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O Necromante Vermelho - Capítulo 2: Mistério

Eu saio da sala, batendo a porta atrás de mim e descendo as escadas. O movimento já tinha se cessado e o que antes era um aglomerado de pessoas fora preenchido por um grande silêncio. 
Ao chegar na entrada, uma figura encapuzada se encontra de costa, fumando um charuto velho e resmungando feito uma gralha. Era o velho Joe. 
- É ocê que o véi do prefeito mais meio mundo queria ver? - O velho Joe falava, sem prestar muito atenção em mim.
- Depende de quem pergunta.
- Não sei porque cê ainda não criou vergonha nessa tua cara e meteu o pé desse fim de mundo.
Uma ótima questão inclusive. Se dependesse do Dante, eu e ele já estaríamos com as mochilas prontas andando 50km a pé.
- Não sei, acho que tenho assuntos aqui ainda. - Joe olha para mim, e ri da minha cara.
- Pelo visto, sua irmã foi mais esperta que tu, mais esperta que nois dois. - Velho Joe joga seu cachimbo em um canto qualquer e vaga pela rua de terra, desaparecendo na mesma velocidade de sua aparição.
Ao velo sumir, eu me vejo sozinho e, ao olhar para o céu, vejo um dia nublado. O sol também desapareceu, e trouxe penas gotículas de chuva contigo. Uma figura misteriosa na floresta com o mesmo colar? Eu olho para ele. Possível, mas improvável. 
- Com essa comitiva, achar as coisas dela vai ser só uma questão de tempo. - Eu falo comigo mesmo. Preciso agir antes de encher a cabeça de boatos.
Ando de volta para casa, visto roupas decentes e sigo na direção oposta ao centro do vilarejo. Corro pela estrada de terra, parando para recuperar o fôlego. A trilha me leva por toda a paisagem límpida, sem muitas florestas e montanhas.
Finalmente chego a um pequeno bosque e, após alguns minutos, avisto um lago, com inúmeras rosas pela clareira. Perto de sua beirada, uma pequena cabana de madeira pode ser avistada, com uma imensa placa pendurada. "Cabana Mistério." 
Abro a porta e entro, ouvindo seu ranger escancarado. A cabana é simples mas imunda em seu estado atual, com alguns buracos na parede servindo de janelas. Há apenas uma cama e algumas estantes pequenas. Esta era a nossa cabana. 
As lembranças chegam aos poucos. Eu e ela sempre vinhamos aqui. Brincávamos aqui, se escondendo do papai. Construímos isso aqui pouco a pouco, tudo graças a ela. Ajoelho-me e com um pouco de força arranco a madeira do chão e a solto, revelando um piso falso. Nele há um livro, o nosso livro.
- "O Livro dos Fantasmas" eu sussurro, me impressionando como se não já tivesse lido esse título inúmeras vezes anos atrás. 
Pego-o, mas mas abro com cuidado para lê-lo. A capa é velha e coberta de poeira, e a caligrafia é quase ilegível, mas ainda consigo decifrá-la. Prendo a respiração e viro a página. Sou saudado pelo som das páginas sendo viradas e pelo som suave do vento fluindo por entre as árvores lá fora. Eu leio o título e meu coração afunda imediatamente.
"O Último Capítulo, o fim", seguido por nossos rostinhos feitos a lápis coloridos. Ao ler em voz alta me lembro de quando ela disse que seria ótimo começar o livro pelo final. Achei que era uma ideia estúpida.
Sento-me na cama e começo a folhear o livro. Não é muito longo, parece ter umas 200 páginas. É basicamente um grande diário nosso, compartilhando acontecimentos desde quando tínhamos 6 anos até os nossos 13 e, esporadicamente, alguns eventos meus posteriores. Ela era muito mais esperta do que eu, tudo era ideia dela. Foi graças a ela que este livro ainda existe. 
Folheio as páginas até encontrar uma imagem. Reconheço minha irmã instantaneamente. Ela tem longos cabelos castanhos cacheados com sardas cobrindo as bochechas e o nariz. Lábios finos e nariz pequeno e redondo. A página contém uma foto dela sozinha, com as mãos juntas e os olhos fechados pacificamente, de frente ao lago. O velho Joe sabia fazer algo com desenhos, nunca entendi muito bem, mas os transformava em imagens realistas. Essa foi o primeiro desenho que fizemos que foi transformado. Foi uma surpresa na época. 
Depois de ler mais algumas páginas, encontro outras duas imagens. Na primeira está um desenho quase técnico do medalhão, a imagem que eu procurava para analisá-la. Já a segunda há um desenho de dois homens, um alto e um magro. 
O homem alto parece ter quase 2 metros de altura, vestindo uma túnica preta da cabeça aos pés. Ele está de costas e o cenário é tão escuro que não dá para ver detalhes. E o outro magrelo está ao longe, coberto de cinza. Seus olhos são dourados profundos. Eu não me lembro de transformar esses desenhos, e são pessoas que eu não reconheço. 
Mas quanto mais eu os observo, mais difícil é parar de encarar. Olhos dourados, cinza, escuridão.
- E aí - Uma voz vem diretamente da porta e eu levo um grande susto.  A voz começa a rir e eu percebo o que é.
- Dante. - Eu digo suspirando de alívio e fecho o livro, querendo matá-lo por me assustar.
- Medroso como sempre. - Ele diz e se senta na cama ao meu lado. - Então decidir ler esse livro depois de tanto tempo?
Dante tinha a mesma idade que eu, só que era loiro e bem mais alegre. Vinha de uma família de imigrantes do sul e sempre tinha um sorriso no rosto. Só que hoje ele parecia estar um pouco diferente. 
- Não exatamente. O que você está fazendo aqui? - Eu pergunto confuso.
- Mannuel me chamou para participar da comitiva e, te conhecendo bem, sabia que você iria passar aqui. 
- Entendi. Só vim pegar isso e fingir ter esperanças de novo. - Eu pego o livro e me levanto da cama.
- Caesar, eu acho que preciso te mostrar uma coisa. - Ele fala apreensivo, levantando-se. 
- Ok, do que se trata? - Ele acena para eu segui-lo e eu correspondo.
Nós saímos do bosque e ele me leva de volta a estrada e segue circundando os pequenos montes. A caminho do cemitério.
- Meu irmão Lucas morreu, sabia? - Dante fala sem ter contato visual comigo.
- O quê, Lucas? Impossível. Ontem ele tava normal, cortando madeira. - Eu falo em estado de choque
- Impossível? Exatamente, por que é exatamente isso. Impossível. - Ele agora fala com ódio. - Eu também não sabia até acordar de madrugada esta manhã.
Ele me leva até uma pequena colina, se divergindo do caminho do cemitério. Dali dava para observar  a minha casa e o centro da aldeia. Quando chegamos, vimos uma lápide solitária e uma cova aberta.
- Uma lápide? mas e o enterro? - Eu pergunto, extremamente confuso.
- Meu pai fez isso sozinho, sem ninguém além de mim e da minha mãe saberem.
- Mas por quê? por que fazer isso à noite?
- Olhe. - Dante me diz, apontando para o túmulo.
Aproximo-me e olho para o fundo da cova. 
Nada, absolutamente nada.
- Ele morreu Cesar, mas não deixou nada - diz Dante, com os seus olhos cheios d'água. - Nós vimos. Ele morreu na cama, infestado de vermes. Eu vi, eu e minha mãe vimos, mas quando fomos falar com o papai... - Ele não consegue terminar a frase.
- Ele não estava mais lá. - Eu termino a frase para ele.
- Sua irmã... Me desculpe por não ter acreditado em você todo esse tempo. Espero que ela não teve o mesmo destino dele. - Dante seca algumas lágrimas. 
Minha irmã não morreu, bom, eu não a vi morrer, mas ela estava muito mal no dia em que desapareceu. Fomos tomar um pouco de ar fresco juntos, ela caiu sem querer e estava com dificuldade para se levantar. Quando fui pedir ajuda, ela..
- Eu sei que seu pai mal ligava para vocês, mas agora, estou com você. - Dante coloca sua mão em meu ombro.
Eu permaneço olhando para o vazio da cova. Um vazio preenche o meu corpo. Quanto mais eu olho, mais difícil é se desviar desse transe. 
Um transe de medo, escuridão e cinza.
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Atualizado em: Qui 23 Nov 2023

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