person_outline



search

O Crime do Chalé

A Inglaterra em 1876, assim como hoje, era cheia de lugares com histórias que nos fazem pensar, mas poucas se comparam ao singular bairro de Holloway, ao norte de Londres. Este aparentemente pacífico local possuí histórias tão ricas quanto um tesouro, mas muitas destas histórias escondem terríveis segredos. Mesmo sendo um bairro de atividades rurais, ele mantinha em seus prédios uma legítima arquitetura vitoriana, e seus nobres residentes deliciavam-se com o surgimento da cinemateca Odeon, localizada no Park Tufnell. Era também onde residia seu cidadão mais ilustre, o escritor e poeta Eduard Lear. Um local de muitos atrativos, mas também de muitos mistérios.
Henrick Dupra era um jovem americano, que mantinha uma clínica nos fundos de sua casa na Thotman 1023, uma charmosa rua, com chalés brancos e belos jardins. O sr. Dupra era um morador bastante conhecido na comunidade, um conceituado médico homeopata, que parece ter levado muito a sério quando ouviu a frase: até que a morte nos separe. Pois segundo a polícia local, o jovem médico feriu mortalmente sua esposa Edna Dupra, golpeando-a na cabeça com um separador de brasas de sua lareira. Edna era uma cantora lírica que se apresentava como Edna Bella, que apesar de bastante talentosa, carregava consigo o vício da bebida, e um encantamento por jogos de cartas. E infelizmente o” felizes para sempre, infelizmente não aconteceu para este casal.
Alguns casamentos são longos e outros nem tanto, mas todos repletos de promessas. O problema é que aqueles em quem confiamos, podem
ser as piores companhias, acreditar na pessoa errada pode ser o último e fatal erro.
O inspetor Thormann foi acionado e dirigiu-se imediatamente, acompanha de dois policiais, ao local, mais dois policiais aguardavam na frente da residencia dos Dupra, e a partir daquele momento, eu e o inspetor daríamos inicio as investigações.
---Vigiem de perto até a carruagem chegar, não deixe ninguém em nada, vou fazer um exame preliminar, e depois levem imediatamente o corpo para o legista. Disse o inspetor a um dos soldados.
---E afaste os curiosos, não queremos uma multidão enfrene a casa. Completou.
Thormann liberou o corpo da Vitima para ser levado, e desceu as escadas, parando sala principal..
---O que ouve inspetor? Alguma pista? Indaguei
---Mulher sozinha, com ferimento na cabeça, talvez um assalto que deu errado. Respondeu.
---Mas e o sumiço do marido? é uma prova. Argumentei
Thormann olhou fixamente para a lareira, e em seguida para a escada.
---Por que o assassino levaria uma ferramenta da lareira, se havia facas na cozinha, e garrafas vazias no quarto? Questionou ele.
---Mas isto faz alguma diferença agora? Inquiri.
---Faz toda diferença Lawford, pois talvez o assassino não sabia como chegar a cozinha. E isto abre um leque de possibilidades. Respondeu ele.
Após o cruel assassinato, o médico teria colocado o corpo da vítima, despido sobre a cama, no quarto do casal, único lugar onde havia vestígios de sangue, ao lado do corpo, o objeto usado para o golpe, e desaparecido. Gavetas ficaram reviradas, e garrafas de bebidas foram encontradas ao lado da cama.
Conforme o que os policiais conseguiram coletar de informações, ele foi visto por vizinhos, saindo de sua casa na mesma noite do crime.
Segundo os boatos, que correm mais rápido que o rio que corta Londres ao meio, ele teria uma amante, Rose de Levingne, que era garçonete em uma taverna nos arredores da cidade. Para a Polícia, que já conhecia o passado da jovem garçonete, aquela senhorita Levingne era semelhante a uma maçã envenenada, linda por fora mas com um conteúdo mortal.
Haviam e passado dois dias, quando os vizinhos estranharam as janelas sempre fechadas, e chamaram a Polícia local, e o corpo foi encontrado. Após as investigações preliminares feitas pelo inspetor Thormann, da Scotland Yard, uma testemunha afirmou ver o médico nas proximidades do cais londrino na noite em que, supostamente, ocorreu o assassinato. Apesar de ser uma informação ainda muito vaga, o inspetor responsável pela investigação do caso, tomou as providências necessárias, pedindo as autoridades portuárias que verificassem a procedência de cada tripulante que estivessem em navios atracados, e assim, os dois amantes foram capturados, quando a embarcação em que estavam aportou no porto de Quebec, no Canadá.
Henrick foi levado a prisão estadual de Cameron, no condado americano de Moure, Carolina do Norte, sua cidade natal, onde aguardaria julgamento.
Sua encantadora amante Rose, foi enviada de volta a Inglaterra onde
seria julgada pela corte inglesa. Mas ainda não havia provas do seu envolvimento no assassinato de Edna, pois ela era apenas a amante do suposto assassino.
Eu e o inspetor Thormann decidimos ir até Cameron para interrogar Henrick, e saber o motivo do brutal assassinato de sua mulher, e até onde a garçonete estava envolvida.
Thormann estava em seu último ano de trabalho na Scotland Yard, pois sua aposentadoria estava por chegar a qualquer momento, e convidou-me para acompanhar as investigações, convite este, que não poderia recusar vindo de um amigo tão chegado como o inspetor. Então partimos para aquele que poderia ser um simples interrogatório. Mas o mistério estaria apenas começando.
Depois de uma longa viagem, chegamos já ao entardecer, e a escura noite adensava rapidamente. Fomos diretamente a Goodmann Street 1007, onde ficava o pequeno hotel Dewberry, pois se fazia necessário um descaço, e um bom banho quente. Dewberry era um hotel simples, mas com conforto suficiente para passarmos a noite depois de uma fatigante viagem. Pretendíamos sair pela manhã até a distante Burke Prision, na estrada Carthage Roout, para o interrogatório com o sr. Dupra.
E a partir daquela manhã, fomos levados por um caminho bizarro e bastante confuso, pois surgiram dúvidas e muitas especulações, mas como nem tudo na vida tem uma explicação, em nosso primeiro contato, pouca coisa foi realmente esclarecida.
Já estava amanhecendo quando saímos no dia seguinte, e após algum tempo viajando em um coche cedido pelo hotel, desviamo-nos por alguns quilômetros da estrada principal e adentramos em um estreito caminho secundário, que ao fim de uma meia hora, se embrenhava através de um bosque espesso, que cobria toda área onde os olhos alcançavam. Percorremos certamente cerca de duas milhas através dos atalhos que já se tornavam bastante úmidos e por vezes escuros, e encobertos por imensas árvores, com seus troncos repletos de uma ramagem verde, e durante o trajeto, podíamos sentir a fétida lama pisoteada pelos cavalos.
Após algum tempo, surgiu ao longe a penitenciária, estava situada em uma clareira, e demonstrava ser uma construção muito antiga, muito prejudicada pela ação do tempo, e a julgar pela sua aparência de vetustez e abandono, a muito tempo não recebia nenhum reparo em sua estrutura. Não havia fazendas no entorno, nenhum tipo de plantio, nem sequer o menor sinal de alguma atividade ao redor, tampouco o latido de um cão sugerindo que aquele disforme local era habitado por humanos.
Mesmo sendo ainda dia, creio eu, que era próximo de meio dia, aquele fétido local tinha uma bruma escura, como se uma sombra nimbosa encobrisse tudo. Um sentimento aflitivo e angustiante se apossava rapidamente de nós. Thormann usou o chicote para apressar a marcha dos cavalos, era imperativo sairmos daquele terrífico caminho.
Ao chegarmos ao nosso destino, o espanto não foi menor, era um local dantesco e medonho ao extremo. As celas tinham suas pesadas portas de ferro diretamente voltadas para o pátio, e somente uma pequena abertura com grades, permitia a entrada de um minúsculo facho de luz.
Toda a construção era com enormes blocos de pedras, e no interior das celas, o mau cheiro era quase insuportável, além de ratos que circulavam livremente por toda parte. No centro do imenso pátio havia uma enorme guilhotina montada, era a visão mórbida e assustadora da justiça dos homens.
Dentro de uma cela fétida, o assassino de Chalé, como os jornais chamavam o sr. Dupra, já estava a nossa espera. Fiquei surpreso ao ver que que o médico era um homem franzino, muito magro, e imediatamente questionei com Thormann se teria ele realmente força suficiente para desferir tão pesado golpe, que levou sua esposa a morte.
O rosto extremamente pálido, os cabelos grisalhos e longos totalmente desalinhados. Seus olhos circundados por profundas olheiras deixavam evidente que pensamentos terríveis lhe haviam tirado o sono. Dupra afirmava nada ter nada a ver com a morte de Edna, e somente queria deixá-la devido a pouca atenção que ela dedicava a ele, e por brigarem diariamente por ela não abandonar o vício com a bebida e jogos de azar, afirmou que jamais a mataria. Ele realmente pretendia partir com sua nova companheira, e dois dias antes da morte de sua esposa, havia passado todos os seus bens para o nome de Rose de Levigne.
Afirmou ainda não ter motivos para querer a morte de sua esposa pois nada mais pertencia a ela, a não ser a casa onde moravam, e que ele
deixara no nome da falecida esposa, para que ela pudesse vender, a pagar as dívidas que a cantora havia contraído durante as noites que passava em mesas de jogos.
O jovem Dupra era o exemplo mais concreto de que a paixão frequentemente nos faz acreditar que algumas coisas são muito melhores, e mais desejáveis, do que realmente são, então após termos muito trabalho para adquiri-la, e no caminho tivermos perdido a oportunidade de possuir bens mais genuínos, sua posse nos mostra seus defeitos e daí vem a
insatisfação, o arrependimento e remorso.
E creio eu, este pensamento tem muito a ver com o que está acontecendo com o médico, que entregou seu coração e seus bens a jovem garçonete, após ter percebido que Edna não era a esposa que ele pensava ser.
Mas aquele foi o primeiro passo na investigação, era necessário voltar ao local do crime, pois precisávamos de indícios que pudessem auxiliar na elucidação deste caso, que a princípio parecia tão lógico, e agora já era um completo mistério.
---Qual a sua primeira impressão? Perguntei a Thormann, durante o jantar no saguão do hotel.
---A evidência física pode mostrar uma versão muito clara, mas, no fundo, talvez escoda uma mentira. Respondeu o experiente inspetor.
---Certamente existem detalhes que ainda desconhecemos. Completei
---Sim, e o desconhecido é sempre mais assustador. Reafirmou ele.
---Lembro-me de ver, a alguns meses, o cartaz do espetáculo de Edna Bella, na fachada do Royal Opera House, em Londres. Comentei, enquanto degustava uma taça de vinho de uvas Moscath Blanc, fabricados na região.
---O sr. Dupra procurava aventura. E muitas vezes, o que procuramos tem um preço muito alto. Disse Thormann.
---No caso do médico, a sua própria liberdade. Completei.
---Ele foi precipitado, nunca abra portas se não tiver a certeza que poderá fechá-las depois. Argumentou o inspetor, ao mesmo tempo em que levantava-se para dirigir-se as escadas que davam acesso aos quartos.
Retornamos a Londres no dia seguinte, e após passarmos rapidamente no distrito policial, para pegarmos as chaves da residencia dos Dupra, saímos em busca de respostas. Ao chegarmos ao belíssimo chalé dos Dupra, já era quase noite, uma fina neblina e um vento gelado já estavam presentes, típicos do final de tarde londrino. Após abrirmos cautelosamente a porta principal, fomos de imediato a sala de jantar, onde Thormann tratou de acender as velas do suntuoso lustre dourado, que pendia majestoso sobre a pesada mesa de madeira escura, inúmeras tapeçarias ornamentavam as paredes, e suavemente ondulavam ao sopro de uma leve brisa de final de tarde vindas dos estreitos e altos corredores do chalé. As velas tremeluziam e esfumavam ao serem tocadas pelo vento. Todos os cantos do belíssimo chalé foram vasculhados, mas na verdade não tínhamos a certeza do que estávamos procurando, e nada que pudesse despertar uma maior atenção foi encontrado. A casa estava toda organizada, sem desordem, sem sinais de luta ou abjetos quebrado. nem tampouco rastros, ou qualquer coisa que pudesse levar a algum ponto de investigação. Quem cometeu o crime foi minucioso, para não deixar pistas.
Nossa infrutífera busca não nos levou a lugar algum, o Sr. Dupra ainda era o principal suspeito.
Talvez pela experiência adquirida em outros casos, não estávamos totalmente convencidos da culpa do médico na morte da esposa, e surgiam em nossa mente uma série de medidas, que ao final eram, confusas, irrelevantes aos nossos objetivos, e afastavam-nos cada vez mais da solução do mistério.
Seria o homeopata realmente inocente?
E se fosse inocente, tudo seria ainda mais complicado, pois quem seria então o culpado por um crime tão brutal?
E qual o benefício disso para o assassino?
Rapidamente o caso tornou-se público, e todos queriam respostas, mas apesar de todo nosso empenho, também só tínhamos perguntas.
Em uma tarde, ao sairmos do distrito policial, fomos abordados por um homem velho, que empurrava uma carroça de quinquilharias. Era um mercador de nome Abdul, que circulava pela cidade vendendo tapetes, caixas de ébano, bolas de vidro colorido, imagens das mais variadas origens e uma infinidade de outras extravagâncias. Segundo o que disse o velho mercador, um homem de cabelos claros, bastante forte com aproximadamente 1,80 de altura, e usando longas botas de borracha, como as botas usadas em pesqueiros e embarcações, saiu rapidamente da casa dos Dupra no dia do crime.
Abdul disse que o homem estava muito apressado e subiu em um coche que estava a sua espera, um pouco mais abaixo na mesma rua e foi em direção as docas.
Imediatamente o inspetor ordenou aos policias que rumassem para o porto para buscar mais informações sobre o navio Braduck, onde Dupra e sua amante foram pegos. Porém, como era de se esperar, os marinheiros pouco sabiam, ou não queriam falar. Mas uma informação que nos chegou através do dono de um bar da zona portuária caiu como uma luz na nossa ainda nebulosa investigação. O capitão do navio Braduck, Tyler, quando estava no porto, procurava uma dana da alta sociedade londrina, que dava-lhe dinheiro e joias. Ainda comentou que Tyler tinha uma irmã, e para nossa surpresa, ela trabalhava em uma taverna fora da cidade.
Não foi necessário muito esforço para ligarmos os pontos, era um quase perfeito crime, para livrar-se de Edna, a esposa indesejada e também do amante, sr. Dupra, que seria considerado culpado e condenado a morte, ou na melhor das hipóteses, uma prisão perpétua, se é que dá para considerar uma prisão perpétua como melhor hipótese. Enquanto o capitão mantinha um relacionamento em segredo com Edna, Rose de Levingne aproximava-se do jovem médico, para assim executarem seu plano diabólico.
Considerando que esta suposição fosse o que de real aconteceu, parece que o mortal triangulo amoroso transformou-se em um surpreendente quadrado. O nome do capitão do Braduck foi facilmente reconhecido pela policia Londrina, devido a diversas vezes em que participou de confusões no cais, devido ao consumo exagerado de bebida.
Thormann estava entusiasmado com o resultado das investigações, já tínhamos um ponto de partida para buscar respostas. E não por coincidência, tinha Tyler o mesmo sobrenome de Rose Levigne. Isto ficou ainda mais claro tão logo o sr. Dupra contou-nos, quando de nossa visita a prisão, que foi sua namorada que providenciou tudo para a fuga, e que após esperar por quase uma hora no cais, enfim ela chegou acompanhada do capitão.
Tudo parecia sair como planejado, porém os planos de Rose e de seu irmão não incluíam o jovem médico, era preciso livrarem-se dele.
Novamente me veio a mente a mesma pergunta:
Porque o médico mataria sua esposa, se já estava decidido a partir?
Entretanto, sei também que nem tudo tem explicação, mesmo que estejamos sempre a prucura de chaves, para as portas trancadas da mente humana.
Mas tudo era apenas suposições, e não havia provas, a descrição feita por Abdul batia com dezenas de marinheiros do porto de Londres. E o fato de ter Edna um amante, não tornava ele um assassino. Poderia ser apenas uma infeliz coincidência.
E os dias foram passando, semanas, o caso não era mais o principal assunto dos moradores de Holloway.
Henrick estava por ser condenado por um crime, que segundo ele, não havia cometido. E naquele momento, eu e Thormann também tínhamos dúvidas quanto a autoria do assassinato.
---Algum detalhe deixamos passar. Ao final, somos também culpados, pela justiça que deixamos de fazer. Disse Thormann, enquanto examinava sua caderneta de anotações, no distrito policial.
---Mas o que podemos fazer? Indaguei.
---Vamos trazer Hendrick a cena do crime, vamos ver qual será sua reação.
Respondeu o inspetor, em um tom bastante otimista.
E assim foi feito. Passado dois dias, o coche da Penitenciária trazia o sr. Dupra ao distrito. Acompanhado de quatro policiais.
---O que deseja de mim inspetor? Perguntou o preso.
---Quero que vá comigo a sua casa, e prove-me que é inocente. Respondeu Thormann, em voz alta e clara. Após alguns minutos, o coche da Scotland Yard, comigo e com Thorann, acompanhado do cohe que transportava o sr. Dupra, paramos no Thotman 1023, local do assassinato de Edna.
---O senhor está pronto para entrar na casa onde sua esposa foi assassinada? Perguntou o inspetor a Hendrick.
E o homem apenas acenou positivamente com a cabeça, sem nada falar.
Adentramos na sala principal, onde pequenos tapetes arredondados ornamentavam o chão.
---Por favor Hendrick, detenha-se nos detalhes. Veja se tem alguma coisa faltando. Disse Thormann ao médico, que permanecia em silencio.
Após uma demorada vistoria a todas as dependências do primeiro andar, subimos ao comodo onde encontraram o corpo. O médico observou o sangue sobre os lençóis, e as garrafas que ainda estavam jogadas ao chão.
---Eu já não alimentava nenhum sentimento por ela, mas não queria vê-la morta. Disse ele, dirigindo-se ao inspetor.
---Se você não é o assassino, ajude-me a provar. Disse o inspetor indicando com a mão para que Hendrick recomeçasse a procura por indícios. E após alguns minutos, tivemos uma resposta.
---Falta um vestido de cetin na cor rosa, ela o deixava sempre na cadeira, ao lado da penteadeira, na noite em que estive aqui, ela o estava usando. E também um espelho oval em prata, foi presente de casamento de sua mãe.
Neste momento Thormann ajoelha-se próximo a cama, passando a mão suavemente sobre o fino tapete indiano, que cobria boa parte do aposento.
---Como eu deixei passar isto na primeira vez? Disse ele, questionando a si mesmo, e mostrando alguns farelos em sua mão.
---Mas o que é isto inspetor. Indaguei.
---É casca de arroz Lawford, casca de arroz. Afirmou ele, ao mesmo tempo em que erguia-se.
---Vamos falar com o legista, nossa diligência esta concluída.
Ao mesmo tempo em que subiamos no coche para uma visita ao dr. Guliê, legista do Hospital Geral de Londres, o sr. Dupra rumava em outra direção, de retorno a Burk Prision. Mas antes que partíssemos, um policial veio a porta do coche.
---Inspetor, tem um homem no distrito esperando pelo senhor, disse que é sobre o crimes dos Dupra.
Desnecessário perguntar a Thormann se iriamos passar no distrito policial antes de falar com o legista, pois ele imediatamente após receber a informação, sinalizou ao cocheiro que seguisse para a Scotland Yard.
Saltamos do coche rapidamente e transpomos a porta de entrada do distrito quase a correr. E vimos sentado, ao lado da mesa de Thormann, um homem alto, cabelos loiros longos, idade entre 25 e 30 anos, usando botas longas, no estilo usado por marinheiros.
---Estou falando com o inspetor Thormann? Indagou ele.
O inspetor apenas balançou a cabeça afirmativamente, ao mesmo tempo em que sentava em sua poltrona, no lado oposto da mesa. Eu permaneci de pé, ao lado da porta.
---Meu Nome é Tyler Levigne, creio que o senhor esta me procurando. Afirmou ele.
---Sem dúvida que estou, mas não esperava encontrá-lo aqui. Replicou o inspetor.
---Se sou um dos suspeitos pela morte de Edna, quero deixar claro que nada tenho a ver com a morte dela. Declarou o marinheiro.
---Então eu vou dizer-lhe o mesmo que disse ao sr. Dupra, hoje pela manhã. Prove-me sua inocência. Você era amante da mulher assassinada, foi visto na cena do crime na mesma noite. Eu tenho todos os motivos para enfiá-lo em uma cela. Reiterou Thormann.
O homem silenciou por alguns segundos, e continuou.
---Eu estive na casa de Edna na noite de sua morte, mas ela estava totalmente embriagada, estava despida sobre a cama e rodeada de garrafas com licores. Então disse a ela que não iria mais procurá-la, e fui embora.
Thormann levanta-se e se posiciona enfrente a Tyler.
---O senhor poderia tirar uma de suas botas, por favor? Solicitou o inspetor.
A surpresa com o pedido não foi somente do marinheiro, pois eu também não havia percebido a qual conclusão queria o policial chegar.
Após atender ao pedido de Thormann, não foi possível segurar a curiosidade.
---Mas por que quer ver minhas botas, inspetor. Indagou Tyler.
---Para ver se não existe vestígios de casca de arroz, mas parece que não tem nada. Respondeu o inspetor, devolvendo-a para o marinheiro e retornando a sua poltrona.
---Se o senhor encontrou cascas de arroz na cena do crime, posso afirmar que não é do lado do cais que eu frequento, é mais ao fundo, atrás dos armazéns. Mencionou ele, enquanto calçava novamente o objeto da análise.
---E quem circula por lá, sr. Tyler. Perguntei, me antepondo ao inspetor.
---O cais é como uma ostra, fechado, com segredos. Mas posso abrir esta ostra, se acreditarem em mim.
Thormann observou demoradamente aquele, que até o momento, ainda era um dos suspeitos do assassinato de Edna Dupra.
--- Vou dar-lhe a oportunidade de abrir esta ostra e provar sua inocência, Abra-a por inteiro, espalhe suas pérolas, e quem sabe não saia livre, no final. Respondeu Thormann, erguendo-se.
---Entre no coche, temos que passar no Hospital Geral, e depois vamos ver até onde o senhor conhece o cais. Ordenou Thormann a Tyler, e saímos, juntamente com dois policias em suas montarias, em direção ao legista.
Logo ao pararmos nosso coche a frente do Hospital Geral de Londres, notamos o dr. Guliê no saguão de entrada, Cabelos ralos e grisalhos, um fino bigode, tradicional nos cavalheiros de origem inglesa, e uma camisa cinza manga loga, arremangada até meio braço, e um avental em couro branco. Conversava com o psicanalista Sigmund Freud, eu e Thormann já conhecíamos Freud, pois a algum tempo atrás, o médico havia colaborado com a Scotland Yard, na solução de uma série de crimes em Londres.
Logo que reparou em nossa chegada, Guliê despediu-se de Freud e encaminhou-se para o corredor de acesso a sala de autópsia.
---Fique aqui Tyler, já retornaremos. Disse o inspetor ao marinheiro, e solicitou aos guardas que não o deixassem sair do coche.
Prontamente seguimos o mesmo caminho, e ao empurrar a porta da sala de entrada do necrotério, o odor de cânfora invadiu minha narina, e a náusea veio imediatamente. Sem falar no ar congelante que havia lé dentro. Algumas lanternas, fixadas nas paredes, todas em tijolos pintados de branco, traziam uma fraca iluminação, queimando a citronela e cobrindo como uma leve fumaça o local.
---Quer esperar aqui fora? Perguntou Thormann, ao ver-me deter-me por alguns instantes, e tapar o nariz com uma das mãos.
--Claro que não inspetor, vamos entrar. Retornei, ao mesmo tempo em que transpunha a porta. O legista estava ao lado de uma maca, e o corpo de Edna, sobre ela, com seu torax aberto, devido a autópsia que já havia acontecido. Ao lado da maca, uma pequena mesa de metal com bisturís, tesouras, um cutelo, e sangue pelo chão. Talvez eu estivesse exagerando no comparativo, mas pouca coisa o diferenciava de um balcão de açougue.
---O que o corpo de Edna tem a nós dizer doutor? Falei a Guliê, referindo-me a expressão usada por ele, ao dizer que um corpo sobre a mesa de um legista, tinha muito a contar.
---Com certeza ele nos algo, mas por favor Lawford, não use eufemismos ao se referir a morte. Devolveu ele, em tom de desaprovação ao meu comentário. E continuou.
---Bem senhores, o corpo de Edna revelou-nos detalhes que na cena do crime não foi possível detectar. Disse o médico.
---Vamos lá doutor, diga o que encontrou. Falou Thormann, mostrando impaciência.
--- golpe sofrido na cabeça foi forte, mas não foi a cauda da morte.
---Como assim doutor? Indaguei, mesmo sabendo que ele iria continuar.
---Antes do golpe ser desferido, a senhora Dupra sofreu uma parada cardíaca, umas de suas artérias rompeu-se, causando morte imediata. Além do fato de ter a jovem senhora, uma cirrose bastante evoluída, seu tempo de vida não seria muito longo.
Thormann afastou-se da mesa onde estava o corpo, transparecendo que a revelação do médico, também o deixara perplexo.
---Talvez o assassino pensou que ela estivesse apenas dormindo, ou embriagada, e por isto a golpeou na cabeça. Completou o inspetor, após alguns segundos em silêncio.
---Então, possivelmente o assassino é alguém que não poderia permanecer muito tempo na casa, por isto a pressa de silenciá-la. Deduzi.
---Isto descartaria o jovem sr. Dupra, pois a causa da morte de sua esposa, pode-se afirmar que foi por levar uma vida desregrada. Guliê cobre o corpo da cantora, e comenta enquanto empurra a maca para próximo da parede.
---Obrigado Doutor. Agradece Thromann, ao mesmo tempo em que saía em direção ao saguão do Hospital.
---Vamos Lawford, as coisas parecem tomarem um rumo diferente a cada minuto.
Embarcamos outra vez no coche, e seguimos para a área portuária, em busca de alguma pista. Apesar de ainda ser dia, estava encoberto, e um fino nevoeiro cobria Londres por inteiro. Existia no ar um cheiro de umidade, uma fetidez que emergia dos esgotos da velha cidade, e ao fundo, o som das badalas vindas da torre do Big Bem, lembrava-nos que corríamos contra o tempo, tínhamos que encontrar o verdadeiro assassino, antes que ele desaparecesse.
---Vamos a caça do nosso assassino sombra. Disse Tyler, com um sorriso cínico, ao retornarmos ao coche.
---Não diga bobagens Tyler, Sombras são almas que ficam presas neste mundo. Corrigi de imediato.
---Isto é crendice sr. Lawford, aqui em Londres existem pessoas que vivem nas sombras. Devolveu ele, ainda com o sorriso irônico na face.
Thormann retira do bolso um exemplar da revista Penny Dreadful, com data do dia anterior, jogando-a sobre o banco estofado do coche.
---O povo adora estas novelas de crimes bárbaros, talvez o assassino seja um destes psicopatas. Disse ele.
---Mas existe algo obscuro em todos nós, somente esperando o momento certo para descarregar a violência que mantemos contida. Afirmei, ao mesmo tempo em que folheava a revista.
Tyler pega a revista de minha mãos, mostrando-a ao inspetor.
---Isto são apenas histórias. A morte de Edna é real, mas não faz de mim um assassino, somente por ser seu amante. Garantiu o marinheiro, agora em tom mais severo, sem o sorriso debochado no rosto.
O coche aproxima-se da entrada principal do porto.
---Por esta entrada não inspetor, o que o sr. procura está nos fundos dos armazéns. Disse Tyler, indicando que deveríamos fazer a volta e entrar pela parte traseira dos armazéns de carga. Sendo assim, nosso transporte percorreu toda extensão da área portuária, frenteando os enormes portões de descarga, até chegarmos a um velho portão de ferro, nos fundos do porto.
---Veja inspetor, ali esta o que procura. Indicou o marinheiro, mostrando uma grande quantidade de casca de arroz acumulada na beira do cais, e mais adiante alguns casebres, construídos com pedaços de estrados e chapas de madeira.
---Um dos soldados fica aqui com Tyler, o outro vem comigo e com Lawford. Vamos ver o que encontramos. Ordenou Thormann, descendo do coche, e se dirigindo ao velho portão, a partir dali iriamos a pé, pois o portão estava com uma corrente, que mesmo entreaberto, impossibilitava a entrada do nosso transporte.
Forçamos as correntes e adentramos ao fundo do cais, ali já não ´possuía calçamento com pedras, era terra e muito barro, pedaço de madeiras soltas espalhados por toda parte, e restos de arroz e cascas misturando-se ao lodo.
Thormann se dirigia para o local onde estavam os barracos, quando parou repentinamente me segurando pelo braço.
---Olha só o que encontramos aqui. Disse ele, apontando para um carroção que estava parcialmente coberto por uma lona, semelhante as usadas em barcos pesqueiros.
---O que seria isto Inspetor ?
---Você precisa repara os detalhes Lawford, esta é a carroça do vendedor de bugigangas, que viu Tyler sair da casa de Edna. Respondeu ele.
Não houve tempo para mais nenhum comentário, pois o inspetor saiu quase a correr em direção as pequenas casas, seguido por mim e por um dos policias. Na primeira, das três moradias que haviam no local, um homem bastante velho estava para a porta.
---Onde mora Abdul? Perguntou Thormann ao velho, sem fazer rodeios.
Apenas um gesto com a mão indicou ao inspetor que era a última casa que ele procurava.
---Minha intuição me diz que o sr. Abdul, não falou tudo que sabia. Murmurou Thormann, ao mesmo tempo que se dirigia a ultima casa, que se localizava no final do enlameado corredor, cercado e telas por todos os lados.
Aproximamo-nos da porta de entrada.
---Abdul, é a Scotland Yard, preciso falar-lhe. Disse Thormann, em voz alta e clara.
---Ele não esta inspetor. Respondeu uma senhora qua saiu a porta,
---Mas sua carroça esta no pátio, onde ele foi? Perguntei
Porém não houve tempo para a resposta, pois o policial que nos acompanhou, interrompeu a conversa com uma advertência.
---Pare, é a policia, pare agora. Bradou ele, no mesmo momento em que correu, pois um homem tentava evadir-se, pulando a tela lateral.
Não era preciso ser um gênio, para supor que aquele que tentava fugir, era certamente Abdul.
---Leve-o até o cohe e cuide para que não fuja. Disse o inspetor ao policial, após a captura. E adentramos na casa, que mais parecia um depósito de algum antiquário, devido a imensidão de quinquilharias amontoadas pelos cantos. Mas nenhuma despertou tanto a atenção do inspetor, quanto um espelho oval, todo em prata, semelhante ao desaparecido da casa dos Dupra. Uma busca mais minuciosa encontrou o vestido de Edna, que também havia desaparecido, dentro de um baú, ao lado da cama de Abdul.
Pensávamos ter o caso por resolvido. O verdadeiro assassino da sra. Dupra estava preso, Henrick seria solto e Tyler poderia seguir sua carreira como capitão de embarcação. Mas ainda tinha uma surpresa.
--- Veja esta cartaz de procurado. Disse o inspetor passando-me as mãos um panfleto da policia de Whitchapel.
---Mas esta foto é de Abdul. Falei, meio surpreso.
---Sim, mas seu nome verdadeiro é Jonathan Wild, é procurado por cometer diversos roubos em residências. Usava o nome Abdul para tentar ludibriar a policia.
Passado três dias do assassino da prisão da sra. Dupra, recebemos no distrito a visita de Henrick, que juntamente com rose, vieram agradecer pelo empenho na investigação, e por acreditarmos na inocência do médico. Eles venderam o chalé, e estavam de mudança para o Canadá.
---Mais uma vez, chegamos a conclusão de um crime, e colocamos o assassino atrás das grades. Comentei com satisfação ao inspetor.
---Certamente Lwford, Pois quando não solucionamos um crime, somos tão culpados, quanto aquele que o cometeu.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pin It
Atualizado em: Ter 10 Out 2023

Deixe seu comentário
É preciso estar "logado".

Curtir no Facebook

Autores.com.br
Curitiba - PR

webmaster@number1.com.br