurou por ali uma perua Kombi para transportar o cadáver.
Sem êxito.
A única solução foi valer-se do táxi de Gilberto de Souza, 24 anos, o "GS", espécie de motorista particular de Fiapo.
Às 19h, o quinteto chegava à casa de Paula, na rua Senador Domingues, 37, centro.
Enquanto Gilberto manobrava o carro, os quatro foram ao interior da casa para retirar a "encomenda", mais um pacote com suas roupas e documentos e um galão com dez litros de gasolina.
Como o corpo não coubesse inteiro dentro do porta-malas do veículo.
- "Pato, muito doidão, porque tinha bebido demais", sentou-se com ele e o foi segurando.
- "Fizemos a operação toda em cinco minutos", vangloriava-se Fiapo.
Depois, o carro Russo rumou para o Guaraú.
A cerca de 500 metros do Grêmio dos Reservistas do Forte Itaipu, o corpo de Francisco Coelho Filho, foi depositado à beira da rua Sete, coberto por gravetos e pelas próprias roupas.
Filé despejou o galão de gasolina, no presunto, mas ninguém assume ter acendido o fósforo fatal.
Durante alguns minutos, o grupo iluminado, ficou admirando a fogueira arder.
Depois, retirou-se, com a tarefa já cumprida.
No dia seguinte, Pato voltou ao local e, com um pedaço de madeira, fez uma cova muito rasa para ocultar o que sobrara do infeliz rapaz.
Todos já foram detidos.
Prestaram depoimento, no inquérito instaurado pela Delegacia local e foram postos em liberdade.
Paula apresentou-se em seguida e negou o homicídio.
- "Eu, não suportava mais viver com ele, mas não o matei senhor delegado. Ele é que iria suicidar-se. Quando entrei no quarto, ele estava com a arma encostada já, na orelha. Para evitar que ele se matasse, dei-lhe um tapa na mão. E o revólver, disparou então duas vezes”.
Defende-se.
A já não tão bela assim, Brigitte Bardot de Peruíbe assume, porém, somente a ocultação e o pagamento a Fiapo para o desaparecimento do cadáver.
As investigações prosseguem, vagarosamente.
O LOBISOMEM DE PARIS
Se o inspetor Maigret pudesse sair do retiro forçado, que lhe foi imposto por seu genial criador Georges Simenon, certamente não reconheceria mais a velha Pigalle e Montmartre boêmias, que por noites a fio, palmilhou no encalço dos assassinos comuns, que infestaram Paris e seus arredores.
As ladeiras íngremes e estreitas, calçadas com pedras irregulares, molhadas pela chuva fina, fervilhantes de gente até a madrugada, hoje estão vazias.
Os verdadeiros cafés parisienses, as brasseries e bistrôs, onde, longe dos catálogos para turistas, se come a boa comida o bom queijo e se toma bom vinho, buscado em adegas de origem desconhecida, estão misteriosamente desertos.
Um criminoso, como os que Maigret perseguia, está aterrorizando o bairro.
A imprensa apelidou-o de o "Lobisomem", porque, desde que começou a agir, no começo de outubro, em cinco semanas assassinou impiedosamente, nove mulheres idosas e solitárias.
Cinco desses nove crimes, antecedidos por sevícias e cometidos com extrema brutalidade, seguidos de pequenos roubos, aconteceram, coincidência ou não, na fase da lua cheia.
Pigalle, onde está o Moulin Rouge, dezenas de outros cabarés famosos e outros tantos restaurantes, mais famosos ainda, fica na famosa rive gauche (margem esquerda) do rio Sena.
Ali, incluindo também célebre Montparnasse, os velhos casarões transformados em apartamentos e suas águas-furtadas, transformadas em ateliês, desde a primeira metade do século passado, começaram a atrair os artistas inconformistas de todo o mundo.
Ali viveram, beberam absinto, se drogaram, passaram fome, foram execrados e se tornaram gênios figuras como Baudelaire, Rimbaud, Modegliani, Toulouse-Lautrec, Picasso e tantos outros, famosos ou desconhecidos.
Boêmios e irreverentes, seria bem natural que no labirinto de ruas estreitas, proliferassem a sua volta as adegas, com o chão coberto de serragem, cheirando a vinho novo derramado e taverneiros, sorridente, protegidos por aventais não muito limpos, do peito aos pés.
Com os gênios, ébrios, boêmios e malditos os infortunados de toda a espécie, os marginalizados pela lei ou pela vida, fizeram fugir os derradeiros bons burgueses, fazendo também a delícia do turista embasbacado.
Lado a lado com os artistas, obviamente os infelizes.
Velhos solitários, cujas pensões minguadas ou a usura de filhos e netos indiferentes, só dão mesmo para pagar os cômodos e águas-furtadas, de aquecimento precário e banheiro fétido comum.
Rodeando a todos, as floristas tristes que passam as madrugadas, de primavera ou inverno, à porta dos cabarés, tentando ganhar o café do dia seguinte, ambulantes de toda a espécie e a partir da segunda década do século, migrantes de todas as partes da Europa, América e África.
Ali age sorrateiramente o assim chamado, Lobisomem, a besta desconhecida.
Suas vítimas, velhas solitárias e miseráveis, surpreendidas durante a noite em seu leito, amarradas, golpeadas a facadas com selvageria e depois roubadas em alguns francos, uma ou outra joia barata de família.
Sem que, até agora, ninguém haja escutado um grito, um barulho fora do comum, ou um pedido de socorro, nada.
O mistério e o terror, que extravasaram as fronteiras do bairro para tomar conta da cidade, tornaram-se objeto, de escândalo nacional e objeto de investigações também de jornalistas e curiosos fofoqueiros.
Enquanto isso, os comissários, da Polícia Judiciária, andam às tontas e em desespero, tentando juntar as peças desse verdadeiro e enigmático, quebra cabeça.
A população do bairro e principalmente as mulheres idosas, tem medo de deixar seus pardieiros, mesmo para ir até a agência de Correios mais próxima, receber seus magros cheques mensais de pensionistas.
Nas ruas, as pessoas olham-se com desconfiança e andam rapidamente e quando escurece dificilmente se encontrará uma prostituta sequer nas esquinas.
As vítimas se sucederam em um ritmo ordenado, macabro e monótono, que nada indica haver terminado.
No dia 5 de outubro, encontra-se o corpo de Gabrielle Foucoult.
A ela seguem-se os cadáveres de Ilona Juneaut, Anne Pasteur, e assim sucessivamente as demais.
Todas, entre 80 e 90 anos de idade.
Quem iria querer fazer-lhes mal?
O pouco dinheiro roubado justificaria a tortura a que foram submetidas?
Os agentes acreditam que não, talvez algo de incontrolável mesmice, ordena o seu cérebro doentio.
Se já estavam amarradas, sua morte só se justifica para um louco ou para que não reconheçam o assassino.
A princípio a polícia pensou que fosse um dos muitos jovens viciados em heroína, que perambulam por aqueles bairros e que cometesse os crimes no desespero para conseguir dinheiro fácil e comprar o tóxico.
No entanto, a aparente invisibilidade do assassino parece desmentir totalmente, essa fraca hipótese.
Dificilmente, alguém tão dominado pelo entorpecente (tudo indica que seria assim, se o caso fosse esse) teria sangue frio para evitar qualquer deslize, nove vezes seguidas e tudo, num horrendo banho de sangue.
Outro detalhe intriga a polícia Francesa; por que o matador age apenas naquelas ruas restritas a um exíguo raio de quilômetro e meio, a partir de Montmartre?
Isso parece dar convicção aos agentes que, em vez de vagabundo, alcoólatra ou toxicômano que vaga desesperado pelas ruas, o maníaco sangrento, mora ou tem ocupação fixa na área delimitada.
Um ambulante, talvez.
Mais jovem que suas vítimas, mas, certamente, tão amargo e desiludido, quanto elas.
Um vendedor de bugigangas qualquer, que vê a vida monótona passar a sua frente, ignorando suas frustrações recalcadas.
Quem sabe até amargando a lembrança de uma mãe indiferente, alcoólatra ou prostituta, tão idosa e solitária como suas próprias vítimas.
A mente humana é perturbadora, altamente complexa e muito pouco estudada ainda.
Um ambulante que, durante todo o dia, colocado à frente de sua banca ou percorrendo sempre as mesmas ruas para oferecer aos gritos, sua mercadoria barata, nem sequer é notado.
Não o notam, mas ele pode observar calmamente tudo e todos, com seus olhos dissimulados, de predador faminto, caçando.
Pode escolher calmamente sua próxima vítima, precisar seus horários, ter certeza de que não haverá um porteiro para reconhecê-lo, um vizinho para interromper a execução, ou uma testemunha qualquer, para identifica-lo.
Anônimo antes do crime transfigura-se medonhamente, apenas quando já está diante de sua vítima, para voltar ao anonimato logo que fecha a porta atrás de si e deixa sobre uma cama pobre, mais um vulto disforme e farrapos banhados em sangue e fúria.
No dia seguinte, ele poderá estar no bistrô mais próximo, tomando uma sopa quente de legumes, para combater o frio do inverno e depois, nas calçadas sujas e apinhadas pela chusma que sai para o trabalho, talvez até sorria malignamente para outra anciã solitária que, no fundo de seu cérebro doentio, por uma razão desconhecida, já escolheu como a próxima vítima, novamente sedento, como um verdadeiro; Lobisomem.
Nada de conclusivo, foi apurado naquela época e o caso foi esquecido.
O GUERREIRO DO SOL NASCENTE
A ira dos antigos samurais fez o velho japonês Toshiro Watanabe, de 70 anos, voltar aos seus tempos de guerreiro.
A época em que pertencia ao Exército Imperial do Japão. Watanabe, agora, era o rapaz de vinte e poucos anos, o soldado que lutava contra os americanos na Segunda Guerra Mundial.
Podia até sentir o cheiro da pólvora, os ouvidos zumbindo com as explosões das bombas.
Tempo e espaço se entrelaçavam.
- "Banzai!"
O grito de guerra, em honra ao imperador do Japão, ecoou com ferocidade.
Watanabe lamentava não estar armado com sua metralhadora.
Faltavam também a "takaná" e o "tantô", respectivamente, a espada e o punhal dos guerreiros do Japão feudal.
Tempo e espaço continuavam se misturando na mente do ex-combatente.
O destino pôs em suas mãos, um prosaico tridente de agricultor, como a arma do seu último combate.
E foi com a imagem de sempre, que Watanabe avançou, contra os inimigos.
Dois contra um, uma luta desigual, logo encerrada num lance desleal.
Watanabe não conseguiu desviar-se do botijão de gás de cozinha, arremessado à traição, e caiu golpeado na cabeça.
Depois, o inimigo desferiu uma machadada no pescoço do ex-soldado.
Toshiro Watanabe sobrevivera em Okinawa.
Para morrer nas mãos de um garoto de 15 anos, num barraco miserável de Santo André, no grande ABC paulista.
Toshiro Watanabe morava sozinho, naquela casa humilde, porém imaculadamente limpa.
Ao lado de uma viela, entre duas ruas maiores, no Jardim Jacatuba, bairro pobre do município de Santo André.
O local é ermo e cheio de mato.
A família do ex-soldado, mulher e dois filhos, há muito o abandonara, mudando-se para outra cidade.
A segunda Guerra Mundial deixara marcas terríveis em Watanabe.
Sua mente, perturbada, tornara-se uma pessoa de comportamento estranho, aliás, como todo o sobrevivente, de qual guerra seja.
Às vezes, passava horas e horas, olhando para o céu infinito, como se esperasse bombas despejadas.
Watanabe tinha até razão ao se considerar cercado por inimigos.
A viela malcheirosa e o quintal eram permanentemente ocupados por marginais de todos os tipos, que ali se escondiam, para fumar algo ilícito, ou repartir produtos de roubos.
O velho militar, inofensivo, segundo seus vizinhos, não gostava dos intrusos.
O cérebro do ex-soldado, transformava o matagal, numa revolta praia do Pacífico.
Ele via os navios no horizonte.
Os canhões disparando, bolas de fogo.
As grandes barcaças encalhando na areia branca, desembarcando os fuzileiros.
Não eram os Marines Americanos.
Era apenas um menino de 15 anos, conhecido como Ratão, que mais uma vez voltava a invadir o quintal do oriental, para furtar limões.
Watanabe já estava cansado de pedir que não fizessem mais isso.
Então, naquela manhã de névoa, perdeu a paciência.
Municiou uma velha espingarda com sal e acertou o ladrão.
Disparou duas vezes.
Ratão correu sangrando, foi obrigado ficar acamado 10 dias, até sararem as feridas, causadas pelos disparos.
Enquanto se recuperava, Ratão jurava.
- "Um dia, ainda acerto aquele japa, com certeza!".
No inverno, Ratão estava de volta às ruas.
A ideia de como se vingaria, surgiu quando ele passou diante da casa do japonês.
Encontrou-se com um conhecido, identificado apenas pelo apelido de Sanduba e fez uma proposta tentadora.
- "Eu vi que ele tem botijões de gás na casa. Se você me ajudar a roubá-los, eu lhe dou um".
Os dois garotos invadiram a casa, em que o Watanabe não se encontrava no local.
Mas foram flagrados por ele, quando acabavam de empilhar roupas e outros objetos.
O japonês partiu para cima deles empunhando seu tridente como se fosse uma antiga baioneta.
- "Aaaahhh! Banzai! Banzai!"
Sanduba ficou apavorado.
Ratão mais tarde, juraria para a polícia, que aquele era o primeiro delito, do companheiro.
Só o Ratão ficou na sala, esquivando-se, graças à sua habilidade e juventude, das estocadas de Watanabe.
Aí pegou o botijão de gás e acertou em cheio, o guerreiro do sol nascente.
Ratão diria também à polícia, que resolveu matar o oriental, para evitar ser preso.
E fugiu, levando as roupas do japonês.
Escondeu-se na casa de uma irmã.
Mas, não resistiu ao impulso de voltar ao local do crime, no dia seguinte.
- "O japa ainda estava lá gemendo. Não sei se me reconheceu não seu “dotô”. Tenho a impressão de que ele me pediu ajuda, mas eu não fiz nada, fui embora".
Ratão, contudo, não esquecia a imagem do ex-soldado agonizante e voltou uma segunda vez a casa.
- "Ele já estava morto, fedia! Estava enrolado num cobertor".
O menor contou, então, que teve medo de que a polícia encontrasse suas digitais na casa.
Para apagá-las, resolveu incendiar o barraco.
Tocou fogo no colchão e num monte de espuma de borracha, que encontrou numa caixa.
Só não destruíram os R$100,00 reais em notas, que caíram de uma das caixas.
O incêndio, o encontro do cadáver semicarbonizado do oriental, a morte violenta dele que se transformara num ancião estranho, porém pacífico, comoveram todo o bairro.
E a solução do crime, se tornou um ponto de honra, para a maioria das delegacias de polícia do Grande ABC.
Mas, simplesmente, foi o remorso quem resolveu o caso.
Ratão não conseguia mais dormir.
Passava os dias escondido num ferro-velho, desconfiava até da própria sombra.
Dormia no interior de uma velha enferrujada e suja Kombi branca ano 76.
O grito de guerra do ex-soldado, não o deixava em paz, tinha constantes pesadelos.
O garoto fez a primeira confissão para o próprio pai, Severino Soares Souza, que, incrédulo, se limitou a dizer.
- "Se for verdade, não apareça mais em casa, seu moleque".
Ratão também confessou o crime, para os amigos.
Não acreditaram.
- "Mentiroso! Você não seria capaz disso, cara. O velho Watanabe conhecia artes marciais. Ratão, você é que estaria morto, agora, se o tivesse enfrentado, é!".
O remorso desesperava e corroía o assassino.
Já estava pensando em se entregar à polícia, quando foi detido por investigadores, do Distrito Policial da região.
Os investigadores tinham ouvido um comentário sobre a fantástica história que Ratão, repetia aos amigos e resolveram checá-la.
O menor contou tudo, com detalhes, foi colocado à disposição do juiz Corregedor de Menores.
Ele é reincidente.
Estivera detido na FEBEM, por porte ilegal de arma.
Mas Ratão era um assaltante.
Gostava de atacar, jovens de classe média.
Tirava os sapatos e as roupas de suas vítimas e as afugentava, disparando para cima; um revólver de brinquedo, com espoleta, o assim chamado “simulacro” juntamente com seu amigo Sanduba, o qual nunca viu uma arma, em sua vida.
Armadilhas da vida de periferia turbulenta, das grandes cidades, atualmente.
Que o guerreiro descanse em paz, a sombra de uma cerejeira florida, velado por seus companheiros de combate. Sayonara, Toshiro!
O inquérito foi finalmente concluído.
Atualizado em: Qui 14 Set 2017