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Centauro
Tarde quente e úmida, antevê-se que algo ocorrerá, o vento que antes nem se fazia sentir, agora sopra forte e causa aquela impressão de que não se sabe de onde sopra, revirando folhas e levantando o cheiro da terra. Passou-se o dia de forma indolente e preguiçosa, nada de novo ocorrera, o almoço da Gomercinda, imediatamente após ser engolido, levou a uma modorra difícil de ser vencida, fato imediato, aquele soninho da sesta, reconfortante e que traz novo animo para empurrar o dia ao seu final. Os peões estavam empenhados em arrecadar o gado, no dia seguinte estava combinado pelo capataz para que os animais entre dois e um ano, passassem pelo banho e vacina obrigatória, antevia-se bastante trabalho, João da Nona e Cláudio Manoel prepararam o brete, deixando se ver que estavam preparados para o embate. Assim se foi ate por volta da quatro da tarde, alguns já estavam de volta com seus cavalos exaustos pelo calor. O galpão estava preparado para receber os primeiros viventes, aquele quarto de hora passa rápido, e o tempo dá sinais de que a chuva não tarda. Saiu em ronda, pois quase sempre haveria algo para ser feito pelo ultimo, que sempre era o que se dava conta de que ali em determinado local, haveria de ser feito. Uma rês espalhada e esquecida, um animal velho que por ventura ou desgraça houvesse se misturado aos demais, como que alguém querendo ser jovem só por estar com os mais jovens. Andava as rodilhadas, galope curto e sem pressa, o campo, sem coxilhas proeminentes, não escondia nada de quem do alto do cavalo firmasse a vista, nisto aquele odor de ozônio se fez sentir, uma lufada de ar quente e sufocante se arrodeia, enroscando-se em homem e cavalo, um céu que ate ali se mantinha azul, esconde nas bainhas do horizonte, negras fumes de nimbus, daquelas que escondem o granizo aos magotes. Houve-se o estrondo, o corpo se amortece, os sentidos, quase que de imediato, perdem-se no pavor de que algo esta fora do domínio, não mais se escuta o leve tremor do couro do cavalo, pelos eriçados e crinas ardentes se pronunciam sob o pano das bombachas, o calor do cano da bota se faz sentir na canela do homem ao mesmo tempo em que sobe o pavor para o cérebro.
Sob densa sombra, adormece a mulher, que estando grávida, ali se aconchega para um descanso, quase menina ainda, saída de um lugar ao longe e ao longe ainda mais se distancia. Carrega no buxo o fruto não se sabe de que, nunca, jamais imaginou que o filho que carrega, entrara pelo coito que tivera, forçada é verdade, quase estupro, se não o fosse feito com aquele prazer mórbido da dominação. Assim que a patroa a descobrira em avançado estado de prenhes, a escurraçou, pois pensou ela que o rebento fora fruto profano da sandice do marido, qual nada, que apesar da maciez da carne o dito cujo tinha outros apetites fora do telhado da casa de fazenda. Saindo de longe e indo ao longe a mãe ali se recostara, e por um ínfimo milésimo de segundo, acorreu-lhe um vislumbre do futuro, qual não seria ? se não fosse o homem refletir o seu meio, o de um sujeito a tratar de animais, tanto quanto animais quanto ele.
Os vapores do ozônio se dissipam, os odores de carne tostada permanecem no ar, o gosto de carvão na boca denuncia que o calorão sentido não foi parte de sua viagem de retorno ao ventre da mãe, baixou os olhos, na tentativa de ver-se a si próprio, olhou as mãos pretas, como se houvesse rompido o cano da espingarda e a pólvora lhe explodira nas mãos, mas as rédeas do cavalo ali estavam, e o bicho continuava a trote, sua mão esquerda desliza pelo pescoço do animal, o pelo esta ali, queimado, mas esta.
Três dias e duas noites de caminhada e ela se sentia muito cansada, a quem ela ia em busca ? a mãe ? o pai ? a parentada ? ninguém dela sabia o paradeiro, a mãe lhe despachara aos doze anos para a casa de onde agora fora expulsa, o que recordava era o estomago arder de fome, e a obrigação de tratar os poucos bichos ou lavar a parca roupagem do casebre ao fundo de uma quinta de terra que sabia-se ser do fulano de tal, sesmeiro da região.
Fez-se sentir o galope novamente, a água da chuva, como que espargida sobre os dois, lhe causa o refrescor do momento, recobra o domínio sobre a paisagem, relevo ondulado, nenhuma arvore ao derredor, o cinza da chuva sobre o verde do campo, lá no fundo da imagem há um capão, pequeno, mas local que poderia ser o mais seguro para aquele momento, ao tentar pronunciar uma Opa cavalo ! as palavras não lhe saem pela boca, logo pensa, deve ter sido o maldito raio, balança a rédea para que o bicho apresse o passo, e ele obedece antes mesmo disto.
As margens do regato, que mais parece um fio de água que sai do meio do mato, ela se agacha na busca de um golpe d'agua, com as pequenas mãos em concha, sorve aos goles, o ventre se remexe, por que tendo ele vida própria chegou ao veredicto que esta na hora de sair, lhe causa uma dor aguda e espetada que a obriga a retesar-se, o liquido quente lhe escorre entre as pernas, valha-me os santos, ta na hora de nascer !
Trote apressado na direção do capão, o tempo parecendo escorrer feito a água da borrasca, longos trovões que precedem raios violentos e que estouram nos tímpanos de qualquer valente, lhe causam a angustia da busca de proteção, sentiu os cascos do cavalo em sua mente, sob a maciez da grama de campo, aqui e acolá uma berdoega, uma guanxuma como a querer lhe enrodilhar, e lhe fazer tropeçar, adiando ainda mais a segurança do mato.
Em posição de índia, se coloca a margem do arroiozinho, por tarde quente, as muriçocas do mato voam baixo, lechiguanas atrás das pedras lhe fazem a vez de assistentes, se por ali não vivia ninguém, ninguém por muito menos passaria por lá, e solitariamente se pos ao trabalho de parto, que de mulher pouco tinha no físico, lhe havia de alma, e todas as mães ao sentir-se a dor do chegou a hora, lhe sabe que a hora chegou.
A chuva forte, já se amontoa no campo e nas partes de côncavo já se faz ver, o acumulo de água nos pampas é singular pois dele a água se faz escorrer e se avoluma, e o que é riacho vira rio e o que é rio vira mar, as patas atolam na água, pequeno declive o separa do capão de mato, o a superfície firme lhe foge as patas, água tortuosa lhe fustiga o lombo, vai afundando, já não mais troteia e sim nada, o liquido gelado já lhe causa arrepiar do couro, fôlego sôfrego, apressado, com medo, luta para atingir novamente o chão firme.
O suspiro primeiro do rebento lhe atinge os ouvidos como o estrinido do finca ferro, o aconchega junto ao corpo e o filhote de imediato lhe busca o peito, o esforço foi muito e a força pouca, então de nada lhe resta, sua mente se emboça, seus sentidos se vão, e o adormecer profundo lhe leva a morte, e o que resta é aquele ser pendurado ao seu corpo por um cordão de carne e sangue que logo apodrecerá e também ele que de pouco vivo tem pouco lhe restara.
Finalmente alcança o mato que nestas alturas lhe é salvador, suspira longamente, recobra a respiração ao mais normal que lhe pareça, recomeça a investigar-se por saber que lhe interessa estar a sã e salvo, escuta um barulho, que logo lhe vem a mente ser o de um bezerro, perscruta o mato ao redor, logo sabe a proveniência, e para la se dirige, já nem tem mais consciência da tormenta que se abate, se preocupa em localizar o bezerro e por lhe a seguro, adentra o mato e logo a clareira se aspraia, e já cheia de água da chuva lhe mostra o recém nascido sobre um tronco podre que apesar da forte corrente não se afasta do lugar, vai a trote por água a dentro, lhe vem a mente apear do cavalo e agarrar a criança, mas em vez disto, as patas dianteiras se dobram e ele agacha o corpo lhe proporcionando que agarre o chorão e lhe salve a vida, mas eis que, o cordão esta ali ainda, e o corpo da mãe, embrenhado em pedras e macegas da ribeirinha é a sua ancora da salvação, com sua faca de serviço se abate a corda que lhe prendia a mãe morta, o recolhe ao colo e se afasta dali. Por anos a fio se escutou o chamado do homem cavalo a seu filho, que das coxilhonas ecoavam, sempre no intento de lhe precaver dos perigos do pampa e que ninguém sabia de onde haviam vindo e nem para onde se foram
Sob densa sombra, adormece a mulher, que estando grávida, ali se aconchega para um descanso, quase menina ainda, saída de um lugar ao longe e ao longe ainda mais se distancia. Carrega no buxo o fruto não se sabe de que, nunca, jamais imaginou que o filho que carrega, entrara pelo coito que tivera, forçada é verdade, quase estupro, se não o fosse feito com aquele prazer mórbido da dominação. Assim que a patroa a descobrira em avançado estado de prenhes, a escurraçou, pois pensou ela que o rebento fora fruto profano da sandice do marido, qual nada, que apesar da maciez da carne o dito cujo tinha outros apetites fora do telhado da casa de fazenda. Saindo de longe e indo ao longe a mãe ali se recostara, e por um ínfimo milésimo de segundo, acorreu-lhe um vislumbre do futuro, qual não seria ? se não fosse o homem refletir o seu meio, o de um sujeito a tratar de animais, tanto quanto animais quanto ele.
Os vapores do ozônio se dissipam, os odores de carne tostada permanecem no ar, o gosto de carvão na boca denuncia que o calorão sentido não foi parte de sua viagem de retorno ao ventre da mãe, baixou os olhos, na tentativa de ver-se a si próprio, olhou as mãos pretas, como se houvesse rompido o cano da espingarda e a pólvora lhe explodira nas mãos, mas as rédeas do cavalo ali estavam, e o bicho continuava a trote, sua mão esquerda desliza pelo pescoço do animal, o pelo esta ali, queimado, mas esta.
Três dias e duas noites de caminhada e ela se sentia muito cansada, a quem ela ia em busca ? a mãe ? o pai ? a parentada ? ninguém dela sabia o paradeiro, a mãe lhe despachara aos doze anos para a casa de onde agora fora expulsa, o que recordava era o estomago arder de fome, e a obrigação de tratar os poucos bichos ou lavar a parca roupagem do casebre ao fundo de uma quinta de terra que sabia-se ser do fulano de tal, sesmeiro da região.
Fez-se sentir o galope novamente, a água da chuva, como que espargida sobre os dois, lhe causa o refrescor do momento, recobra o domínio sobre a paisagem, relevo ondulado, nenhuma arvore ao derredor, o cinza da chuva sobre o verde do campo, lá no fundo da imagem há um capão, pequeno, mas local que poderia ser o mais seguro para aquele momento, ao tentar pronunciar uma Opa cavalo ! as palavras não lhe saem pela boca, logo pensa, deve ter sido o maldito raio, balança a rédea para que o bicho apresse o passo, e ele obedece antes mesmo disto.
As margens do regato, que mais parece um fio de água que sai do meio do mato, ela se agacha na busca de um golpe d'agua, com as pequenas mãos em concha, sorve aos goles, o ventre se remexe, por que tendo ele vida própria chegou ao veredicto que esta na hora de sair, lhe causa uma dor aguda e espetada que a obriga a retesar-se, o liquido quente lhe escorre entre as pernas, valha-me os santos, ta na hora de nascer !
Trote apressado na direção do capão, o tempo parecendo escorrer feito a água da borrasca, longos trovões que precedem raios violentos e que estouram nos tímpanos de qualquer valente, lhe causam a angustia da busca de proteção, sentiu os cascos do cavalo em sua mente, sob a maciez da grama de campo, aqui e acolá uma berdoega, uma guanxuma como a querer lhe enrodilhar, e lhe fazer tropeçar, adiando ainda mais a segurança do mato.
Em posição de índia, se coloca a margem do arroiozinho, por tarde quente, as muriçocas do mato voam baixo, lechiguanas atrás das pedras lhe fazem a vez de assistentes, se por ali não vivia ninguém, ninguém por muito menos passaria por lá, e solitariamente se pos ao trabalho de parto, que de mulher pouco tinha no físico, lhe havia de alma, e todas as mães ao sentir-se a dor do chegou a hora, lhe sabe que a hora chegou.
A chuva forte, já se amontoa no campo e nas partes de côncavo já se faz ver, o acumulo de água nos pampas é singular pois dele a água se faz escorrer e se avoluma, e o que é riacho vira rio e o que é rio vira mar, as patas atolam na água, pequeno declive o separa do capão de mato, o a superfície firme lhe foge as patas, água tortuosa lhe fustiga o lombo, vai afundando, já não mais troteia e sim nada, o liquido gelado já lhe causa arrepiar do couro, fôlego sôfrego, apressado, com medo, luta para atingir novamente o chão firme.
O suspiro primeiro do rebento lhe atinge os ouvidos como o estrinido do finca ferro, o aconchega junto ao corpo e o filhote de imediato lhe busca o peito, o esforço foi muito e a força pouca, então de nada lhe resta, sua mente se emboça, seus sentidos se vão, e o adormecer profundo lhe leva a morte, e o que resta é aquele ser pendurado ao seu corpo por um cordão de carne e sangue que logo apodrecerá e também ele que de pouco vivo tem pouco lhe restara.
Finalmente alcança o mato que nestas alturas lhe é salvador, suspira longamente, recobra a respiração ao mais normal que lhe pareça, recomeça a investigar-se por saber que lhe interessa estar a sã e salvo, escuta um barulho, que logo lhe vem a mente ser o de um bezerro, perscruta o mato ao redor, logo sabe a proveniência, e para la se dirige, já nem tem mais consciência da tormenta que se abate, se preocupa em localizar o bezerro e por lhe a seguro, adentra o mato e logo a clareira se aspraia, e já cheia de água da chuva lhe mostra o recém nascido sobre um tronco podre que apesar da forte corrente não se afasta do lugar, vai a trote por água a dentro, lhe vem a mente apear do cavalo e agarrar a criança, mas em vez disto, as patas dianteiras se dobram e ele agacha o corpo lhe proporcionando que agarre o chorão e lhe salve a vida, mas eis que, o cordão esta ali ainda, e o corpo da mãe, embrenhado em pedras e macegas da ribeirinha é a sua ancora da salvação, com sua faca de serviço se abate a corda que lhe prendia a mãe morta, o recolhe ao colo e se afasta dali. Por anos a fio se escutou o chamado do homem cavalo a seu filho, que das coxilhonas ecoavam, sempre no intento de lhe precaver dos perigos do pampa e que ninguém sabia de onde haviam vindo e nem para onde se foram
Atualizado em: Qui 5 Mar 2009