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Fetiches

Desde que assumiu sua condição aos quinze anos, a vida de Hugo nunca mais foi a mesma. A primeira dificuldade foi dizer a sua conservadora família de cristãos protestantes! Sofria assédio de toda a vizinhança. Ele se via uma mulher presa num corpo de homem, sentia-se culpado, estressado e sem perspectivas. Era duro não atender as expectativas de seus pais e irmãos nessas condições.
       A oportunidade de sair de casa surgiu quando seu amante – um homem mais velho que morava no outro lado da cidade – lhe propôs que fosse morar com ele. Aceitou de pronto, e na calada da noite, Hugo fugiu e se tornou Charlote.
       Seu companheiro se mostrou um sanguessuga, vivia bebendo e usando drogas, a tratava como uma escrava doméstica e ainda a agredia fisicamente. Ela cresceu, e um dia, não aguentando mais as agressões, revidou, a briga foi feia, a polícia foi chamada e o homem foi preso por pedofilia. O bangalô ficou para ela, mas por mais que a casa fosse humilde, como sustentá-la?
       Charlote procurou emprego, mas nenhuma loja ou empresa por mais não davam emprego para travestis ou transexuais. Assim como em sua casa, as barreiras do preconceito não podiam ser rompidas tão facilmente. Com um nó na garganta, foi ao banheiro, tomou uma ducha, perfumou-se, vestiu sua melhor e mais provocante roupa e saiu a rua.
       Não precisou andar muito para conseguir o primeiro freguês, foi abordada por um carro de última geração e depois de negociar o preço, Charlote entrou no carro e foram a viela mais escura da vizinhança. Depois de receber o seu pagamento, sentiu-se um pouco melhor. Quando avistava um carro, exibia-se, os carros buzinavam, alguns amaldiçoavam-na, outros no entanto, vinham satisfazer suas necessidades e pagavam por elas.
       O plano dera tão certo que todas as noites de segunda a domingo, exceto o sábado, saía as ruas para ganhar algum. Metade do dinheiro era para pagar as contas, a outra metade para investimento em seu corpo, além de Charlote, muitas outras viam fazer programa, a concorrência chegava a ser desleal. Precisava estar cada vez mais bonita e feminina para os seus clientes. Seu sonho era fazer a cirurgia de mudança de sexo, mas até lá, precisava dar um mega hear e pôr silicone nos seios.
       Ao longo do tempo em que se prostituiu, ganhou muitos presentes, inimizades e até brigas com outras garotas trans, mas a sua pior experiência foi quando um cliente além de não pagar a sua prata, a agrediu até ser hospitalizada.
       O que mais lhe incomodava enquanto estava entubada eram as notícias de jornais e dos programas jornalísticos da TV, daquelas que temos vontade de nem saber que estão acontecendo. O maníaco da vez era chamado de o “Maníaco dos Fetiches”, de acordo com a única testemunha, uma mulher que sobrevivera ao ataque, ele vestia uma roupa de couro preta e usava uma navalha.
       Quando ela teve alta, ela não deixou de fazer programas por causa disso, ao contrário, depois de sair do hospital, teve que pagar as despesas médicas e passou a fazer sexo sem camisinha, pois assim recebia mais. O risco de pegar alguma doença venérea era alto, mas estava endividada até o pescoço. Suas companheiras de ofício recomendaram estar sob as asas de um cafetão, pagavam uma comissão, mas tinham garantia de segurança nesses casos.
       Os dias transcorreram intercalando miséria e sofrimento. Ninguém mais se arriscava a ficar tão tarde da noite, apenas Charlote resistia, mesmo com todas as ressalvas do cafetão e das outras meninas. E todos as noites, saía a rua.
       Naquela noite, o movimento estava baixo, todos temiam o criminoso. Quando resolveu ir para casa, sentiu uma presença estranha, um vulto que ora ou outra se ocultava na escuridão. Quando andava, ouvia atrás de si um som rascante, como plástico se dobrando. Um cheiro encarniçado se sentia no ar, como se uma cova de um defunto apodrecido estivesse sido aberta ali na rua. O coração de Charlote ficou sobressaltada. Por duas vezes ensaiou uma corrida, mas o salto alto não ajudou. Resolveu esconder-se em um beco, a rua estava escura e a lua pálida ficou encoberta pelas nuvens nubladas. Ocultou-se atrás de uma lata de lixo e prendeu a respiração, segurou a bolsa numa posição em que pudesse se defender. Esperou minutos seguidos, seja lá o quem fosse, tinha ido embora.
       Quando ergue-se, algo frio tocou seus ombros, virou-se batendo com a bolsa no agressor, mas foi ferida no antebraço. E para seu azar era ele, o Maníaco dos Fetiches. Dos pés à cabeça, ele usava uma roupa de couro negro polida, pelas frestas da roupa, via-se um corpo em carne-viva, exalando um fedor pútrido, seus olhos, boca e nariz despejavam um muco purulento. Na mão, ele portava uma navalha. Charlote imaginou se aquilo era humano? Mas seu medo a levou reagir instintivamente. Tentou revidar, mas a dor a fez vacilar. O golpe errou o oponente e acertou a parede, Charlote amaldiçoou o infeliz, mas quando girou o corpo, a navalha acertou seu pescoço. A veia esguichou sangue manchando a lata de lixo. Charlote caiu, e enquanto a vida se esvaia lentamente, e em silêncio, viu seu corpo ser mutilado por aquele monstro. Quando finalmente expirou, o encourado desapareceu no ar deixando uma poça de sangue no chão. Charlote deixou a vida e se tonou um número frio nas estatísticas policiais.
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Atualizado em: Sex 11 Jan 2019

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