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Noite de Tempestade
Prólogo
Tenho a esperança de iluminar com meus relatos, uma verdade desconhecida por muitos, ou talvez já conhecida, mas ignorada pelos incrédulos. Sempre começo com uma certeza eloquente de que minha jornada traga não só o entendimento do inexplicável, como também a viagem ilusória do leitor por infinitos cenários e épocas, que fazem com que e os mistérios mais primitivos sejam por fim revelados. As situações vivenciadas ao extremo, e a fértil imaginação, se colocam a mercê do estranho, do que parece bizarro, e também extravagante universo.
Talvez esta minha crença fiel no inconcebível e extraordinário, seja um tanto quanto intolerável para alguns críticos, levando-me, segundo eles, a excessos desmedidos.
Creio que os limites entre o real e o imaginário, são tão hipotéticos e ao mesmo tempo tão reais, que não crer no que não compreendemos seria colocar limites em nossoconhecimento.
Capítulo 1
A Taverna
Nossa história começa em uma chuvosa e fria noite, na pequena cidade portuária de Sant Ives, no condado de Cornwal, Inglaterra.
Esta é, ainda nos dias de hoje, uma localidade litorânea banhada pelo Oceano Atlântico, e queatravés da pesca, tem sua maior fonte de renda, visto que todo o comércio local fica situado nos arredores do velho porto Black Seal.
Eu havia saído da igreja católica La Santa de La Cornualha, onde, com grande pesar despedi-me de meu velho amigo e companheiro de viagens, James Holffer, um conhecido de longa data, que falecera prematuramente, em consequência de um acidente, ocorrido em uma de suas áreas de mineração, atividade que o amigo James estava tentando desenvolver na região.
Se me recordo bem a data, era 16 de agosto de 1870, a chuva inclemente, e também um vento congelante, conspiravam mutuamente para que aquele desafortunado momento, se tornasse ainda mais penoso.
Após a fúnebre despedida, eu nada mais tinha a fazer na capela, após dar minhas condolências a viúva, despedi-me, e esgueirando-me pelas marquises das envelhecidas construções que rodeavam o velho porto, percorri as estreitas e tortuosas ruas deSant Ives, até chegar a uma taverna, Sloop In, onde eu pretendia esquecer aquele momento tétrico, e aquecer meu corpo com algumas doses de Brandy. E como sempre, em quase todas as tavernas que conheço, um diminuto sino pendurado sob a porta, anuncia a chegada de mais um cliente.
A taverna estava abarrotada, pois era ponto de encontro de pescadores e demais moradores do vilarejo, todos falavam alto e ao mesmo tempo, além é claro, dos risonhos, e daqueles que se arriscavam a entonar alguma canção do mar. Atrás de um encorpado balcão em madeira, algumas jovens, vestidas com roupas típicas das mulheres camponesas, sorriam muito e atendiam alegremente os clientes. Sem dúvida era o ambiente que eu procurava para aplacar a tristeza da despedida de James, e por instantes, lembrei-me de nossa última e desaventurada viagem juntos, quando fomos a Stevens point, mas infelizmente, agora tudo não passava de mera lembrança.
Logo ao entrar, depositei meu corpo cansado e um pouco molhado, na banqueta disponível que encontrei próximo ao balcão, e pedi a uma das belas e alegres garçonetes, minha tão desejada bebida, abaixei agrossa gola do sobretudo, pois a havia erguido logo ao sair da capela, devido ao forte vento que soprava, juntamente com a chuva.
Enquanto aguardava meu pedido, observei mais atentamente os frequentadores, e alguém em particular chamou minha atenção.
E a partir daí, nossa história tomaria caminhos espantosos e surpreendentes.
Capítulo 2
O senhor ilusão
Não foi difícil para mim identificar entre os frequentadores da taverna, o mágico francês Robert-Houdin, considerado por muitos críticos da época, como o pai do ilusionismo. E devo admitir que apesar de sua idade já bastante avançada, estava em ótima forma física, e seus truques ainda mais estupendos.
Ilusionismo é a arte performativa que tem como objetivo o entretenimento do público, dando a plateia, uma ilusão de que algo impossível ou sobrenatural esta acontecendo, e nisto, nosso nobre mestre das ilusões era inigualável.
Circulava entre os clientes com o corpo coberto por uma longa capa na cor vermelha, muito semelhante ao estilo usado pela realeza, toda coberta por pequenas pedras de intenso brilho.
Houdin, ao centro do salão, fazia o deleite dos
frequentadores com seus incríveis números de mágica e ilusionismo.
Entre o desaparecer de um simples lenço, até exibir o completo domínio de algum voluntário através da hipnose, nosso hábil artista recolhia aplausos e algumas moedas que lhe eram jogadas ao chão.
Era sem dúvida uma singular figura, creio eu, estar ele, na casa dos sessenta anos, tinha um ar calmo e sorria muito. Lembrei-me de imediato o que meu amigo Volteire disse-me certa vez:
´´Nosso destino coloca mais rugas em nosso espírito, do que em nosso rosto.``
Muitos segredos estariam encarcerados nas profundezas do espírito daquele velho mestre das ilusões. Segredos estes, que certamente iriam para o túmulo juntamente com ele, no dia de sua morte.
Pois bem, nosso mágico, de nobre aparência, olhava com alegria a todos ao seu redor, tinha, além de um carisma muito grande, que a todos cativava, cabelos grisalhos e largas costeletas, que lhe cobriam boa parte do seu franzido rosto. Enquanto encantava a todos com seus truques, girava sua capa, exaltando a luminescência de seus cintilantes e incontáveis adornos, creio eu, serem pedrarias raras, de coloração variada que cobriam quase totalmente a veste, chegando até o chão. Devo admitir que era uma indumentária digna daqueles que dominam a arte da ilusão.
A Inglaterra, a algum tempo convivia com muitas lendas, e algumas histórias um tanto quanto estranhas, sobre episódios desconexos, e que nossa mente ainda não estava prepara para entender, desde o fantasma de Cock Lane, onde batidas e supostos arranhões no interior de uma velha casa, eram creditados ao espírito de uma mulher que havia sido assassinada e enterrada naquele local, até a mais fervilhante novidade vinda de Londres, mesas mediúnicas poderiam trazer por escrito, mensagens de quem já havia morrido, obviamente, isto seria um exercício de compreensão e também de credulidade, para a mente de um simples mortal.
Minha bebida já havia chegado a minhas mãos, e indubitavelmente, eu não iria ficar na primeira dose, visto que o entretenimento oferecido pelo mágico, fez-me por instantes, esquecer o motivo de minha passagem por Sant Ives.
Mas um grande alarido, risos demasiadamente altos na porta da taverna, desviaram a atenção dos atentos frequentadores, tirando por alguns momentos a concentração do longevo mágico. E nossa história ganharia um novo personagem.
Capítulo 3
O rei dos mares
Já era noite, por volta de vinte e três horas, quando adentrou a taverna alguns marinheiros, atraindo a todos a atenção pela balbúrdia que faziam, a princípio, pareceu-me ser em número de sete, e um deles, o último a adentrar na taverna, destacava-se dos demais pelo seu uniforme ostentoso, com botões dourados em sua túnica branca, que lhe cobriam boa parte do peito, tinha um sorriso desmedido e até mesmo um tanto exagerado, era o comandante, ou algo assim.
---– Meu nome é Capitão Theodor, e conhecido como o rei dos Mares. Disse o homem.
--– Meu navio está no cais, e lá vai ficar até passar esta pestilenta tempestade, por isto, eu e meus homens queremos diversão.
Abrindo espaço entre os demais frequentadores do taverna, recostaram todos no balcão, e após a triunfante entrada, começaram a beber e a dizer gracejos as jovens taverneiras, enquanto seu capitão teve sua atenção voltada a singular apresentação do velho mágico, que já havia recomeçado após a entrada ruidosa do bando.
–O que este mágico vai fazer para entreter-me? Perguntou mostrando arrogância o lobo do mar, enquanto apontava para a figura de Houdin, ao centro da sala.
– O que poderia eu fazer, nobre comandante, para agradar-lhe? Respondeu o mágico.
O capitão, entendendo a posição submissa do artista, caminhou até onde estava o ilusionista, e retirando seu sabre da cintura, colocou a ponta do metal no pescoço do assustado homem.
– Então diga-me, quais truques, quais perigos, podes me apresentar moribunda criatura.
Disse o capitão.
---Sou um humilde ilusionista, e terei prazer em entreter seus comandados.
---Que truques, ou ilusões podes me apresentar, que em minhas viagens já não conheça?
Conclui ele, enquanto empunhava o sabre com extrema altivez, mostrando sua superioridade ao intimidado homem da capa brilhante.
– Percebo que és um homem de coragem, meu senhor. Disse o velho, e continuou
– E creio ter algo, meu capitão, que estaria a altura da grandeza de vossa majestade.
As atenções, que já haviam se voltado para o inusitado acontecimento, agora fazia com que os frequentadores assumissem, por instantes, um silêncio quase total.
Os acontecimentos até então presenciados por mim, naquele fria e chuvosa noite, levou-me a concluir que o nosso valente e audaz capitão do mar, passava, naquele momento, por um total descontrole de moralidade, decência e respeito, fato este, que o levaria a um desfecho deveras surpreendente.
Enquanto o velho movia-se vagarosamente para trás, ainda com o fardo do metal do sabre em seu pescoço, lentamente tirou sua tão preciosa capa, e ainda sorrindo, colocou-a sobre um dos braços, oferecendo-a como um presente, ao seu opressor. Por alguns momentos, notei que o silêncio que havia tomado o ambiente, agora era quebrado por alguns murmúrios, vindos dos marujos do capitão, todos observavam curiosos o desfecho de tão inesperado episódio.
---Aceite o presente meu capitão.
Gritou um dos marinheiros encostado no balcão.
Theodor não exitou, estava totalmente fascinado pelo intenso brilho das pedras que cobriam toda capa, e tratou de guardar seu instrumento de tortura no cinturão, com apenas um movimento, jogou a capa sobre seus ombros, impulso este, que trouxe cintilância ainda maior aos muitos ornamentos do manto.
O largo sorriso do arrogante capitão, que já era detestável, tornou-se ainda mais repulsivo.
--– Como rei dos Mares, eu tenho agora meu manto real, ajoelhem-se todos, diante de seu rei. Disse o marinheiro com soberba.
Enquanto o homem falava, ergueu seu braço esquerdo, desferindo vigoroso golpe no rosto do já amedrontado mágico, jogando-o contra uma das mesas próximas da saída.
---Saia de perto do rei, sua escória humana!
Disse o marinheiro a gritar.
Mas naquele momento, para espanto de todos ali presentes, a invulgar cena repugnante que assistíamos até então, tomou um caminho que desafiaria o mais céptico dos mortais. O mágico afastou-se para longe, sem tentar qualquer reação, enquanto o rei Theodor, ria debilmente com seus braços erguidos, como se estivesse a comemorar vitória sobre o impotente adversário.
E foi neste momento, que a tão desejada capa, como a encarnar os dons mágicos, e arrisco dizer, diabólicos, de seu antigo dono, enrolou-se cobrindo por completo o audacioso rei dos mares, o brilhar de seus adereços fulguravam intensamente, como a ofuscar nosso olhares, e em alguns segundos, nosso intrépido marinheiro transformou-se em uma incandescente tocha humana. A rubra capa incendeu em labaredas, levando o petulante rei dos mares rapidamente ao chão da taverna, o valente agressor debatia-se ferozmente, mas nada pode ser feito para salvar-lhe a vida, e entre os mais horrendos gritos de pavor nas chamas, o insolente homem foi queimado, derrotado por sua arrogância. Enquanto toda atenção era para o capitão, o ilusionista Houdin desapareceu, possivelmente aproveitando a confusão para fugir, ou quem sabe, estive ali mesmo, imóvel, nós apenas não conseguíamos vê-lo, enganando a todos com mais um dos seus truques, naquela fria noite de tempestade.
Prólogo
Tenho a esperança de iluminar com meus relatos, uma verdade desconhecida por muitos, ou talvez já conhecida, mas ignorada pelos incrédulos. Sempre começo com uma certeza eloquente de que minha jornada traga não só o entendimento do inexplicável, como também a viagem ilusória do leitor por infinitos cenários e épocas, que fazem com que e os mistérios mais primitivos sejam por fim revelados. As situações vivenciadas ao extremo, e a fértil imaginação, se colocam a mercê do estranho, do que parece bizarro, e também extravagante universo.
Talvez esta minha crença fiel no inconcebível e extraordinário, seja um tanto quanto intolerável para alguns críticos, levando-me, segundo eles, a excessos desmedidos.
Creio que os limites entre o real e o imaginário, são tão hipotéticos e ao mesmo tempo tão reais, que não crer no que não compreendemos seria colocar limites em nossoconhecimento.
Capítulo 1
A Taverna
Nossa história começa em uma chuvosa e fria noite, na pequena cidade portuária de Sant Ives, no condado de Cornwal, Inglaterra.
Esta é, ainda nos dias de hoje, uma localidade litorânea banhada pelo Oceano Atlântico, e queatravés da pesca, tem sua maior fonte de renda, visto que todo o comércio local fica situado nos arredores do velho porto Black Seal.
Eu havia saído da igreja católica La Santa de La Cornualha, onde, com grande pesar despedi-me de meu velho amigo e companheiro de viagens, James Holffer, um conhecido de longa data, que falecera prematuramente, em consequência de um acidente, ocorrido em uma de suas áreas de mineração, atividade que o amigo James estava tentando desenvolver na região.
Se me recordo bem a data, era 16 de agosto de 1870, a chuva inclemente, e também um vento congelante, conspiravam mutuamente para que aquele desafortunado momento, se tornasse ainda mais penoso.
Após a fúnebre despedida, eu nada mais tinha a fazer na capela, após dar minhas condolências a viúva, despedi-me, e esgueirando-me pelas marquises das envelhecidas construções que rodeavam o velho porto, percorri as estreitas e tortuosas ruas deSant Ives, até chegar a uma taverna, Sloop In, onde eu pretendia esquecer aquele momento tétrico, e aquecer meu corpo com algumas doses de Brandy. E como sempre, em quase todas as tavernas que conheço, um diminuto sino pendurado sob a porta, anuncia a chegada de mais um cliente.
A taverna estava abarrotada, pois era ponto de encontro de pescadores e demais moradores do vilarejo, todos falavam alto e ao mesmo tempo, além é claro, dos risonhos, e daqueles que se arriscavam a entonar alguma canção do mar. Atrás de um encorpado balcão em madeira, algumas jovens, vestidas com roupas típicas das mulheres camponesas, sorriam muito e atendiam alegremente os clientes. Sem dúvida era o ambiente que eu procurava para aplacar a tristeza da despedida de James, e por instantes, lembrei-me de nossa última e desaventurada viagem juntos, quando fomos a Stevens point, mas infelizmente, agora tudo não passava de mera lembrança.
Logo ao entrar, depositei meu corpo cansado e um pouco molhado, na banqueta disponível que encontrei próximo ao balcão, e pedi a uma das belas e alegres garçonetes, minha tão desejada bebida, abaixei agrossa gola do sobretudo, pois a havia erguido logo ao sair da capela, devido ao forte vento que soprava, juntamente com a chuva.
Enquanto aguardava meu pedido, observei mais atentamente os frequentadores, e alguém em particular chamou minha atenção.
E a partir daí, nossa história tomaria caminhos espantosos e surpreendentes.
Capítulo 2
O senhor ilusão
Não foi difícil para mim identificar entre os frequentadores da taverna, o mágico francês Robert-Houdin, considerado por muitos críticos da época, como o pai do ilusionismo. E devo admitir que apesar de sua idade já bastante avançada, estava em ótima forma física, e seus truques ainda mais estupendos.
Ilusionismo é a arte performativa que tem como objetivo o entretenimento do público, dando a plateia, uma ilusão de que algo impossível ou sobrenatural esta acontecendo, e nisto, nosso nobre mestre das ilusões era inigualável.
Circulava entre os clientes com o corpo coberto por uma longa capa na cor vermelha, muito semelhante ao estilo usado pela realeza, toda coberta por pequenas pedras de intenso brilho.
Houdin, ao centro do salão, fazia o deleite dos
frequentadores com seus incríveis números de mágica e ilusionismo.
Entre o desaparecer de um simples lenço, até exibir o completo domínio de algum voluntário através da hipnose, nosso hábil artista recolhia aplausos e algumas moedas que lhe eram jogadas ao chão.
Era sem dúvida uma singular figura, creio eu, estar ele, na casa dos sessenta anos, tinha um ar calmo e sorria muito. Lembrei-me de imediato o que meu amigo Volteire disse-me certa vez:
´´Nosso destino coloca mais rugas em nosso espírito, do que em nosso rosto.``
Muitos segredos estariam encarcerados nas profundezas do espírito daquele velho mestre das ilusões. Segredos estes, que certamente iriam para o túmulo juntamente com ele, no dia de sua morte.
Pois bem, nosso mágico, de nobre aparência, olhava com alegria a todos ao seu redor, tinha, além de um carisma muito grande, que a todos cativava, cabelos grisalhos e largas costeletas, que lhe cobriam boa parte do seu franzido rosto. Enquanto encantava a todos com seus truques, girava sua capa, exaltando a luminescência de seus cintilantes e incontáveis adornos, creio eu, serem pedrarias raras, de coloração variada que cobriam quase totalmente a veste, chegando até o chão. Devo admitir que era uma indumentária digna daqueles que dominam a arte da ilusão.
A Inglaterra, a algum tempo convivia com muitas lendas, e algumas histórias um tanto quanto estranhas, sobre episódios desconexos, e que nossa mente ainda não estava prepara para entender, desde o fantasma de Cock Lane, onde batidas e supostos arranhões no interior de uma velha casa, eram creditados ao espírito de uma mulher que havia sido assassinada e enterrada naquele local, até a mais fervilhante novidade vinda de Londres, mesas mediúnicas poderiam trazer por escrito, mensagens de quem já havia morrido, obviamente, isto seria um exercício de compreensão e também de credulidade, para a mente de um simples mortal.
Minha bebida já havia chegado a minhas mãos, e indubitavelmente, eu não iria ficar na primeira dose, visto que o entretenimento oferecido pelo mágico, fez-me por instantes, esquecer o motivo de minha passagem por Sant Ives.
Mas um grande alarido, risos demasiadamente altos na porta da taverna, desviaram a atenção dos atentos frequentadores, tirando por alguns momentos a concentração do longevo mágico. E nossa história ganharia um novo personagem.
Capítulo 3
O rei dos mares
Já era noite, por volta de vinte e três horas, quando adentrou a taverna alguns marinheiros, atraindo a todos a atenção pela balbúrdia que faziam, a princípio, pareceu-me ser em número de sete, e um deles, o último a adentrar na taverna, destacava-se dos demais pelo seu uniforme ostentoso, com botões dourados em sua túnica branca, que lhe cobriam boa parte do peito, tinha um sorriso desmedido e até mesmo um tanto exagerado, era o comandante, ou algo assim.
---– Meu nome é Capitão Theodor, e conhecido como o rei dos Mares. Disse o homem.
--– Meu navio está no cais, e lá vai ficar até passar esta pestilenta tempestade, por isto, eu e meus homens queremos diversão.
Abrindo espaço entre os demais frequentadores do taverna, recostaram todos no balcão, e após a triunfante entrada, começaram a beber e a dizer gracejos as jovens taverneiras, enquanto seu capitão teve sua atenção voltada a singular apresentação do velho mágico, que já havia recomeçado após a entrada ruidosa do bando.
–O que este mágico vai fazer para entreter-me? Perguntou mostrando arrogância o lobo do mar, enquanto apontava para a figura de Houdin, ao centro da sala.
– O que poderia eu fazer, nobre comandante, para agradar-lhe? Respondeu o mágico.
O capitão, entendendo a posição submissa do artista, caminhou até onde estava o ilusionista, e retirando seu sabre da cintura, colocou a ponta do metal no pescoço do assustado homem.
– Então diga-me, quais truques, quais perigos, podes me apresentar moribunda criatura.
Disse o capitão.
---Sou um humilde ilusionista, e terei prazer em entreter seus comandados.
---Que truques, ou ilusões podes me apresentar, que em minhas viagens já não conheça?
Conclui ele, enquanto empunhava o sabre com extrema altivez, mostrando sua superioridade ao intimidado homem da capa brilhante.
– Percebo que és um homem de coragem, meu senhor. Disse o velho, e continuou
– E creio ter algo, meu capitão, que estaria a altura da grandeza de vossa majestade.
As atenções, que já haviam se voltado para o inusitado acontecimento, agora fazia com que os frequentadores assumissem, por instantes, um silêncio quase total.
Os acontecimentos até então presenciados por mim, naquele fria e chuvosa noite, levou-me a concluir que o nosso valente e audaz capitão do mar, passava, naquele momento, por um total descontrole de moralidade, decência e respeito, fato este, que o levaria a um desfecho deveras surpreendente.
Enquanto o velho movia-se vagarosamente para trás, ainda com o fardo do metal do sabre em seu pescoço, lentamente tirou sua tão preciosa capa, e ainda sorrindo, colocou-a sobre um dos braços, oferecendo-a como um presente, ao seu opressor. Por alguns momentos, notei que o silêncio que havia tomado o ambiente, agora era quebrado por alguns murmúrios, vindos dos marujos do capitão, todos observavam curiosos o desfecho de tão inesperado episódio.
---Aceite o presente meu capitão.
Gritou um dos marinheiros encostado no balcão.
Theodor não exitou, estava totalmente fascinado pelo intenso brilho das pedras que cobriam toda capa, e tratou de guardar seu instrumento de tortura no cinturão, com apenas um movimento, jogou a capa sobre seus ombros, impulso este, que trouxe cintilância ainda maior aos muitos ornamentos do manto.
O largo sorriso do arrogante capitão, que já era detestável, tornou-se ainda mais repulsivo.
--– Como rei dos Mares, eu tenho agora meu manto real, ajoelhem-se todos, diante de seu rei. Disse o marinheiro com soberba.
Enquanto o homem falava, ergueu seu braço esquerdo, desferindo vigoroso golpe no rosto do já amedrontado mágico, jogando-o contra uma das mesas próximas da saída.
---Saia de perto do rei, sua escória humana!
Disse o marinheiro a gritar.
Mas naquele momento, para espanto de todos ali presentes, a invulgar cena repugnante que assistíamos até então, tomou um caminho que desafiaria o mais céptico dos mortais. O mágico afastou-se para longe, sem tentar qualquer reação, enquanto o rei Theodor, ria debilmente com seus braços erguidos, como se estivesse a comemorar vitória sobre o impotente adversário.
E foi neste momento, que a tão desejada capa, como a encarnar os dons mágicos, e arrisco dizer, diabólicos, de seu antigo dono, enrolou-se cobrindo por completo o audacioso rei dos mares, o brilhar de seus adereços fulguravam intensamente, como a ofuscar nosso olhares, e em alguns segundos, nosso intrépido marinheiro transformou-se em uma incandescente tocha humana. A rubra capa incendeu em labaredas, levando o petulante rei dos mares rapidamente ao chão da taverna, o valente agressor debatia-se ferozmente, mas nada pode ser feito para salvar-lhe a vida, e entre os mais horrendos gritos de pavor nas chamas, o insolente homem foi queimado, derrotado por sua arrogância. Enquanto toda atenção era para o capitão, o ilusionista Houdin desapareceu, possivelmente aproveitando a confusão para fugir, ou quem sabe, estive ali mesmo, imóvel, nós apenas não conseguíamos vê-lo, enganando a todos com mais um dos seus truques, naquela fria noite de tempestade.
Atualizado em: Sex 11 Ago 2023