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Exército de um homem só

Enquanto janto, sinto medo de ter meu lar invadido, e ser arrancado à força dos confortos de minha casa. Enquanto caminho pela praça, leio perfeitamente a insegurança daqueles que andam, temendo pensar algo herético perto de mais de um passarinho entre as árvores. Quem diria, nosso representante carismático arranca como pode nosso suado ouro com abusivos impostos, e mesmo assim, deve os reinos vizinhos, e parece não investir nas necessidades básicas de nossa nação. Agora estou polindo o escudo do cavaleiro a quem sirvo. De certo modo fui arrastado das saias de minha mãe e puxado pelos cabelos até um campo sangrento de batalha, servindo como escudeiro de um esnobe nobre filho de um Lorde. Ah, sou só um plebeu quase homem-feito, e pouco valor me dão por isso. Pouco valor, por tanto, dou ao Rei e ao seu detestável conselho, por ter a audácia de repelir todos os aliados. Pouco valor dou aos governantes que tiveram a proeza de destruir uma nação internamente pelos abusos de autoridade e pela ignorância ao nosso estado, e também destruí-la externamente, fazendo inimigos e desmanchando alianças por serem levianos e interesseiros.

Não consigo conter meu riso debochado, mas não é apropriado rir agora enquanto levanto minha mão junto com os outros, demostrando respeito e humildade àquele que nos governa. Um serzinho carismático, nosso rei, acho que já disse isso. Carismático por que mesmo assim ele encanta a maioria do povo, abafando os podres que eu conheço muito bem. Carismático por que a imprensa local o titula assim, e faz questão de repetir mil vezes necessárias forem as conquistas e ideias do governo atual. Como a maioria é analfabeta, cantores contratados cantam em nome do rei, canções fáceis, dóceis e viciantes sobre o que querem que sabemos sobre política. Mas eu não ergui a mão em respeito ao nosso eloquente representante. E sei que arrastei a terça parte dos cidadãos comigo com minha cauda. Ah, quem diria que um escudeiro promovido a copeiro devido a sua inutilidade em um campo de batalha seria um bastardo que foi criado pelo dono da imprensa e foi sequestrado quando tinha onze anos para trabalho escravo em um moinho de um nobre que sequer sabia minha identidade seria uma ameaça aos que estão no pódio do poder.

Eu sei ler suas cartas, entender suas discussões de guerra. Sou um homem de guerra, um articulista e gestor. Mas pouco valor me dão por ser plebeu. O mesmo que já ergueu diversas vezes o braço é aquele que arriscando ser traído por um vira-manto criou uma sociedade secreta, mantendo contato com exilados em outras nações, e fazendo acordos com líderes simpatizantes com os mesmos. Eu sou a luz no meio-dia escurecido pela Inquisição. Ceamos com o rei, que nos sacia a sede com veneno, e, como todo fiel ao estado faria, fingimos beber de seu líquido. Não damos atenção a imprensa, mas às escuras circulamos pelas sombras nossas próprias notícias, escritas sob pressão de morte, em frias grutas, com pouco mais de vinte pessoas de confiança. Em seu cálice também há veneno, ó meu amado rei, e depois de fingirmos beber de seu líquido, aguardamos ansiosamente que beba o nosso.
Paz.
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Atualizado em: Qui 15 Jun 2017

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