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TESOURO VIVO
A pá bateu com força na terra seca e dura:
— Tengo!
Divino estava exausto. Já fazia algumas horas que ele estava cavando aquele buraco na curva da estrada velha. O buraco já tinha quase um metro de fundura e ele já não podia mais de tanto cansaço.
Esta odisseia começou há alguns dias, quando Divino havia sonhado com uma botija próxima às suas terras no Vale Seco. Ele não era crédulo ao extremo, e nem tinha ouvido falar em botijas naquela região desde tempos antigos. As botijas eram jarros de barro ou bolsas de couro que as famílias abastadas enterravam em tempos de guerra ou grandes conflitos, contendo tesouros como moedas de ouro, correntes ou joias. Os antigos as enterravam para que pudessem a recuperar depois de algum tempo, quando já fosse seguro. Com o passar do tempo, esses tesouros se perdiam, e dizem os antigos que eram “as almas” as encarregadas de dar as botijas a quem elas escolhessem, através de sonhos ou aparição.
Corriam pela região antigos boatos de pessoas que desenterraram botijas e mudaram drasticamente suas condições de vida, passando a ostentar bens que antes não possuíam. As informações sobre estes fatos não eram normalmente divulgadas, já que os supostos desenterradores de botijas se calavam sobre estes acontecimentos.
Há dois dias, Divino havia contado seu sonho para Neco, seu amigo de longa data. Omitindo cautelosamente o local onde ele pensava estar o tesouro.
— Se o sonho fosse meu, eu iria lá. — Disse Neco. — Pelo sim ou pelo não, não se tem muito a perder.
Divino sonhara que escavava um tesouro na curva da estrada velha, em um dia muito quente e claro. Despertou com sede e com o coração batendo acelerado, e não se esquecendo mais do sonho, propôs partir em busca do tesouro.
O sonhador então muniu-se de ferramentas, arriou o burro e marchou em direção ao local do indefinido tesouro. Agora, suado, cansado e com as mãos e roupas sujas, ele arrazoava sobre sua situação. Depois de muito cavar, não havia encontrado sinal algum de um suposto tesouro. E, ao ficarem sabendo, os “camaradas” com certeza iam rir-se dele, fazendo um alarde sobre o seu infrutífero sonho. Desacorçoado, depois de algum tempo, resolveu parar de cavar e ir embora.
No outro dia encontrou-se com Neco e contou-lhe sua fracassada experiência.
— É rapaz, eu “dei com os burros n’água”. A empreitada não se deu como eu planejava. — Revelou Divino, acrescentando os detalhes dos seus atos.
— Deixe estar. — Disse Neco. — Eu ainda vou consertar essa situação.
Divino estranhou a atitude do amigo. O que ele poderia fazer? Iria num passe de mágica providenciar uma botija para o local indicado? Ou teria algum plano infalível para remediar a situação?
Alguns dias se passaram, e, numa plácida tarde, Neco disparou porteira adentro falando em alta voz:
— Divino, eu já tenho a solução!
Divino olhou incrédulo para o amigo que vinha empurrando um carrinho de mão com uma planta dentro. Era uma muda de angico, ainda com o torrão em volta das raízes. Divino indagou estupefato:
— O que você vai fazer com isso? Por acaso virou jardineiro, agora?
— Não é nada disso. — Respondeu Neco. — Como você já cavou um buraco próximo às suas terras, nós vamos plantar esse angico para quando passarmos por lá, encontrarmos sombra. Além disso, angico tem propriedades medicinais e dá boa madeira, e o mundo está mesmo precisando de mais árvores.
Divino riu-se da situação. Ele que andou ávido procurando por um tesouro, agora faria parte de uma ação de extrema importância para os seres vivos, plantar uma árvore, ou seja, um tesouro vivo.
Atualizado em: Sex 18 Out 2024