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Faz sentido porque é certo ou é certo porque faz sentido?

              Excetuando alguns bolsões religiosos e esotéricos, em geral as pessoas compartilham a visão de que a construção da sociedade humana é o contínuo resultado de uma tarefa longa, colaborativa, por vezes recalcitrante mas teimosamente humana. Tudo o que não temos hoje é resultado de um delicado compromisso entre necessidade, capacidade e dedicação e, de igual forma, só temos o que temos pela cruel dinâmica deste mesmo arranjo. Entretanto, este crescimento não é retilíneo e por tantas vezes, nem sequer monotônico (na acepção matemática). Já tivemos ‘certeza’, por exemplo, que fumar era benéfico à saúde e, ainda mais importante, que oferecer vidas em sacrifício aos deuses garantiria o êxito da safra. Embora nem todas as decisões e visões tenham sido geniais, é o somatório ponderado delas (e sobretudo das suas interações e ramificações) que nos trouxe até este momento e seguirá nos conduzindo futuro adentro. Se o coletivo humano tivesse um manual, este seria seu maior cânone, juntamente com avaliar o resultado destas decisões e permitir-se revisitá-las.
              O ponto fulcral é: em que bases estas decisões eram tomadas? Qual método por tanto tempo foi usado usado para discernir entre tantas opções, às vezes tão similares - sem a possibilidade de usar estatísticas especializadas, pesquisas de preferência popular, literatura especializada e sobretudo coaches de inovação? Não há como negar que muita coisa começou na base da tentativa e erro (embora o nome da estratégia ainda não tivesse sido cunhada) mas eras depois começou-se a analisar a estranha relação entre estas decisões e seus resultados, alimentando um círculo de aperfeiçoamento que, visando melhores resultados no futuro, baseava-se em experiências passadas. Embora longe de perfeito, o método estava lançado e está presente não só na nossa cultura mas em nossa essência, até os ossos. Claro que aperfeiçoamos este método ainda mais, inserindo outras formas de análise, desenvolvemos mais conhecimento e ciência, compreendemos e depois dominamos processos mas a espinha dorsal da técnica - sobretudo em nossos inconscientes - segue resiliente.
              Os anos foram passando, as décadas e depois os centenários; até que alguém disse: “eu não quero a cada vez que tomar uma decisão, refazer todo este trabalho dialético de aperfeiçoamento das métricas do processo através de uma contínua análise retroalimentada de performance cruzada”. Em uma espécie de ‘súmula vinculante’ da idade do bronze, introduziu-se o conceito de ‘certo’. Uma decisão, ação ou perspectiva que obedece o cânone da espécie humana (ou seja, passou pelo crivo do tempo e mostrou-se a mais eficiente) vai receber o selo de pureza e será chamada pelo nome de ‘certo’. Foi como a invenção da imprensa e deu às multidões acesso ao um conhecimento e habilidade, mesmo sem os recursos necessários para desenvolver aqueles raciocínios. Um boom de prosperidade se alastrava como fogo selvagem, a ponto de ofuscar sua real origem. Agora, as coisas já eram ‘certas’ por si, não como predicado emergente de um processo cognitivo mas como atributo próprio - independente da situação ou do observador. O que era resultado virou causa e ali estava a semente da catástrofe que levaria Trump ao poder.
              Um um cenário onde as mudanças são lentas, estratégias desta natureza são eficazes - embora demoradas, mas quando o ambiente cria mudanças contínuas, com crescente velocidade, poder decidir em função das vivências passadas dá uma resposta impraticavelmente lenta e por vezes equivocada e a magia da máscara do ‘certo’, começa a ficar nebulosa. O desafio passa ser hercúleo: combater um instinto arraigado e instilado em nossas entranhas por milênios, para adaptar-se às necessidades deste mundo em ebulição, cuja única constância é a mudança (como já diziam os gregos, 2500 anos atrás). É impossível viver em um mundo em que todas as decisões são escrutinadas e decompostas em uma sequência infinita de regressões mas também é insustentável viver sob o julgo autoritário de decisões passadas, tomadas em contextos diferentes, sem a flexibilidade necessário para sua reavaliação. O método já não nos serve mais (como única arma), a solução para os problemas que temos que resolver não jaz no passado pois alguns destes problemas nem existiam neste passado. Precisamos de um método novo, um que não use da louca paixão como critério principal (uma vez que ela é, bem, louca!) e emergiremos do outro lado, mais altivos, conscientes e capazes para enfrentar os desafios que se enrolam em nossos calcanhares.
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Atualizado em: Seg 16 Out 2023

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